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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2021 | O cinema em seus limites

Atualizado: 8 de jan. de 2023

Em um evento com uma seleção tão grande quanto à Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, sempre marcam presença os filmes que trazem a própria Sétima Arte como sua estrela. Em alguns títulos deste nicho nesta 45ª edição do festival, o cinema é questionado em seus mais diferentes tipos de limites: o diretor israelense Nadav Lapid expande os seus limites estilísticos e discursivos no furor do seu alter-ego em Ahed’s Knee (Ha`berech, 2021); a francesa Mia Hansen-Løve sobrepõe narrativas metalinguísticas em Bergman Island (Bergman Island, 2021) para testar até onde escrever e filmar sobre seus fantasmas do passado se limita na tarefa de exorcizá-los; e o documentário sueco O Garoto Mais Bonito do Mundo (The Most Beautiful Boy In The World, 2021), de Kristian Petri e Kristina Lindström, relembra quando a indústria cinematográfica ultrapassa seus limites ao apresentar a trajetória do ator Björn Andrésen, levado ao estrelato em sua adolescência. Confira mais sobre esses longas a seguir:

 

Ahed’s Knee (Ha`berech, 2021)


Avshalom Pollak e Nur Fibak em cena do filme israelense Ahed’s Knee (Ha`berech, 2021), de Navad Lapid | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Logo depois de ter assistido Ahed’s Knee, me deparei com um tweet sobre uma fala do cineasta Nadav Lapid, depois da exibição do filme na Bélgica, em que o realizador israelense afirma que “as coisas na vida são mais bizarras, caóticas e intensas que 99,9% do que nós vemos na tela”. Pode-se dizer que o aclamado diretor de A Professora do Jardim de Infância (2014) e Synonyms (2019) busca alcançar este 0,1% de intensidade e caos em uma jornada de auto-ficção do seu quinto longa, o mais disruptivo até então em sua carreira.


Adotando a máxima shakespeariana, o diretor enche de “som e fúria” a vida de seu alter ego, o cineasta Y (Avshalom Pollak), desde a abertura, seja com o barulho da chuva e o momento musical de Welcome to the Jungle ou as elipses entre set e ensaio, até culminar no momento de cólera com o joelho, em alusão ao título. O nome, aliás, que é o mesmo do novo projeto do protagonista da história, faz referência à figura real de Ahed Tamimi, uma adolescente ativista palestina que já foi ameaçada diversas vezes por sua posição. Esses vários elementos estilísticos, estéticos, narrativos e discursivos que estão concentrados na introdução, seguem guiando, com maior ou menor medida, a produção vencedora do Prêmio do Júri no Festival de Cannes e também exibida em Toronto.


Entre transições de cena e planos sob o ponto de vista do personagem em um ritmo alucinado, a narrativa principal se apresenta quando Y viaja para uma exibição de seu filme anterior na desértica região de Arava, onde encontra a vice-diretora da divisão de bibliotecas públicas do Ministério da Cultura, a jovem Yahalom (Nur Fibak). Pontuado por sequências musicais, ao som de canções locais ou do clássico do soul norte-americano Lovely Day, de Bill Withers, e os vídeos que grava para a sua mãe e parceira de roteiro que está doente, os cineastas, seja o fictício ou a mente por trás dele, travam questionamentos sobre a situação do país a partir de um formulário que demonstra o cerceamento da liberdade de expressão das mentes criativas por parte do governo israelense. No mesmo sentido, outras questões surgem em determinadas passagens, como os comentários acerca da agricultura e economia daquela área ou as representações da experiência dele no exército e na guerra.


Se em Synonyms, Lapid já refletia sobre a identidade nacional a partir da trajetória de um imigrante na França, agora o faz sob um olhar caseiro, para discutir o que Israel tem se tornado, no que considera o “emburrecimento” ou desaparecimento do que fora o seu país. Entretanto, verdade seja dita, o público brasileiro encontra voz também no ponto ápice de seu desabafo, em frases como “Ele é um ministro das artes que odeia artes, em um governo que odeia toda beleza humana” ou “uma nova geração (...) cresce, mas não floresce, murcha”. Resultado tanto da crise política israelense nos últimos anos quanto da morte de sua mãe, Era Lapid (1948-2018), que era montadora de seus trabalhos anteriores, o cineasta constrói Ahed’s Knee a partir de um lugar de raiva e dor, o que, talvez, gere inconsistências narrativas, mas igualmente um sentimento de compreensão – mais com ele do que com o protagonista – muito forte por parte do espectador.

