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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2021 | As transformações de uma Europa não mais invisível

Atualizado: 3 de nov. de 2021

A Europa de hoje se depara com os fantasmas de um passado que, há muito tempo, procurou esquecer, ou melhor, esconder. As mazelas do colonialismo e a herança do nazifascismo assombram o continente, respectivamente, na situação dos imigrantes e seus descendentes dentro das sociedades europeias e do da ressurgência do discurso de extrema direita como reação a eles. Essas e outras questões universais perpassam dois documentários desta 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, nas conversas na sala de aula do alemão Sr. Bachmann e Seus Alunos (Herr Bachmann und Seine Klasse, 2021) e nas memórias familiares do francês Regresso a Reims (Fragmentos) [Retour à Reims (Fragments), 2021], como você lê a seguir:

 

Sr. Bachmann e Seus Alunos (Herr Bachmann und Seine Klasse, 2021)


Cena do documentário alemão Sr. Bachmann e Seus Alunos (Herr Bachmann und Seine Klasse, 2021), de Maria Speth | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

As quase três horas e quarenta de duração do documentário Sr. Bachmann e Seus Alunos podem assustar, mas se fosse possível qualificar o tempo despendido com os títulos desta Mostra SP 2021, o quinto longa-metragem da cineasta alemã Maria Speth teria uma das melhores relações “custo-benefício”. Vencedor dos prêmios do Júri e do Público no Festival de Berlim deste ano, o filme desperta o interesse para além da plateia doméstica ao acompanhar a relação dos estudantes de uma turma do último ano do Ensino Fundamental de uma escola da cidade interiorana e operária de Stadtallendorf com seus próprios colegas e professores, particularmente o Sr. Bachmann do título. Através da figura de “mestre conselheiro”, as dinâmicas da sala de aula suscitam não apenas discussões e reflexões sobre educação e adolescência, mas igualmente acerca de várias questões que atravessam toda a sociedade em uma classe que estampa o multiculturalismo e diversidade étnica da verdadeira Europa contemporânea.


Speth leva o espectador para aquele ambiente, acompanhando alguns alunos no caminho para a escola, adentrando nas aulas do Sr. Bachmann que, com seu estilo roqueiro casual, ensina música, mas também matemática, leitura, entre outras coisas. Ele e outros professores que aparecem pontualmente iniciam discussões muito pertinentes tanto para o momento de formação que aqueles adolescentes se encontram quanto para os filhos da imigração tão forte nesta região, em que turcos, russos e búlgaros, entre outros estrangeiros, buscam melhores oportunidades por meio dos empregos nas fábricas locais – e se a piada diz que brasileiro é que nem Gremlin, tem em todo lugar, aviso que há, sim, uma garota filha de brasileira na turma, embora seja uma das que pouco aparecem em detrimento de outros personagens que se destacam. Uma docente de origem turca os instiga, por exemplo, a falar do sentimento patriótico que encontram no país natal, seu ou dos seus pais, e não na Alemanha, mesmo que tenham vivido poucos anos lá e estejam há tanto tempo em terras alemãs, ao passo que a experiência dela como adulta demonstra que a noção de lar se torna ainda mais complexa para um imigrante e seus descendentes.


Essa complexidade também se apresenta quando eles estudam e descobrem o passado local, para onde inúmeros estrangeiros foram levados como mão-de-obra para o trabalho forçado nas fábricas de produção de munição nazistas na região. Problemas de seus países de origem também são comentados, mas questões religiosas e culturais se apresentam mais nas discussões do dia-a-dia. Assim como a tensão entre meninos e meninas no sexismo como um dos preconceitos e ideias deturpadas arraigadas nas “esponjas” que são os adolescentes, enquanto o mestre pede e ensina a necessidade de compreensão e cooperação com os colegas.


Um sentimento que o filme também desperta no espectador, que se vê concordando e discordando de um mesmo personagem, dependendo do tema em pauta, porém, compreendendo o contexto que os levam a tais opiniões e atitudes. Em termos gerais, é como se a sala de aula em ebulição e como espelho de um país vista na ficção francesa Entre os Muros da Escola (2008), de Laurent Cantet, encontrasse a ternura da comédia musical norte-americana Escola de Rock (2003), de Richard Linklater. Mas é notável como, em comparação com outros dois recentes e interessantes documentários escolares, o brasileiro Atravessa a Vida (2020), de João Jardim, e o franco Um Filme Dramático (2019), de Eric Baudelaire, Sr. Bachmann e Seus Alunos consegue manejar de modo mais fluído a dinâmica dos pequenos conflitos em sala de aula para abordar grandes problemas sociais, sem perder o vínculo humano com os estudantes retratados. Ao fim do longa, tal qual o professor, o público sentirá o vazio deixado após passar tanto tempo com aqueles jovens, com o desejo de que a incerteza do futuro que lhes aguarda seja benevolente com eles.

