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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2021 | Realidades e solidões ficcionadas

Encerrando esta cobertura da 45ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, falamos de quatro filmes que passeiam entre a realidade e a ficção, cada um a seu modo, mas todos semelhantes na busca solitária de seus personagens perante aqueles que cruzam seu caminho e à própria vida. O suíço A Garota e a Aranha (Das Mädchen Und Die Spinne, 2021) traça um emaranhado de pessoas que entram e saem do espaço de alguns apartamentos ou da vida de um dos outros. O exercício de atuação de encarnar outra pessoa do argentino Os Inventados (Los Inventados, 2021) se transforma quando cada uma dessas biografias, inventadas ou não, desaparece dia a dia. O conterrâneo O Cão que Não Se Cala (El Perro Que No Calla, 2021) acompanha a trajetória errante de um homem em busca de trabalho e amor. E o italiano Atlântida (Atlantide, 2021) segue o barco de um jovem que vive às margens da cidade e da sociedade de Veneza. Mais sobre esses títulos, que ainda estão disponíveis na Repescagem do festival até o final deste domingo (7), você confere a seguir:

 

A Garota e a Aranha (Das Mädchen Und Die Spinne, 2021)


Liliane Amuat e Henriette Confurius em cena do filme suíço A Garota e a Aranha (Das Mädchen Und Die Spinne, 2021), de Ramon Zürcher e Silvan Zürcher | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Não é por menos que um PDF da planta de um apartamento abre o filme suíço A Garota e a Aranha. O segundo longa dos irmãos Ramon Zürcher e Silvan Zürcher não só volta ao mesmo tipo de cenário de sua estreia com o premiado A Gatinha Esquisita (2013), como escrutina este e outros apartamentos a partir da mudança de endereço da colega de quarto da protagonista. Da mesma maneira, no rigor arquitetural de sua peculiar mise-en-scène, a dupla apresenta os habitantes fixos e temporários, visitantes, vizinhos e trabalhadores que passam por esses espaços.


O filme que ganhou o Prêmio da Crítica em Berlim e foi agraciado pela sua Direção na seção Encontros do festival acompanha, então, essa mudança de Lisa (Liliane Amuat) e a reação de Mara (Henriette Confurius) ao vê-la partir, enquanto várias pessoas entram e saem dessa dinâmica para ajudar ou observar a tarefa, entre o novo e o velho endereço da moça. Para o público, não é imediata a compreensão da natureza das relações que se desenrolam com certa estranheza entre conhecidos e desconhecidos. O flerte e uma violência passivo-agressiva se intercalam, e ainda, por vezes, um olhar terno para o reconhecimento da solidão no outro, constituindo assim essa teia narrativa.


A trama, aliás, e todo seu desenvolvimento não são necessariamente o ponto alto deste trabalho dos irmãos Zürcher, mas os sentimentos e reflexões que este emaranhado de personagens suscita no espectador. A valsa da trilha sonora dá o tom deste “conto poético sobre mudança e efemeridade”, em que a inclusão da canção oitentista Voyage Voyage, da cantora francesa Desireless, só reforça essa ideia de que cada indivíduo está viajando da vida de alguém para outra, desde as mais ínfimas ações do seu dia, sem às vezes se dar conta de qual souvenir levará ou deixará nestas passagens. Por isso, o que mais grita nessa parábola é a solidão de cada viajante, independente de quem cruze o seu caminho ou quanto tempo demore esta estadia, pois já se acostumaram com a fugacidade desses encontros.

 

A Garota e a Aranha (Das Mädchen Und Die Spinne, 2021)

Duração: 99 min | Classificação: 18 anos

Direção: Ramon Zürcher e Silvan Zürcher

Roteiro: Ramon Zürcher e Silvan Zürcher

Elenco: Henriette Confurius, Liliane Amuat, Ursina Lardi, Flurin Giger, André M. Hennicke e Ivan Georgiev (veja + no site)

Produção: Suíça


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 03/11/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

Os Inventados (Los Inventados, 2021)