 

Ahed’s Knee (Ha`berech, 2021)

Duração: 109 min | Classificação: 14 anos

Direção: Nadav Lapid

Roteiro: Nadav Lapid

Elenco: Avshalom Pollak e Nur Fibak (veja + no site)

Produção: França, Alemanha e Israel

Distribuição: Fênix Filmes


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 26/10 (terça) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

> Cine Marquise - Sala Globoplay 1 – 30/10/2021, sábado às 18h40

> Cinesala – 03/11/2021, quarta às 20h40

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

Bergman Island (Bergman Island, 2021)


Vicky Krieps em cena do filme Bergman Island (Bergman Island, 2021), da cineasta francesa Mia Hansen-Løve | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Há um caminho cinematográfico que permeia o novo trabalho de Mia Hansen-Løve, Bergman Island, bem semelhante à trajetória comum de vários realizadores na sua aproximação à cinefilia: a de admiração quase mímica por cineastas canonizados, passando pela influência dos seus pares, até o mergulho em suas questões pessoais. Assim, o sétimo longa da diretora e roteirista francesa completa este primeiro requisito desde a premissa, em que um casal de cineastas, Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth), passam uma temporada na ilha sueca de Fårö, morada de Ingmar Bergman (1918-2007) que serviu de inspiração e cenário para vários de seus filmes. Hospedados na casa onde o diretor sueco ficava, eles aproveitam a residência no local de paisagem idílica – de uma “perfeição que oprime” – para tentar progredir em seus respectivos projetos em desenvolvimento, enquanto conhecem mais da história do ídolo.


Esta primeira parte da produção presente na seleção de Cannes se pauta por conversas do universo bergminiano, no que diz respeito as suas obras e sua vida pessoal, na crueldade que as une. Além da palavra, Hansen-Løve faz um passeio imagético ao excursionar junto com os personagens pela ilha, em um recurso narrativo semelhante ao que utilizou na viagem cinematográfica à região indiana de Goa no anterior Maya (2018), mas, aqui, somado às discussões de cinéfilos, que podem ser igualmente envolventes quanto enfadonhas. Durante a estadia insular, Chris sempre busca um caminho próprio, seja literal ou figurativamente, em relação a Bergman e também a Tony, que é prestigiado em uma exibição e masterclass no local.


O que indicaria uma possível crise do casal, que tem medo de dormir na mesma cama onde foi filmada a minissérie Cenas de um Casamento (1973), se manifesta concretamente em uma DR criativa, mas, em vez de reflexões sobre o presente deles, o filme se volta para o passado da protagonista de um modo bem oblíquo. Ao começar a descrever a sua ideia de projeto, que ela não sabe bem se daria um filme, pois seria concentrado apenas no terceiro capítulo de uma história maior, o público passa a assistir a narrativa contada por Chris, em que Amy (Mia Wasikowska) e Joseph (Anders Danielsen Lie), que viveram um intenso amor adolescente e que fracassaram na segunda chance que deram quando adultos, se reencontram no casamento de uma amiga em Fårö. O uso da metalinguagem injeta novo ânimo à narrativa, em especial, pelo trabalho conjunto da equipe que valoriza o que veio antes, com destaque para a montagem de Marion Monnier ao costurar as tramas com dinamismo e a supervisão musical de Raphael Hamburger, opondo as músicas folclóricas suecas na trilha sonora do eixo principal aos clássicos da disco e pop romântico – I Love to Love, de Tina Charles, e The Winner Takes it All, do grupo sueco ABBA – na ficção introduzida nele.


O roteiro ainda inclui novas camadas à medida que as ferramentas metalinguísticas se acumulam, deixando a percepção de ficção e realidade mais ambígua, principalmente no epílogo. Elas acabam levando à dúvida acerca do conteúdo autobiográfico que pode ter sido colocado na tela por Mia, que saiu de um longo relacionamento com o diretor Olivier Assayas e, atualmente, está com o também colega de profissão Laurent Perreau. No entanto, mais do que uma reflexão sobre a sua vida pessoal, Hansen-Løve remonta ao imaginário fantasmagórico de Bergman, bem exposto no curta “making of” Os Fantasmas de Bergman (2021) que acompanha a sessão, ao invocar os seus e de Chris para transformá-los em material artístico e, simultaneamente, questionar este processo. A tendência autoral em usar o cinema como exorcismo de seus próprios fantasmas do passado encontra uma barreira não apenas na dúvida sobre os rumos criativos como reflexo existencial, pois, por mais poderosa que seja a arte tanto para o autor quanto ao espectador, ela não é capaz de, sozinha, dissipar essas assombrações milagrosamente.

