FEED DOG BRASIL 2020 | O elemento visionário de Pierre Cardin
Atualizado: 20 de abr. de 2021
O Feed Dog Brasil 2020, festival dedicado a documentários sobre moda, iniciou sua edição virtual para este atípico ano na última terça, 15, e segue até o domingo, 20 de dezembro, disponibilizando gratuitamente 15 produções que mostram a quem resume o tema apenas ao mundo fashion ou algo meramente fútil, como a indústria da moda impacta outras áreas humanas, a exemplo da economia e da cultura, por exemplo – veja a lista completa dos títulos no site do evento, que inclui o longa Estou me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar (2019), de Marcelo Gomes, e o curta Mini Miss (2018), de Rachel Daisy Ellis, já destacados aqui no NERVOS. Isso é visível no decorrer do filme de abertura desta edição, O Império de Pierre Cardin (2019), novo trabalho da dupla de diretores norte-americanos P. David Ebersole e Todd Hughes, que se debruça sobre o gênio criativo e o tino empresarial do estilista e designer francês, mas italiano de nascença, Pierre Cardin.
Com o tom laudatório que já era de se esperar de uma produção biográfica com pleno acesso à estrutura de seu império, o longa abre com diversos nomes da moda ou das artes em geral saudando o nome de Pierre Cardin. A trilha sonora de James Peter Moffatt e a montagem de Brad Comfort e Mel Mel Sukekawa Mooring conferem um ritmo de passarela a essa introdução, com o desfile dessas pílulas de depoimentos que o descrevem como um gênio, modernista, visionário. Vem do próprio a descrição mais intrigante: “um elemento”, já que a marca se tornou algo maior do que ele mesmo algo sensível na própria abordagem do documentário, que pouco consegue ou tem interesse em ir atrás do homem por trás de tudo isso.
A narrativa segue, então, uma linha entre a cronológica e a temática, retornando à Itália em que nasceu em 1924 e de onde saiu rumo à França com os pais e seus oito irmãos em 1924, por causa da ascensão do fascismo de Mussolini, passando pelos anos da II Guerra Mundial, nos quais trabalhou na Cruz Vermelha na República de Vichy, a zona livre do domínio nazista durante o conflito. Mesclando mais entrevistas antigas de Cardin do que extraindo novos depoimentos do material obtido pela equipe de filmagem – o melhor retirado é a bem-humorada frase, "Fui um jovem muito bonito e todo mundo queria dormir comigo" – às imagens que ilustram o contexto da época, o público acompanha à ida do jovem à Paris para realizar seu sonho de ser estilista, tendo trabalhado nos figurinos do clássico A Bela e a Fera (1946), de Jean Cocteau, e sendo apadrinhado por grandes nomes como o próprio Christian Dior até abrir sua própria maison em 1950. No entanto, a sua aposta de levar a alta costura para as lojas de departamento lhe rendeu a expulsão do sindicato do setor, embora, hoje, esta seja a principal fonte de lucro para diversas marcas concorrentes que seguiram a mesma tendência nas décadas seguintes.
Saúda-se sua visão progressista em relação ao uso de modelos japonesas e negras, fugindo ao padrão de imagem branco e aristocrata da época, à liberdade dada às mulheres em modelitos mais práticos, à modernidade conferida aos homens, iniciando a ideia de moda masculina, e ao olhar internacionalista que expandiu a Pierre Cardin para mercados em vários continentes – neste sentido, um ponto positivo da produção é deixar os entrevistados falarem em suas línguas maternas. Rememora-se o seu mergulho na era espacial, com seu interesse por linhas futuristas, especialmente pela infinitude dos círculos, bem como a sua empreitada no design de móveis com Philippe Starck e, agora, o seu sobrinho e braço-direito Rodrigo Basilicati. Do primeiro, aliás, surge a contradição de que o antes descrito como um “socialista da moda” é chamado de capitalista pelo antigo parceiro de trabalho, mas os cineastas preferem não adentrar nessa seara, ficando a cargo do espectador tirar suas próprias conclusões ou aceitar a ambiguidade do homem que democratizou a alta costura ao mesmo tempo em que construiu um império empresarial com o licenciamento da marca em óculos, acessórios, perfumes e até produtos de outras áreas como máquinas fotográficas e um carro, no ápice desse processo de branding.
No terceiro ato, o filme perde um pouco do fôlego enquanto ainda descreve as outras facetas de Cardin como um mecenas das artes, desde o apreciador da Art Nouveau que comprou um restaurante do período da Belle Epoque francesa ao fundador de um teatro em seu nome que deu palco a diversas peças, performances e shows. Assim como no início, quando toca de leve na rixa entre ele e Yves Sant-Laurent, não demanda muito tempo e atenção aos relacionamentos de Pierre com a atriz Jeanne Moreau (1928-2017) e o companheiro estilista Andre Oliver (1932-1993); o que não seria necessariamente um problema se o documentário focasse tão somente na marca, mas a rápida visão do homem revela o quão pouco aprofundado é o longa neste e outros assuntos. Sem o mesmo tino visionário de seu biografado, a obra serve como um bom resumo para quem desconhece sua história e, principalmente, aqueles que não se dão conta da importância da moda no mundo que os rodeiam.
O Império de Pierre Cardin (House of Cardin, 2019)
Duração: 97 min
Direção: P. David Ebersole e Todd Hughes
Roteiro: P. David Ebersole e Todd Hughes
Elenco: Pierre Cardin, Jean-Paul Gaultier, Philippe Starck, Naomi Campbell e Rodrigo Basilicati (veja + no IMDb)
Produção: Estados Unidos
Distribuição: Imovision
> Disponível gratuitamente no site do festival Feed Dog Brasil Brasil, das 22h de 15/12 (terça) às 22h de 18/12/2020 (quinta)
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