Juan Grandinetti e Verónica Gerez em cena do filme argentino Os Inventados (Los Inventados, 2021), de Leo Basilico, Nicolás Longinotti e Pablo Rodríguez Pandolfi | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A premissa do segundo longa do trio formado pelos realizadores argentinos Leo Basilico, Nicolás Longinotti e Pablo Rodríguez Pandolfi é um chamariz irresistível para Os Inventados. Lucas (Juan Grandinetti) é um ex-ator mirim, que hoje adulto, tem dificuldades de encontrar um papel e, para se sustentar, trabalha como operador de telemarketing. Por isso, quando surge a oportunidade do rapaz participar de um workshop de atuação em que todos precisam fingir ser outra pessoa, ele embarca na ideia, mas é pego de surpresa quando, dia a dia, cada um dos participantes some sem que a sua existência seja sequer lembrada pelos outros.


Com a narrativa contada a partir da perspectiva de Lucas, o único que parece desconhecer a dinâmica daquele exercício, ou talvez o único a realmente percebê-la, o público é instigado pela curiosidade da proposta, porém, logo frustrado pelo seu desenvolvimento. É claro que é possível tirar algumas reflexões interessantes do filme, seja a dicotomia entre realidade e ficção no ofício da atuação; a vontade mundana e inerente a todos de ser outra pessoa e, paradoxalmente, conseguir ser você mesmo, perante alguém; e até essa questão trabalhada no suíço A Garota e a Aranha da efemeridade com que as pessoas entram e saem de sua vida, e vice-versa, mas, neste caso, quase sem serem recordadas. Contudo, a produção argentina não consegue desenvolver estes discursos, nem o romance com a figura da colega de workshop Vero (Verónica Gerez), que trabalha mais em sua segunda metade, para suprir a expectativa do espectador.

 

Os Inventados (Los Inventados, 2021)

Duração: 91 min | Classificação: 12 anos

Direção: Leo Basilico, Nicolás Longinotti e Pablo Rodríguez Pandolfi

Roteiro: Leo Basilico, Nicolás Longinotti e Pablo Rodríguez Pandolfi

Elenco: Juan Grandinetti, Verónica Gerez, Rosina Fraschina, Sebastián Godoy, Gastón Dubini e Iván Moschner (veja + no site)

Produção: Argentina


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 25/10/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 800 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

O Cão que Não Se Cala (El Perro Que No Calla, 2021)


Daniel Katz em cena do filme argentino O Cão que Não Se Cala (El Perro Que No Calla, 2021), de Ana Katz | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Depois de apresentar a coprodução com o Brasil, Sueño Florianópolis (2018), a cineasta argentina Ana Katz retorna à Mostra com seu sexto longa O Cão que Não Se Cala. O filme vencedor do Big Screen Award no Festival de Roterdã, depois de ter passado por Sundance, evoca seu título logo de início, quando os vizinhos de Sebastián (Daniel Katz, irmão da diretora) vêm reclamar com a desculpa de estarem preocupados com a sua cachorra que fica sozinha e não se cala – embora o público não ouça os latidos dela. A situação acarreta uma série de eventos para este rapaz na faixa dos 30 anos, a partir do momento em que, no emprego, também rejeitam que a cadela fique ali com ele.


A figura canina não permanece muito tempo na história que segue seu dono, o animal humano que transita por espaços e pessoas como um vira-lata perdido em busca de afeto e sentido para sua existência. Assim, ele pula de um trabalho temporário a outro, encontra certa paz no campo e em uma mulher (Julieta Zylberberg), mas um evento de tons apocalípticos promove uma nova mudança de vida para, agora, este pai de família. A calamidade, aliás, mesmo em um contexto diferente, ecoa a realidade pandêmica e acentua as discussões sociais já levantadas antes, mais sobre trabalho e como a relação de um indivíduo com ele se torna mais efêmera neste mundo pós-moderno, e depois acerca de como uma situação catastrófica evidencia as diferenças de classes pré-existente ao seu acontecimento.