 

Bergman Island (Bergman Island, 2021)

Duração: 105 min | Classificação: 16 anos

Direção: Mia Hansen-Løve

Roteiro: Mia Hansen-Løve

Elenco: Vicky Krieps, Tim Roth, Mia Wasikowska e Anders Danielsen Lie (veja + no site)

Produção: França, Alemanha, Bélgica e Suécia


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (ao alugar o longa-metragem, você recebe também o curta “Fantasmas de Bergman”, de Gabe Klinger, também exibido nas sessões do longa)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, das 21h de 27/10 (quarta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

> Cine Marquise - Sala Globoplay 1 – 01/11/2021, segunda às 16h30

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

O Garoto Mais Bonito do Mundo (The Most Beautiful Boy In The World, 2021)


O ator Björn Andrésen em cena do filme Morte em Veneza (1971), apresentada no documentário sueco O Garoto Mais Bonito do Mundo (The Most Beautiful Boy In The World, 2021), de de Kristian Petri e Kristina Lindström | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Em Hollywood, são vários os casos conhecidos do público de atores mirins que não conseguiram lidar bem com o sucesso, ou o seu ocaso, e todos os perigos a que foram expostos nesta trajetória. Contudo, poucas vezes o cinéfilo enxerga o cinema de arte como reprodutor do mesmo ambiente predatório da maior indústria de audiovisual do mundo. Esse é o trunfo de O Garoto Mais Bonito do Mundo, documentário sueco de Kristian Petri e Kristina Lindström, ao resgatar a história do ator Björn Andrésen, cuja beleza na sua adolescência o fez ser escolhido pelo cineasta italiano Luchino Visconti para viver o belo Tadzio em Morte em Veneza (1971), mas também virou uma sina em sua vida.


Após uma breve introdução mais experimental, o longa exibido no Festival de Sundance estabelece uma narrativa praticamente cronológica, mesmo intercalando as imagens de arquivo com o cotidiano atual de Andrésen, hoje sob a ameaça de despejo, pois estes momentos servem justamente para ele contar o que aconteceu em seu passado ou mostrar o seu reflexo. Em 1970, Visconti foi para Estocolmo, na Suécia, como parte de sua longa procura para encontrar quem faria o personagem que personifica a beleza na sua adaptação do romance homônimo de Thomas Mann, e lá encontrou o jovem Björn. Mas, se o vídeo do seu casting já é suficientemente perturbador sobre a maneira sexualizada como trataram o garoto de 15 anos desde o princípio, seus relatos elevam esta impressão.


É claro que existem componentes familiares, como o desejo da avó de ter um neto famoso e também o fato de terem escondido o que aconteceu com a mãe dele, mas o assédio que ele recebeu no set e, posteriormente, “cercado de abutres” na divulgação do filme e de outras campanhas no Japão, já que tinha um contrato de três anos com Visconti para ser “o garoto mais bonito do mundo”, descarrilham uma série de problemas em sua vida. Tratado como um objeto, o rapaz só encontrou nisso uma saída para se sustentar, mas os vários excessos pediram a conta quando este homem tentou formar a sua família, sendo marcado pelo tom trágico do personagem que o colocou nesta espiral. Formalmente, não há nada de novo no documentário, mas, ao jogar luz nesse caso, Petri e Lindström conseguem um êxito parecido ao de Amy (2015), de Asif Kapadia, em fazer o público sentir a sua parcela de culpa neste processo de consumação de uma figura pública através da mídia, mas com um requinte pior pelo fato de tudo ter começado quando ele era menor de idade.

 

O Garoto Mais Bonito do Mundo (The Most Beautiful Boy In The World, 2021)

Duração: 93 min | Classificação: 16 anos

Direção: Kristian Petri e Kristina Lindström (veja + no site)

Produção: Suécia


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 600 visualizações

> CineSesc – 31/10/2021, domingo às 17h45


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