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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2021 | Novas navegações portuguesas

Atualizado: 16 de set. de 2022

Se as Grandes Navegações ainda habitam o imaginário das glórias do antigo Império Português, os cidadãos que saíram de Portugal, desde o século passado, partiram para viagens menos gloriosas, motivados pelos períodos de repressão política do Estado Novo (1933-74), sob a ditadura de Antônio de Oliveira Salazar, e de crises econômicas durante as décadas passadas. Esse fluxo emigratório serve de bússola para três das produções do país de além-mar presentes nesta 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, e que também viajam para outros mares no novo cinema português. É o caso do premiado Listen (Listen, 2020), no drama familiar de imigrantes lusitanos no Reino Unido; do longa No Táxi do Jack (No Táxi do Jack, 2021), com o retorno de um emigrante após anos nos Estados Unidos; e da fantasia Mar Infinito (Mar Infinito, 2021), ao coloca-los de novo em um projeto de colonização, mas do espaço. Saiba mais sobre esses filmes a seguir:

 

Listen (Listen, 2020)


Maisie Sly e Lúcia Moniz em cena do filme luso-britânico Listen (Listen, 2020), da cineasta portuguesa Ana Rocha de Sousa | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

No ano passado, Listen venceu o Leão do Futuro, troféu dado ao melhor longa-metragem de estreia nas mostras do Festival de Veneza, além de receber o Prêmio Especial do Júri da seção Horizontes no evento, no ano passado, teve essas conquistas amplamente celebradas pela mídia portuguesa. O público doméstico também abraçou a obra de Ana Rocha de Sousa, na medida do possível, fazendo dela a (co)produção nacional de maior bilheteria em 2020, com mais de 43 mil espectadores – e só não é a maior deste período pandêmico, porque Bem Bom (2021), além de ter o apelo de ser uma cinebiografia da girl group oitentista Doce, estreou no último verão do hemisfério norte, quando o país já avançava em seu processo de desconfinamento, ajudando a acumular quase 87 mil espectadores. Chegou, inclusive, a ser escolhida para representar Portugal na disputa do último Oscar de Melhor Filme Internacional, mas foi desclassificada por exceder a porcentagem máxima de diálogos em inglês para a categoria, o que se torna uma grande ironia, principalmente por causa de uma cena em que funcionários do serviço social britânico impedem os pais portugueses de conversarem com seus filhos na língua materna ou até com a linguagem de sinais.


Todo esse preâmbulo é para falar que, por mais que Listen chegue “tarde” para o espectador brasileiro nesta Mostra SP 2021, ainda tem seu chamariz, não só por conta do interesse pela história, mas para conhecer uma produção lusitana que consegue agradar tanto às plateias comuns quanto as de festivais internacionais. Inspirado em diversos casos ocorridos com imigrantes no Reino Unido, o roteiro de Rocha de Sousa com Paula Vaccaro e Aaron Brookner apresenta o casal português Bela (Lúcia Moniz) e Jota (Ruben Garcia) e seus três filhos, o adolescente Diego (James Felner), a menina Lúcia (Maisie Sly) e a bebê Jessy (Lola e Kiki Weeks), e a penúria que a família vive nos subúrbios de Londres. A nação que é o principal destino de emigrados de Portugal no século XXI, particularmente de profissionais da área da saúde, não é mais um sonho para essa empregada doméstica e esse carpinteiro com dificuldades para pagar as contas.


Contudo, em um daqueles dias em que os infortúnios se acumulam mais do que o comum, o pesadelo começa com o aparelho de surdez quebrado de Lu, que é deficiente auditiva. Sem ter dinheiro para consertá-lo tão cedo, o fato gera uma série de mal-entendidos e problemas que fazem a assistência social – ou segurança social, no português de Portugal – retirar as três crianças dos cuidados do casal, com a justificativa de preservá-las. Mas a burocracia e intransigência do rígido serviço britânico tornam a vida dos pais para reaver a guarda dos filhos uma batalha incansável, seja em simples visitas como no despreparo e falta de tato da cena já citada ou nas falhas de um sistema que comete várias injustiças com a desculpa de um zelo frio pelos menores e celeridade nas adoções, como aponta uma ex-funcionária (Sophia Myles) que ajuda os imigrantes.


