Arlo Parks e Agnes Nunes | Revelações de ano velho que são promessas para além do R&B no novo ano
Atualizado: 18 de out. de 2021
Não sei se você tem essa mesma impressão, mas, apesar de todo o peso que 2020 trouxe coletivamente em inúmeros aspectos, foi um ano bem frutífero em termos musicais. Vários artistas consagrados brasileiros e internacionais deram-se conta de novo da importância de usarem suas vozes e melodias para entregar mensagens e não apenas hits, até mesmo aqueles “adormecidos”, como no caso de figurões do rock nacional, a exemplo das bandas Ira!, Detonautas e CPM 22, que saíram de certa letargia para novamente assumir a vocação do gênero para o protesto e rebeldia – entretanto, tardiamente para um estilo que vem perdendo espaço por culpa também até de quem deveria promovê-lo. Da mesma maneira, uma parcela ainda tímida, porém maior do público e da mídia voltou-se não somente para os charts – que, no Brasil, também demonstraram ligeira mudança, com o forró e o funk adentrando um espaço antes dominado totalmente pelo sertanejo nas paradas das rádios e no streaming – e passaram a escutar mais o trabalho de nomes que já demonstram tal engajamento e/ou uma preocupação em entregar algo musicalmente diferente.
Isso, talvez, tenha permitido a mais pessoas descobrirem novos artistas e até acompanharem algumas revelações em seu processo de amadurecimento ao longo deste ano, antes mesmo que estas lançassem um álbum de estreia. É o caso lá fora da cantora e compositora britânica Arlo Parks, prestes a debutar com seu primeiro disco de estúdio já no início de 2021, e aqui da brasileira Agnes Nunes, que teve seu primeiro EP solo lançado há poucos meses. Dois nomes que se você ainda não ouviu, precisa descobrir agora nos nossos destaques de 2020 na seção Faroleira:
Nome completo: Anaïs Oluwatoyin Estelle Marinho
Nome artístico: Arlo Parks
Data de nascimento: 09/08/2000
Local de origem: Hammersmith, Londres, Inglaterra (Reino Unido)
Veículo (ou como chegou até nosso conhecimento): flow diário personalizado da Deezer
O fato da premiação do Grammy neste ano ter sido dominada por uma artista de apenas 18 anos não deve ser visto como um feito isolado de Billie Eilish, mas como sinal de um momento em que cada vez mais jovens ascendem dentro do mundo da música, não apenas com hits chicletes como já acontecia pontualmente há décadas, mas principalmente como porta-vozes, mesmo que não assumidos, das aflições e dores de sua geração. Um dos melhores exemplos disso, citado pela própria cantora e compositora norte-americana na sua entrevista anual na Vanity Fair, é a inglesa Arlo Parks. De Hammersmith, distrito da região oeste de Londres, a musicista e também poeta de 20 anos, há dois, pelo menos, tem demonstrado seu talento para compor canções que descrevem cenas e dramas que se relacionam intimamente com o público.
Filha de pai nigeriano e mãe francesa de origem chadiana, Anaïs Oluwatoyin Estelle Marinho surgiu na cena musical com o nome artístico Arlo Parks no final de 2018, quando lançou seu primeiro single Cola – que esteve recentemente na trilha sonora da minissérie britânica I May Destroy You (2020). Logo, ele integraria o EP Super Sad Generation (2019), seu début de quatro faixas que foi lançado em abril do ano passado, tendo um olhar particular para os relacionamentos e corações partidos, embora a canção-título já denotasse seu interesse em problemas endêmicos de sua geração. Algo mais marcantes no seu segundo disco no mesmo formato, Sophie (2019), EP com cinco músicas, incluindo a homônima, que viria meses depois, em novembro de 2019.
