MOSTRA SP 2021 | Contando os pequenos passos no Seminário Internacional de Mulheres no Audiovisual
Atualizado: 8 de jan. de 2023
Em 2019, a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo abriu espaço para a discussão sobre a presença feminina no mercado do cinema, televisão e outras mídias com a realização do I Fórum Nacional Lideranças Femininas no Audiovisual. No ano passado, a pandemia de Covid-19 obrigou que o evento fosse realizado de forma virtual, o que se repete em 2021, mesmo com o formato híbrido da 45ª Mostra SP, mas sob novo nome. Chamado de Seminário Internacional de Mulheres no Audiovisual, o encontro remoto realizado nesta segunda e terça (25 e 26/10) trouxe convidadas internacionais para transmitir suas experiências na proposição e efetivação de políticas públicas, privadas ou da sociedade civil que busquem a equidade de gênero na indústria do setor em países da América Latina, França e Espanha. Acompanhe abaixo um resumo das discussões das duas mesas, transmitidas no canal da Mostra no YouTube:
A busca francesa por paridade
Na tarde desta segunda (25), foi transmitida a primeira mesa do Seminário Internacional de Mulheres no Audiovisual, denominada “Diversidade – As políticas promovidas pelo CNC / França”, em que a jornalista francesa radicada no Brasil, Alexandra Loras, conversou com Leslie Thomas, secretária-geral do Centro Nacional de Cinema e Imagem Animada (CNC – Centre National du Cinéma et del’Image Animée). A representante do órgão vinculado ao Ministério da Cultura da França fez questão de destacar logo a vitória de Titane (2021) em Cannes neste ano, não apenas pelo fato da cineasta Julia Ducournau se tornar a segunda mulher a ganhar uma Palma de Ouro no festival, mas principalmente porque o longa-metragem, que também integra a seleção da Mostra SP 2021, se beneficiou de um bônus de financiamento público, chamado “bônus de paridade”. Com ele, quando há paridade entre homens e mulheres nos postos de responsáveis da filmagem, a produção recebe um bônus de 15% no auxílio oferecido pelo instituto francês, como aconteceu com L'Événement / Happening (2021), trabalho de Audrey Diwan que ganhou o Leão de Ouro no último Festival de Veneza e foi um dos 46 filmes beneficiados com o programa iniciado há dois anos.
As duas comentaram a participação de coletivos feministas que batalharam por este objetivo, como o Collectif 50/50 que se manifestou justamente em Cannes, em 2018, pela equidade na seleção do festival, e o movimento #MeToo no combate ao assédio nos sets. Contudo, dentro do primeiro tópico, Thomas frisou que a paridade já existe no recrutamento das escolas de cinema francesas – onde o CNC também atua, trabalhando com a desconstrução de estereótipos sobre as mulheres entre os estudantes, porém, “jamais interferimos no conteúdo”, afirma a secretária-geral –, mas a situação no mercado é diferente e as profissionais formadas não conseguem os maiores orçamentos, destinados aos homens. Quanto ao segundo, ela relatou a implementação de uma cláusula, a partir de 1º de janeiro de 2021, que obriga as produções apoiadas pelo órgão a oferecer um ambiente de trabalho seguro em relação ao assédio moral e sexual, oferecendo uma formação específica sobre o tema aos produtores de cinema, audiovisual e videogames para saber prevenir, agir e sancionar quando for necessário na ocorrência de um caso desses.
A gestora do CNC concorda, no entanto, que tais medidas só foram possíveis por um conjunto de razões em um momento oportuno, pois já existia estrutura associativa forte, ministro da cultura preocupado com o tema, repercussão favorável na mídia e apoio de sindicatos patronais e trabalhadores. Provocada por Loras acerca da interseccionalidade nessas ações para compreender as necessidades de outros grupos minoritários entre as mulheres, sejam negras, imigrantes, trans, entre outras, Thomas explicou que a “lógica universalista” francesa não é de promoção de políticas específicas para um grupo, diferente da lógica anglo-saxônica, mas que não estão “livres de críticas e reflexões”, citando o Fundo da Diversidade e parcerias de coprodução com 59 países como exemplos que poderiam se encaixar para tanto. Ela também se mostrou mais cautelosa sobre o cenário da participação feminina no audiovisual, afirmando que ainda vai demorar um pouco para medir os resultados e fazer ajustes, como a destinação de mulheres a cargos ligados ao gênero, como administração, figurino e maquiagem, além de certo ceticismo: “não vivemos em uma sociedade ideal onde tudo se resolve graças à indústria do cinema e audiovisual”.
