TIRADENTES 2021 | Os ostinatos audiovisuais de Paula Gaitán
Atualizado: 21 de fev. de 2021
A cineasta Paula Gaitán foi a grande homenageada desta 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, tendo não somente a sua carreira rememorada como também estreando três filmes inéditos durante o evento. O média-metragem Ostinato (2021) abriu esta edição apresentando um registro documental e musical do artista Arrigo Barnabé, enquanto a programação trouxe depois o curta experimental Ópera dos Cachorros (2020) e o média do mesmo gênero Se Hace Camino al Andar (2020). Confira mais a seguir:
Ostinato (2021)
A carreira de Paula Gaitán, uma franco-colombiana radicada no Brasil, sempre navegou pelas mais diversas artes, sendo o cinema aquela a qual ela mais se dedicou desde o Diário de Sintra (2007), documentário também presente na Mostra Homenagem desta edição de Tiradentes, no qual resgata as memórias do exílio em Portugal de Glauber Rocha, de quem fora esposa. Alguns de seus últimos filmes, contudo, demonstram que a artista tem se encantado pelo mundo da música. Dentro desta seleção especial estão, por exemplo, os ritmos noturnos no experimental Noite (2015) e a emblemática canção de Elza Soares no videoclipe de Mulher do Fim do Mundo, realizado em 2017, sem contar o recente longa É Rocha e Rio, Negro Léo (2020), em que aproveitava a proximidade com o genro músico para falar sobre a área e muito mais.
Agora em Ostinato, a diretora conversa, tanto literal quanto artisticamente, com Arrigo Barnabé, músico conhecido por ter sido um dos principais nomes da Vanguarda Paulista e que atuou no último longa dela, o premiado Luz nos Trópicos (2020). Longe de trazer as grandes rupturas estéticas e narrativas geralmente propostas pela cineasta desbravadora, seu novo média-metragem tampouco é um típico documentário biográfico. Abdicando das formalidades de uma comum apresentação sobre a trajetória de vida de seu retratado, Gaitán introduz o artista ao público que o desconhece ao acompanhar o processo criativo dele e o seu pensamento sobre o estado atual da arte – que, por vezes, perpassa por certo elitismo em seu discurso.
A citação inicial a Arnold Schoenberg, compositor austríaco que criou o dodecafonismo, a primeira manifestação do serialismo, forma de composição musical a qual Arrigo é adepto e fez desta a sua marca, é o primeiro indício de que o filme investe em um olhar mais profundo acerca da obra dele e, igualmente, pretende uma abordagem diferente a um formato cinematográfico padronizado. Tendo como principal cenário o espaço cultural da Casa de Francisca, com suas grandes varandas revelando a agitação do centro de São Paulo que acolheu o artista paranaense, além dos instrumentos e partituras em uma tradicional loja do ramo, o documentário o escuta tocar e também falar sobre barroco, dissonância e suas séries dodecafônicas, diferenciar a maneira como ele e seu parceiro de movimento, Itamar Assumpção (1949-2003), compunham e a concepção de fazer uma “música erudita popular”, entre outros tópicos, mas é na segunda parte, no diálogo com a diretora, que não aparece nas câmeras, é que a narrativa ganha contornos semelhantes ao trabalho de seu objeto. Tal qual o termo em seu título, que se refere a uma frase musical repetida constantemente, a montagem cria ostinatos ao retornar a determinadas partes da fala do músico, assim como se permite fugir em divagações dele em off sobre a conversa dos dois, resultando em uma média-metragem, talvez, não muito elucidativo ao espectador, porém, bem ilustrativo em relação à arte de Barnabé.
Ostinato (2021)
Duração: 56 min
Direção: Paula Gaitán
Roteiro: Paula Gaitán
Elenco: Arrigo Barnabé (veja + no site)
Produção: São Paulo
> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, das 22h de 22/11 (sexta) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)
Ópera dos Cachorros (2020) e Se Hace Camino al Andar (2020)
Nos outros dois filmes inéditos de Paula Gaitán nesta Mostra Tiradentes, a experimentação de sua filmografia dá o tom, sendo possível dizer até que a ideia do ostinato musical vista no média-metragem homônimo também é transposta para o campo audiovisual de maneiras diferentes e mais agressivas nestes trabalhos. O curta Ópera dos Cachorros é o mais drástico deles e o mais próximo do cinema sensorial que é a marca da realizadora, por praticamente abolir os signos visuais com a tela preta que serve de fundo para a cacofonia e repetição das canções, intervenções e invenções sonoras da cineasta pelas ruas da cidade de São Paulo. São cânticos indígenas, falas da diretora em francês e em espanhol que podem remeter o espectador a inúmeros significados e reflexões, mas são justamente os únicos elementos visuais que surgem nos dizeres iniciais que conferem um caráter político a essas vozes e sons que precisam ressoar no espaço público.
A trilha sonora assinada pela filha Ava Rocha tem um papel importante em Se Hace Camino al Andar, mas o média-metragem caminha em um exercício mais visual de reiteração e observação de diferenças nessa repetição cíclica. A produção acompanha um homem andando por um caminho de terra entre uma rodovia e uma plantação, a qual ele adentra neste ir e vir. Esses ciclos carregam ene leituras, seja sobre os diversos momentos do percurso de uma vida ou mesmo das possibilidades que cada escolha podem acarretar nesta estrada existencial, porém, é mais na origem do título, vinda dos versos do poeta espanhol Antonio Machado, musicado pelo compatriota Joan Manuel Serrat, que reside uma ideia de ação na experimentação que move o próprio filme e todo o fazer cinematográfico de Gaitán, sempre provocando divisivas recepções no público.
Ópera dos Cachorros (2020)
Duração: 15 min
Direção: Paula Gaitán (veja + no site)
Se Hace Camino al Andar (2020)
Duração: 35 min
Direção: Paula Gaitán (veja + no site)
> Disponíveis gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 0h de 23/11 (sábado) às 23h59 de 30/01/2021 (sábado)
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