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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2020 | Um banquete dialético

Atualizado: 31 de jul. de 2021


Frédéric Schulz, Richard, Agathe Bosch, Diana Sakalauskaité, Marina Palii, Ugo Broussot, István Téglás e elenco em cena do filme romeno Malmkrog (2020), de Cristi Puiu | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Uma discussão filosófica em um encontro da aristocracia europeia no final do século XIX que se delonga por mais de três horas de filme. A descrição de Malmkrog (2020) pode não ser muito animadora para a maioria do público, mas gera curiosidade em quem já conhece a obra do cineasta Cristi Puiu, precursor da nova onda do cinema romeno com A Morte do Sr. Lazarescu (2005), e sua capacidade de fazer o espectador se sentir em meio a uma roda de conversas banais e igualmente profundas, como fez em Sieranevada (2016), de duração ligeiramente menor. Se o longa anterior era mais bem resolvido nessa equação, em que a reunião de uma família romena comum suscita naturalmente questionamentos maiores em uma narrativa ainda bem humorada, o último trabalho do diretor não deixa de ser interessante na aridez da proposta mais austera e na erudição dos temas debatidos.


O realizador se baseia no livro Three Conversations (1899), do filósofo russo Vladimir Soloviov, para inspirar os diálogos travados no encontro que Nikolai (Frederic Schulz-Richard) promove em sua grande propriedade, durante um tempo de festividades. O fazendeiro russo recebe seus amigos Olga (Marina Palii), Madeleine (Agathe Bosch), Ingrida (Diana Sakalauskaite) e Edouard (Ugo Broussot), os cinco personagens que, junto do criado István (István Téglás), dão nome aos seis capítulos da trama que acompanha o grupo de nobres debatendo ene questões politicas e existenciais da época ou perenes há séculos. Em francês, língua das elites do século retrasado, discute-se desde o militarismo e a moral durante uma guerra ou em um momento limite, passando pelo discurso de superioridade europeia e a integração nunca completa da Rússia ao continente de união instável – passagem de maiores ecos com a atualidade –, até o Cristianismo à luz da popularidade do Tolstóismo naquele período e a figura do Anticristo.


A direção de Puiu, premiada na seção Encontros do Festival de Berlim deste ano, não é de muitos arroubos e se limita a movimentos mais panorâmicos de câmera, mas suficientes para adentrar o ambiente como se fosse um participante do encontro observando a dinâmica entre os emissores daquele debate. Esse banquete filosófico nem sempre é digerível na verborragia do rebuscado texto que a situação exige, com o espectador, provavelmente, se atentando mais às discussões que lhe são mais interessantes, do ponto de vista pessoal de cada um. Com crenças e visões de mundo muito diferentes entre si, os personagens defendem seus argumentos, esgotando-os até se tornarem indefensáveis em algum momento.


Da mesma forma, a dialética gera uma tensão iminente entre eles, que culmina e, simultaneamente, é interrompida por algum evento extraordinário ao fim de determinados capítulos. Uma delas em especial gera uma quebra realmente inesperada no ritmo narrativo e ambientação do conjunto geral, que se torna ainda mais surpreendente pela aparente volta à normalidade depois do ocorrido. O campo teórico do pensamento desses nobres senhores e senhoras é irrompido pela realidade, talvez como vislumbre do declínio da aristocracia que estava por vir ou um mero sonho do proletariado representado nos servis criados que atendem os convidados, e o que vem a seguir seria um relutante delírio fantasmagórico ou a representação do constante apagamento das elites de qualquer insurreição popular? Difícil dizer e tais quais as dúvidas levantadas nas falas de Malmkrog, o significado desse momento-chave no filme vai depender muito da interpretação de mundo de cada um.



=> Confira as críticas de outros filmes desta 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

 

Malmkrog (Malmkrog, 2020)

Duração: 200 min | Classificação: 14 anos

Direção: Cristi Puiu

Roteiro: Cristi Puiu

Elenco: Frédéric Schulz-Richard, Agathe Bosch, Diana Sakalauskaité, Marina Palii, Ugo Broussot e István Téglás (veja + no site)

Produção: Romênia, Sérvia, Suíça, Suécia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia do Norte

> Disponível no Mostra Play, das 22h de 22/10 (quinta) a 04/11/2020 (quarta), com limite de até 2.000 visualizações

+ Repescagem de 05 a 08/11/2020 na Mostra Play



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