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Foto do escritorNayara Reynaud

OLHAR 2021 | Dia 3 – A nova paternidade e a velha sina latina

Atualizado: 4 de jan. de 2022

Filmes nacionais que reconfiguram a imagem da paternidade, com o pernambucano Rio Doce (2021) e o paranaense Mirador (2021), e retratos de heranças insuperáveis na América Latina, com o mineiro Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020) acompanhando a luta indígena por suas terras no Brasil através da saga dos Maxakali e o colombiano Um Céu Tão Nublado (Un Cielo Tan Turbio, 2021) vislumbrando a vida dos venezuelanos em seu país em crise – além do panorama latino-americano das mais diversas formas de violência que atingem as mulheres ao longo continente no carioca Nunca Mais Serei a Mesma (2021), longa de Alice Lanari que integra a mostra Outros Olhares. Confira a seguir estes destaques do terceiro dia de programação do 10º Olhar de Cinema:

 

Rio Doce (2021)


Rio Doce (2021)

O longa de estreia de Fellipe Fernandes traz consigo muito da estética e linguagem naturalista que se faz presente em grande parte da produção nacional contemporânea, mas é nos detalhes que Rio Doce revela suas particularidades entre seus pares. A mais evidente desde o início é a aura onírica da fotografia levemente esfumaçada de Pedro Sotero que reflete na ausência do aspecto soturno tão comum ao ambiente ou às personagens de histórias deste estilo. Outra que vai se desvelando é a essência melodramática ou folhetinesca de sua trama, sem se entregar nem ao cinismo nem ao popularesco.


A partir desses mecanismos, o filme apresenta Tiago (o rapper Okado do Canal), um motoboy que deixou a paixão pelo hip hop de lado para poder sustentar a filha e passa por um momento de crise por estar recém-separado, com dívidas e uma dor nas costas que lhe persegue. É justamente nesse contexto em que uma mulher o procura e ele descobre o paradeiro de seu pai biológico já falecido e a existência desta e de outras duas meias-irmãs. O rapaz, então, se vê em meio ao constrangimento de conhecer seus novos familiares, no qual o classismo se revela na medida em que o clã classe média recifense se depara com o novo parente, morador do bairro periférico olindense de Rio Doce, ao mesmo tempo em que ele se distancia, sem entender o porquê, da sua própria família e daquela que está formando.


Talvez, tal qual o protagonista, a obra se mostre um pouco perdida em alguns momentos, sem demonstrar progressão, mas é sempre muito honesta consigo mesma e com o público. O retrato do personagem e a familiaridade do aniversário não planejado em casa geram identificação, assim como a construção das figuras elitizadas não cede ao maniqueísmo para fazer suas críticas. Por fim, a jornada de Tiago é a de ressignificar a sua própria experiência de paternidade, vestindo-a para dar novos exemplos a si e à filha.

 

Rio Doce (2021)

Duração: 90 min | Classificação: 14 anos

Direção: Fellipe Fernandes

Roteiro: Fellipe Fernandes

Elenco: Okado do Canal, Cíntia Lima, Cláudia Santos, Carlos Francisco, Nash Laila, Thassia Cavalcanti e Amanda Gabriel (veja + no site)

Produção: Brasil


> Sessão – 09/10/2021 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 13/10/2021 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Mirador (2021)


Mirador (2021)

Dialogando diretamente com o pernambucano Rio Doce, que integra este mesmo dia de programação do 10º Olhar de Cinema, o drama paranaense Mirador busca transmitir, igualmente, uma "nova" visão sobre a paternidade. Na realidade, não há nada de novo na experiência paterna retratada no longa de estreia de Bruno Costa com a realidade de tantos por aí que, de fato, assumem o papel de pai. No entanto, como também são muitos os exemplos, sejam reais ou midiáticos, de pais ausentes ou que, por machismo, não assumem toda a responsabilidade ou vivenciam o tempo junto aos seus filhos, representações mais positivas como a de Maycon (Edilson Silva) surgem com ar de novidade.


Contudo, o roteiro de Costa com William Biagioli constrói um longo processo de aprendizagem para o personagem compreender a sua função paterna. Tentando voltar aos ringues, enquanto arranja vários (sub)empregos para se sustentar, o boxeador é surpreendido quando sua ex-companheira decide partir sem aviso, o obrigando a assumir os cuidados de sua pequena filha. A narrativa, então, o acompanha no desafio de tentar conciliar o trabalho com as necessidades da criação de uma criança.


Algo, aliás, que acontece cotidianamente com várias mulheres, mas há certa distância imposta pela direção que, ao mesmo tempo em que dificulta um sentimento mais empático ao protagonista e à trama, evita tornar Maycon em um herói ou a ex em vilã. Por fim, é uma jornada de descoberta deste homem com sua essência e sua descendência, encontrando as dores e, igualmente, a satisfação de se viver a paternidade em plenitude.

 

Mirador (2021)

Duração: 95 min | Classificação: 12 anos

Direção: Bruno Costa

Roteiro: Bruno Costa e William Biagioli

Elenco: Edilson Silva, Maria Luiza da Costa e Stephanie Fernandes (veja + no site)

Produção: Brasil


> Sessão – 09/10/2021 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 13/10/2021 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Cena do filme brasileiro Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa! (2020), longa de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero | Foto: Divulgação (Créditos: Roberto Romero)

*Texto publicado durante a cobertura da 24° Mostra Tiradentes


Depois de seu longa de estreia Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito ter levado o Troféu Carlos Reichenbach na Mostra Olhos Livres do ano passado, Isael Maxakali e Sueli Maxakali novamente foram agraciados pelo Júri Jovem com o mesmo prêmio em 2021, por Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa!, trabalho em que dividem a direção com Carolina Canguçu e Roberto Romero. Os feitos da dupla de cineastas da etnia Maxakali não se resumem a estatuetas, pois a sua recente filmografia, iniciada com o média-metragem documental Grin (2016), codirigido por Roney Freitas, é um marco para o cinema nacional: se proporcionalmente a toda a produção do país, os filmes sobre os povos indígenas brasileiros são poucos, o que dirá os feitos pelos próprios indígenas. Isso torna os dois diretores em figuras pioneiras ao levarem o cinema indígena de fato, se não ainda ao grande público, pelo menos com grande força ao circuito de festivais.