Apostando no realismo social de nomes britânicos como Ken Loach, mas difícil de ser encontrado no cinema português, a cineasta estreante se destaca pela direção naturalista que reforça a opressão do contexto no qual a família está inserida e de um Estado que prefere punir do que assistir aos seus cidadãos, mesmo com seus respiros poéticos do olhar infantil pela lente de brinquedo, através da fotografia de Hatti Beanland. A experiência anterior como atriz em séries juvenis como Morangos com Açúcar (2003-12), a “Malhação lusitana”, também ajuda à Rocha de Sousa propiciar um ambiente confortável ao seu elenco multinacional, com destaque para a pequena inglesa Maisie Sly, do curta vencedor do Oscar The Silent Child (2018), e de Lúcia Moniz, agraciada em várias premiações portuguesas pela sua atuação como esta mãe ferida pela falta de seus rebentos. Seu desabafo na cena da audiência é recompensador para o público que embarca nesta jornada, mas Listen nunca se rende à catarse fácil, pois a realidade está logo atrás da porta.

 

Listen (Listen, 2020)

Duração: 73 min | Classificação: 14 anos

Direção: Ana Rocha de Sousa

Roteiro: Ana Rocha de Sousa, Paula Vaccaro e Aaron Brookner

Elenco: Lúcia Moniz, Sophia Myles, Ruben Garcia, Maisie Sly, James Felner e Kiran Sonia Sawar (veja + no site)

Produção: Reino Unido e Portugal

Distribuição: Fênix Filmes


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

> Espaço Itaú Frei Caneca - Sala 3 – 31/10/2021, domingo às 13h30

> Cinesala – 03/11/2021, quarta às 17h00

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

No Táxi do Jack (No Táxi do Jack, 2021)


Joaquim Calçadas em cena do filme português No Táxi do Jack (No Táxi do Jack, 2021), de Susana Nobre | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Fundadora da Terratreme Filmes, produtora que compõe o rol daquelas que impulsionaram o que se convencionou chamar de novo cinema português, com títulos como O Fim do Mundo (2019) de Basil da Cunha, a realizadora Susana Nobre sempre teve o trabalho como tema recorrente nos longas que dirigiu. Depois de Vida Activa (2014) e Tempo Comum (2018), a cineasta traz as memórias e as dificuldades atuais de um emigrante que retorna para se aposentar em seu país natal, no hibridismo entre ficção e documentário de No Táxi do Jack. A produção exibida no Festival de Berlim e no IndieLisboa, onde foi premiada, filmada em 16mm dá um ar setentista que acompanha a figura anacrônica de Joaquim Calçadas, ou simplesmente Jack para os amigos, com seu estilo de Elvis.


Depois de décadas na “América”, vivendo em Newark, reduto de imigrantes portugueses – e brasileiros também – na Costa Leste, e trabalhando principalmente como taxista em Nova York, ele volta para Vila Franca de Xira, cidade da região metropolitana de Lisboa. A intenção de aproveitar sua aposentadoria na terra em que nasceu enfrenta a burocracia estatal portuguesa, que lhe obriga a rodar por empregadores da região para coletar atestados que provem a sua procura por trabalho. Enquanto isso, o homem de 63 anos relembra constantemente sobre a sua vida nos Estados Unidos, demonstrando como ainda não se reacostumou com Portugal.