Essas duas vertentes temáticas parecem confluir em Collapsed In Sunbeams (2021), seu aguardado primeiro álbum que chega ao público no próximo dia 29 de janeiro, pelo que foi adiantado ao longo deste ano com o lançamento de cinco singles. Iniciada no mundo da poesia por Ariel (1965) de Sylvia Plath e tirando o título do disco de um trecho do livro Sobre a Beleza (2007) de Zadie Smith, Parks demonstra uma qualidade descritiva em suas composições pouco observada atualmente no mainstream ou mesmo na cena indie – e, de certo modo, diferente de quem mais sabidamente exerce esse recurso narrativo hoje em dia, a norte-americana Taylor Swift em sua volta às raízes com folklore (2020) e evermore (2020). Versando livremente sobre suas próprias experiências como uma adolescente tomboy e bissexual em Eugene e Green Eyes, apenas observando a crise de um casal hétero na nova Caroline ou falando diretamente de questões mentais em Black Dog – veja também o poema que inspirou a canção – e Hurt, suas letras provocam uma imersão nessas histórias, que transformam os ouvintes também em espectadores ou os provoca a se sentirem na pele de um desses personagens ou de seu alter ego.
Em termos rítmicos, Parks se define como uma artista de indie pop, bedroom pop e indie folk, embora também tenha sido constantemente associada ao R&B alternativo. É certo que o pop atual bebe muito do R&B, mas a artista, que conta com a parceria com o produtor e compositor norte-americano Gianluca Buccellati, que já trabalhou com Lana Del Rey, toma o gênero como ponto de partida para outros caminhos, seja para o trip hop dos anos 90 e sua grande influência em outros estilos daquela década ou para a tendência contemporânea para uma música mais lo-fi ou chill. O resultado é um som que, ao mesmo tempo, carrega um tom nostálgico e a impressão de ouvir em primeira mão o futuro da música.
Nome completo: Agnes Nunes
Nome artístico: Agnes Nunes
Data de nascimento: 05/04/2002
Local de origem: Feira de Santana, Bahia, Brasil / Paraíba
Veículo (ou como chegou até nosso conhecimento): lançamentos recomendados na Deezer
Enquanto isso, por aqui, uma voz ainda mais jovem e com sotaque nordestino surgia diretamente da internet. Nascida em Feira de Santana, na Bahia, Agnes Nunes foi ainda bebê para a Paraíba, onde foi criada pela avó até a mãe terminar os estudos na universidade, crescendo no interior e indo depois para a capital Campina Grande, quando, em 2017, começou a expressar sua faceta da veia musical da família, publicando vídeos no YouTube. Já com 16 anos, seus covers de variados artistas da música brasileira, indo da MPB ao rap, do rock ao forró começaram a chamar a atenção do público, incluindo nomes famosos do meio artístico.
Não demorou muito para que ela logo conseguisse contrato com uma gravadora, a Bagua Records, lançando assim seu primeiro single Segredo e, ainda no mesmo mês de março de 2019, o segundo 100 por Hora. Enquanto isso, foi tornando seu nome mais conhecido colaborando com diversos artistas, como a Família Lima na versão de Só os Loucos Sabem, da banda Charlie Brown Jr., e o cantor Tiago Iorc na música Pode Se Achegar, mas principalmente o amigo Xamã. Com o também integrante do famoso selo da cena hip hop brasileira, a cantora lançou o eclético EP Elas por Elas (2019), em agosto do ano passado, cujo destaque entre as quatro faixas foi Cida, e retomou a parceria recentemente com Escorpião, hit do novo álbum do rapper carioca, Zodíaco (2020), que saiu agora em dezembro.
Mas foi neste ano que a carreira da cantora e compositora de 18 anos tomou forma e voz própria, com o lançamento de seu primeiro EP solo, Romaria (2020), em outubro. Por mais que Agnes tenha sido elogiada pela participação em uma live de clássicos do samba, ao lado de ninguém menos do que Elza Soares e Seu Jorge, foi com cada uma das quatro faixas do disco, divulgadas ao longo de 2020, que ela vem demonstrando trilhar mais pelo caminho do R&B brasileiro, em um momento no qual o gênero norte-americano não tão somente influencia outros estilos musicais por aqui, como a MPB e a soul music desde os anos 1970, mas ganha uma cena própria. De qualquer modo, com um trabalho de estreia em que uma viagem emocional em plena quarentena, com músicas que levam o nome de cidades do Brasil e do mundo – Rio, que agora é sua atual morada; a romântica Lisboa; a correria de São Paulo e o caos e renascimento de Hiroshima –, provavelmente há muita estrada e paradas musicais para a artista percorrer e levar o público a descobrir junto.
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