A herança ibero-americana para as mulheres
Hoje (26) à tarde, foi a vez da segunda mesa, intitulada “Mulheres na América Latina e Espanha”, mediada por Luciana Vieira, líder do coletivo nacional +Mulheres Lideranças do Audiovisual Brasileiro com representantes de grupos de diversos países ibero-americanos que lutam pelos direitos das profissionais no setor. Antes de abrir para a fala das convidadas, a mediadora mostrou um panorama regional com um resumo do estudo “Mulheres na Indústria do Audiovisual: Um panorama de Argentina, Brasil, México, Uruguai e Espanha”. A partir de 11 pontos sobre os gargalos e as necessidades para melhorar a participação feminina no mercado, observou-se, antes de tudo, que os dados sobre o tema ainda são escassos e assistemáticos, atrapalhando as análises e tomadas de decisão.
Em todos os países pesquisados, a participação de mulheres nas posições de liderança criativa é minoritária, concentrada nos projetos de menor orçamento e não está avançando para ser igualitária no futuro, sendo que elas são sub-representadas nas funções técnicas de fotografia e som, por exemplo, enquanto são maioria em figurino, cabelo e maquiagem, indo de acordo com a percepção apresentada pela francesa Leslie Thomas no dia anterior do seminário. Verificou-se também que as personagens femininas são minoria e, com mais frequência, são estereotipadas ou sexualizadas; além da escassez de mulheres negras nestas representações. A causa não é a falta de profissionais qualificadas, pois as estudantes são a maioria nos cursos de formação na Argentina e no Brasil, por isso a necessidade de dados, informações e visibilidade; políticas públicas; políticas empresariais; e a pressão dos movimentos da sociedade civil.
Depois desta abertura, foi a vez de cada convidada destacar os pontos em comum e as especificidades de seus países. Sabrina Farji da associação La Mujer y el Cine, da Argentina, conclamou pela “união ibero-americana (...) em uma época em que os fundos [de financiamento públicos] estão diminuindo”, o que sempre prejudica aqueles que já não tem muito espaço. A ativista argentina também relatou a experiência do grupo de criar programas e podcasts para dar visibilidade às profissionais da área cinematográfica.
Direto do Chile, Camila Rodó Carvallo, da organização Nosotras Audiovisuales, recontou a história da rede de apoio e geração de políticas públicas delas e êxitos como um fundo de financiamento público chileno que se baseia na paridade, mas dizendo que é “preciso exigir o mesmo do meio empresarial” e tocar em “temas incômodos” para aproveitar as diferenças que as unem. No México, por sua vez, a maior preocupação atual é com o alto número de feminicídios no país e a questão do assédio, afirmou Theresa Solis, da associação local Mujeres en el Cine y la Televisión, o que acaba influenciando também na presença mexicana feminina a nível mundial, muito ligadas a representações acerca do narcotráfico e dos abusos a mulheres em todos os sentidos. Ainda assim, a atual presidente do grupo destacou as conquistas de espaço acumuladas, a exemplo da criação de um cineclube em um dos estados mais violentos da nação para elas.
Cristina Andreu, da CIMA – Asociación de Mujeres Cineastas y de Medios Audiovisuales, da Espanha, compartilhou a experiência da organização, como o fato de coletarem uma taxa baixa das associadas que lhes permite certa independência, importante para manter suas ações quando um governo que pode mudar suas políticas públicas na área dependendo da gestão, embora continuem lutando pelo espaço feminino na esfera pública, a exemplo das cotas. Além de citar a parceria com a plataforma de streaming Netflix, a gestora espanhola defendeu a necessidade de “estar moda”, para jogar com o capitalismo e manter o interesse de empresas na produção realizada por mulheres. Representando o coletivo brasileiro +Mulheres, a cineasta Tata Amaral relembrou a formação de tal grupo, sua ligação com a Mostra SP e nomes femininos fundamentais na história do cinema nacional, para comentar como o atual governo paralisou as ações relativas à diversidade e a invisibilidade do cinema indígena, por exemplo, ao frisar a necessidade de tratar igualmente a questão de gênero quanto à racial quando se fala da indústria audiovisual no Brasil e em toda a América Latina.
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