Nobre emula o mesmo quando, em determinado ponto, arrisca uma narrativa “americanizada” de máfia em seus relatos, como se o protagonista preferisse supervalorizar a sua experiência como imigrante. Ainda mais quando se depara com o envelhecimento da população portuguesa e a desindustrialização e desemprego no país, em um ciclo vicioso de ser, ao mesmo tempo, consequência das ondas migratórias anteriores e motivo para novos fluxos de emigração. O uso da música Desfolhada Portuguesa, de 1969, e sua letra patriótica ilustram essa tentativa de reconexão do personagem com uma nação que, talvez, não mais exista. Todas essas questões, bem como o carisma de Jack pairam sobre o filme, mas nem sempre são aproveitados em todo o seu potencial ou engendrados de um modo mais atrativo.

 

No Táxi do Jack (No Táxi do Jack, 2021)

Duração: 70 min | Classificação: Livre

Direção: Susana Nobre

Roteiro: Susana Nobre

Elenco: Armindo Martins Rato, Maria Carvalho e Joaquim Veríssimo Calçada (veja + no site)

Produção: Portugal

Distribuição: Bretz Filmes


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1200 visualizações

> Reserva Cultural - Sala 3 – 31/10/2021, domingo às 20h45

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

Mar Infinito (Mar Infinito, 2021)


Nuno Nolasco em cena do filme português Mar Infinito (Mar Infinito, 2021) , de Carlos Amaral | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

O passado e o futuro são miragens à distância, mas que ainda assombram o protagonista de Mar Infinito em um presente esvaziado, seja de gente ou de perspectivas. Em seu primeiro longa, após vários trabalhos com efeitos especiais e direção de publicidade, Carlos Amaral constrói um ambiente de ficção científica, tanto com o futurismo retrô com que caracteriza a cidade portuguesa onde vive Pedro (Nuno Nolasco) quanto pela contextualização deste cenário distópico. O anúncio na televisão conclama as pessoas a participarem da missão espacial para colonizar a Próxima Centauri, num amplo processo de migração para outro planeta a qual o protagonista não teve chance de participar, mas o rapaz tenta burlar o sistema e conseguir a sua viagem intergaláctica, enquanto uma mulher chamada Eva (Maria Leite), que o instiga a mais questionamentos existencialistas.


Amaral constitui um filme de uma beleza ímpar, auxiliado pela fotografia de Jorge Quintela e o design de produção de Júlio Alves e Susana Azevedo, mas inerte na tarefa de desenvolver personagens que ecoem a humanidade necessária para o público embarcar na mesma viagem.


Ainda assim, permanecem algumas reflexões interessantes no conceito do roteiro de ligar este novo anseio humano de conquistar o universo, nesta nova corrida espacial, agora empresarial e motivada pelas mudanças climáticas na Terra, com o passado e presente nacionais. As navegações portuguesas de outrora, que se pautavam por um discurso glorioso da colonização do Novo Mundo, se transformou na emigração de hoje, motivada por um cenário de desolação pontuado pelos coadjuvantes aqui: “não há nada de novo aqui” ou “imagina ser velho e ver os novos a partir”. Por mais que Portugal tenha superado o pior momento de sua crise econômica da década passada, decorrente da crise financeira global de 2008, e, atualmente, seja o destino de vários brasileiros desesperançosos, fatores como uma urbanização disforme do país, que desertifica as vilas do interior, não gera empregos suficientes para os cidadãos e acelera um processo de gentrificação que expulsa os mesmos para as bordas destes centros urbanos, ajudam a entender a continuidade destes fluxos migratórios e, portanto, o ceticismo de Pedro e, obviamente, Amaral sobre o futuro dos portugueses.

 

Mar Infinito (Mar Infinito, 2021)

Duração: 78 min | Classificação: 16 anos

Direção: Carlos Amaral

Roteiro: Carlos Amaral

Elenco: Nuno Nolasco, Maria Leite, Paulo Calatré, António Durães e Pedro Galiza (veja + no site)

Produção: Portugal


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 30/10/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play


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