Com este segundo longa, os documentaristas completam um trinca de obras de resistência dos Maxakali. Grin recordava as dolorosas lembranças geradas pelo alistamento de alguns homens da etnia na formação da Guarda Regional Indígena (GRIN) durante a Ditadura. Yãmĩyhex, a mais emblemática delas, é a memória das tradições de seu povo, ao acompanhar uma semana de ritual referente à passagem das “mulheres-espírito” na aldeia, contra a tentativa sistemática de apagamento de sua cultura. Mas se havia neste uma ruptura com a narrativa e lógica dos “brancos”, Nũhũ yãg mũ yõg hãm é voltado justamente para o público não-indígena como um grito que brada a posse da terra que lhes foi tirada, assim como tantas vidas de seus parentes por causa dessa disputa.


Assim, a dupla, ao lado de Canguçu e Romero, que também foram responsáveis pela montagem, adota um tom mais didático logo na abertura, remetendo à chegada dos colonizadores portugueses em Porto Seguro, para logo introduzir o cenário do Vale do Mucuri, em Minas Gerais, chamado pelos indígenas de “onde corta o rio”, através dos desenhos oitocentistas do naturalista alemão Prinz Von Wied Maximilian, e filmagens dos anos 1930 que mostram o crescimento populacional da cidade de Teófilo Otoni, indicando como a chegada dos brancos mudou totalmente a região, não só pelo desaparecimento das “árvores compridas”. Depois disso, o documentário acompanha a caminhada dos Maxakali por essas terras em tempos atuais, desde a caverna onde os antigos precisaram se esconder da perseguição dos fazendeiros, passando justamente pelas fazendas e o espaço urbano que tomaram aquilo que lhes era de direito, seja pressionando-os a um espaço exíguo em termos de propriedade e também dizimando famílias inteiras, como relata um dos personagens retratados no longa. Alguns dos pontos altos desse trajeto são a discussão sobre a lâmpada roubada de um bar e o portal com uma imagem típica dos povos nativos dos Estados Unidos, mas é com uma das frases ditas ainda no primeiro ato que o filme reforça a ideia de que essa luta não diz respeito somente à posse, mas à necessidade de estar sempre em contato com essa ligação ancestral que possuem a esse lugar: “A terra é nosso parente. Nossos ancestrais vieram dela”, uma sentença completada pela força do encontro e canto final.

 

Duração: 70 min | Classificação: 12 anos

Direção: Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero

Elenco: Delcida Maxakali, Totó Maxakali, Mamei Maxakali, Pinheiro Maxakali, Manuel Damázio, Arnalda Maxakali, Dozinho Maxakali, Vitorino Maxakali, Israel Maxakali, Marinho Maxakali, Américo Maxakali, Veronildo Maxakali, Noêmia Maxakali, Pedro Vieira, Joviel Maxakali, Neusa Maxakali, Manuel Kelé e Tevassouro Maxakali (veja + no site)

Produção: Brasil

> Sessão – 09/10/2021 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 13/10/2021 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema

 

Um Céu Tão Nublado (Un Cielo Tan Turbio, 2021)


Um Céu Tão Nublado (Un Cielo Tan Turbio, 2021)

Áudios de discursos e reportagens sobre as mudanças e crises políticas na Venezuela nas últimas décadas abrem o filme Um Céu Tão Nublado, segundo longa do colombiano radicado na Espanha, Álvaro F. Pulpeiro. Talvez, estes sejam os dados mais palpáveis de um documentário que não busca explicar quais os problemas venezuelanos e suas razões, mas, sim, delinear um vislumbre sensorial do que tem sido viver no país sul-americano vizinho nestes últimos anos. O cotidiano na plataforma de petróleo, que era o “ouro negro” da nação em contraste com a dificuldade da população em obter galões de gasolina, com muitos se rendendo ao contrabando – aqui, em um diálogo com outra produção da Mostra Competitiva do 10º Olhar de Cinema, o nigerense Zinder (2021) –, enquanto um grande fluxo de pessoas tenta imigrar para o Brasil em busca de melhores condições.


Pulpeiro tem uma predileção por silhuetas, detalhes, vozes em off e rostos nas sombras, filmando, muitas vezes, no final da tarde e noite adentro. Talvez, haja uma preocupação em não identificar certos personagens em algum dos casos, mas a escolha ressoa muito mais como representação da população venezuelana que vai perdendo sua força e identidade, no que seria o “crepúsculo de uma pátria e de um povo”. Como conceito, funciona, mas trata-se de um filme que facilmente perde a atenção da maior parte do público, justamente por não proporcionar a imersão nesse período tão nublado que se avizinha daqui.

 

Um Céu Tão Nublado (Un Cielo Tan Turbio, 2021)

Duração: 83 min | Classificação: 14 anos

Direção: Álvaro F. Pulpeiro (veja + no site)

Produção: Colômbia, Espanha e Reino Unido


> Sessão – 09/10/2021 (sábado), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

> Reprise – 13/10/2021 (quarta), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema


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