É provável que o espectador sinta que tal introdução de um elemento de ficção científica ocorra tardiamente na trama, porém, mesmo em um ambiente extraordinário, Katz mantém-se fiel ao retrato de um anti-protagonista de sua própria história. A vida passa por Seba em suas pequenas ações cotidianas, sem que ele demonstre o arroubo ficcional das grandes ações de mudança para tomar as rédeas dela. O Cão que Não Se Cala do nome diz mais respeito à essa inconformidade e insatisfação interna que esse homem é incapaz de expressar enquanto vaga e é tragado pelos anos, como tantos de nós, o que talvez faça deste filme argentino menos um bom exemplar do cinema que se espera, mas uma rara e fidedigna espécie da Sétima Arte espelhando a vida como ela é, em toda a sua mediocridade e, paradoxal, excepcionalidade.

 

O Cão que Não Se Cala (El Perro Que No Calla, 2021)

Duração: 73 min | Classificação: 14 anos

Direção: Ana Katz

Roteiro: Gonzalo Delgado e Ana Katz

Elenco: Daniel Katz, Julieta Zylberberg, Carlos Portaluppi, Susana Varela, Renzo Cozza e Valeria Lois (veja + no site)

Produção: Argentina


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 02/11/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1200 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play

 

Atlântida (Atlantide, 2021)


Daniele Barison em cena do filme italiano Atlântida (Atlantide, 2021), de Yuri Ancarani

O título de Atlântida não vem à toa para o segundo longa do realizador italiano Yuri Ancarani, rodado e exibido nada menos do que em Veneza, ao estrear na seção Horizontes da última edição do festival. O nome emprestado da mitológica ilha submersa grega serve tanto à imagem da cidade com seus canais quanto à escolha narrativa a vida de uma juventude que existe à margem, ou melhor, submersa à paisagem turística dela. Assim o artista visual que circula entre festivais de cinema e museus com sua mistura de ficção, documentário e arte contemporânea toma esta mesma rota ao ficcionalizar a realidade de Daniele Barison e outros jovens de Sant’Erasmo, uma ilha localizada ao nordeste do centro veneziano.


Sem muitas perspectivas, ele, assim como outros rapazes e garotas locais, dedicam seu tempo livre aos barchinos, nome dos barcos a motor da região, mas transformando-os em máquinas de corrida ao mexer na potência dos motores e registrar seus recordes de velocidade nos postes da lagoa de Veneza. Em uma das primeiras conversas de uma narrativa que prescinde aos diálogos na maior parte do tempo, Daniele conversa com a amiga Maila (Maila Dabalà), que é apaixonada por ele, sobre a necessidade de seguir o próprio caminho e não os outros, porém, no decorrer do tempo, o rapaz parece não escutar seu próprio conselho, se perde na ânsia de ganhar respeito entre os seus ali. É clara que não se espera de uma produção desta um Velozes e Furiosos veneziano, mas o problema aqui é que, por mais que capte momentos interessantes para entender essa subcultura local ou a juventude atual como um todo – a exemplo dos registros do personagem embarcando no estilo Thug Life, com direito ao “caranguejo fumante” –, Ancarani não consegue ir além disso na parca construção de um protagonista nada empática, seja em sua faceta documental ou ficcional, o que faz grande parte do público pular fora deste barco, antes mesmo do capitão levá-lo para uma aventura idiossincrática na extensa sequência final de videoarte.

 

Atlântida (Atlantide, 2021)

Duração: 100 min | Classificação: 16 anos

Direção: Yuri Ancarani

Roteiro: Yuri Ancarani

Elenco: Daniele Barison, Bianka Berényi, Maila Dabalà, Alberto Tedesco e Jacopo Torcellan (veja + no site)

Produção: Itália, França, EUA e Catar


*Este filme será exibido na plataforma Mostra Play e nas salas de cinema de São Paulo (sessões até 27/10/2021)

Todas as sessões presenciais da Mostra seguirão os protocolos de segurança contra a Covid-19: exigência do comprovante de vacinação (o espectador pode ter recebido apenas a primeira dose, mas a segunda não pode estar em atraso) e uso obrigatório de máscara, que deverá permanecer na face durante o período de exibição do filme. Confira a ocupação de cada sala no site do evento


>>> Disponível no Mostra Play, de 21/10 (quinta) a 04/11/2021 (quinta), com limite de até 1200 visualizações

+ Repescagem até às 23h59 de 07/11/2021 na Mostra Play


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