 

Sr. Bachmann e Seus Alunos (Herr Bachmann und Seine Klasse, 2021)

Duração: 217 min | Classificação: 14 anos

Direção: Maria Speth

Roteiro: Maria Speth e Reinhold Vorschneider (veja + no site)

Produção: Alemanha


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 600 visualizações

> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 4 – 28/10/2021, quinta às 17h50

> Espaço Itaú Augusta - Sala 3 – 30/10/2021, sábado às 15h40

> Reserva Cultural - Sala 1 – 02/11/2021, terça às 19h45

 

Regresso a Reims (Fragmentos) [Retour à Reims (Fragments), 2021]


Imagem do documentário francês Regresso a Reims (Fragmentos) [Retour à Reims (Fragments), 2021], de Jean-Gabriel Périot | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Um panorama das transformações em seu país, bem como o reflexo de movimentos e pensamentos vistos em toda a Europa e o mundo, também é traçado no documentário francês Regresso a Reims (Fragmentos), mas através de um resgate histórico e íntimo. Presente na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes e em San Sebastián, o longa de Jean-Gabriel Périot se guia pelo texto do escritor e filósofo Didier Eribon no livro homônimo sobre as memórias de sua família, que, consequentemente, espelham a história da classe trabalhadora francesa nas últimas décadas. Diversas imagens de arquivo, documentais ou ficcionais completam os relatos e apontamentos do pensador na narração, ou melhor, interpretação da atriz Adèle Haenel, de Retrato de uma Jovem em Chamas (2019), sobre as mudanças sociopolíticas ocorridas na França desde os anos 1950.


Remontando brevemente a um período anterior, o da Liberação após a II Guerra Mundial, em que mulheres francesas que se envolveram com alemães, como a sua avó, foram punidas e humilhadas publicamente, a narrativa, em sua primeira parte, segue alguns tópicos que faziam ou ainda fazem parte da vida trabalhadora a partir da experiência de seus pais. Aborda-se a destinação apenas dos estudos primários para eles, pois se considerava que a “cultura poderia corromper os filhos da classe trabalhadora”, enquanto os pais enfrentam um trabalho exaustivo e degradante nas fábricas. O machismo volta à pauta com a configuração do papel das mulheres semelhante ao da burguesia, enquanto os homens despendiam suas poucas horas de folga nos bares, além da prática do aborto ser comum para conter a situação de miséria em que viviam.


É a partir da segunda parte, ou “segundo movimento”, que a discussão social se amplia para o campo político, seja na esperança do comunismo como saída para a classe trabalhadora deixar de ser subjugada até a captação de ex-eleitores comunistas pela extrema direita através de um manejo de um sentimento racista da classe operária branca na década de 1960, com a chegada de imigrantes argelinos ao país, gerando diversas reações na sociedade francesa, entre apoios e temor de uma suposta ameaça dos estrangeiros. Apesar das especificidades do contexto francês, há pontos neste resgate que contribuem para uma reflexão sobre o cenário brasileiro contemporâneo, por exemplo. A análise do comportamento da mãe sobre a necessidade de alguém que sempre foi inferiorizado se sentir superior ao menos uma vez como facilitador desses discursos de ódio se relaciona igualmente com o processo de esvaecimento da cultura trabalhista da discussão política, particularmente dos partidos socialistas que se afastaram do povo ao entrar no governo, e do cotidiano dos operários, muitos deles afetados pelo desemprego, que ficaram desamparados e suscetíveis a ideias como a de que "esquerda ou direita, é tudo igual" ou votar em um discurso extremista por protesto ou identificação a um ponto, deliberadamente, excluindo as outras partes que lhe desagradam naquele político.


Périot ainda propõe um epílogo que traz o filme para tempos mais recentes com as manifestações dos coletes amarelos que não só colocaram a França em polvorosa, mas também em cheque em sua posição de país berço dos Direitos Humanos, mas cujo discurso não se revela na prática para a sua própria população.

 

Regresso a Reims (Fragmentos) [Retour à Reims (Fragments), 2021]

Duração: 80 min | Classificação: 14 anos

Direção: Jean-Gabriel Périot

Roteiro: Jean-Gabriel Périot (veja + no site)

Produção: França


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1200 visualizações

> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 4 – 29/10/2021, sexta às 14h00

> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 1 – 01/11/2021, segunda às 20h50

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play


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