OLHAR 2020 | Dia 6
Confira os destaques deste sexto dia de programação do 9ª edição do Olhar de Cinema:
O Índio Cor de Rosa Contra a Fera Invisível: A Peleja de Noel Nutels (2020) é um típico documentário alicerçado na montagem de materiais de arquivo. Neste caso, o cineasta Tiago Carvalho faz do seu primeiro longa uma ressignificação das filmagens e do relato do médico sanitarista Noel Nutels que percorreu o interior do Brasil atendendo populações indígenas, sertanejas e ribeirinhas entre 1940 e 1970. O único registro de sua voz, em um depoimento para a CPI do Índio, em 1968, serve como guia da narrativa, ilustrada pelas muitas expedições documentadas por ele mesmo em filmes 16mm.
Outros arquivos ajudam a compor esse panorama histórico da questão indígena no país e o único momento mais pessoal sobre a figura de Noel. Mais especificamente, a sequência de abertura que mescla as fotos de Noel ainda criança e imagens genéricas de navio para representar a chegada do menino com a família, vindos da Ucrânia, em terras brasileiras. Também são utilizados filmes do Humberto Mauro, com a recriação da conquista portuguesa e a primeira missa reforçando o discurso, e Ao Redor do Brasil – Aspectos do Interior e das Fronteiras Brasileiras (1932), de Luiz Thomaz Reis, quando Nutels cita a Comissão Rondon como a primeira vez, no Brasil, que se olhou para o índio como ser humano.
Contudo, sem o som das filmagens originais em 16mm, a obra investe em uma composição sonora que reconstitui e, em determinados momentos, potencializa o que surge na tela. O desenho e edição de som de Claudio Tammela, também coroteirista e montador, e de Damião Lopes imprime o ritmo de um trem a vapor na já citada sequência inicial, ao mostrar seu personagem trabalhando incansavelmente em diversas aldeias, por exemplo. A trilha sonora assinada por Guilherme Vaz, junto do uso de clássicos sinfônicos de Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, do Hino Nacional e elementos que remetem à música indígena, cria uma camada adicional, conferindo um tom de aventura, tensão ou drama dependendo da passagem.
O destaque do longa, porém, reside no pensamento já autocrítico e deste Índio Cor de Rosa há mais de cinquenta anos, denunciando o genocídio e etnocídio indígena constante no Brasil. Logo a princípio, Carvalho destaca Nutels declarando seu “remorso por participar do processo de pacificação (...); o índio que tenta há 500 anos pacificar o civilizado”. Em sua fala aos parlamentares, o sanitarista resgata as inúmeras ofensivas contra as populações nativas, seja na agressividade dos Bandeirantes, com a escravização ou a prática torpe de dar roupas de doentes que tiveram varíola para dizimar as tribos que encontrava, ou mesmo nas boas intenções dos missionários, que trouxeram consigo a tuberculose para as aldeias e incutiram a ideia de pecado, abalando a estrutura cultural dos indígenas com a catequização.
O médico que organizou Setor de Unidades Sanitárias Aéreas e contribuiu com a criação do Parque Nacional do Xingu igualmente destaca os massacres do século XX. Tanto em casos específicos como de Xavantes de uma tribo isolada, no então Mato Grosso, afetados em uma disputa com um pecuarista e dos Pakka Nova, no Acre, morrendo de fome – estes registrados em filmagens impressionantes de uma de suas expedições –, como em processos econômicos devastadores, desde a extração da borracha, a mineração – as imagens ainda trazem à tona as hidrelétricas – e até a especulação imobiliária gerada pela criação de Brasília. Não é de se espantar que após relatar tudo isso lá e com a instituição do Ai-5 que fechou o Congresso Nacional, a comissão tenha sido interrompida e as palavras de Nutels esquecidas até agora.
Duração: 71 min | Classificação: 12 anos
Direção: Tiago Carvalho
Roteiro: Claudio Tammela e Tiago Carvalho (veja + no site)
Produção: Brasil
> Sessão – 13/10/2020 (terça), disponível das 6h às 5h59 do dia seguinte
No site do Olhar de Cinema
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