É TUDO VERDADE 2021 | Dia 8 – Personagens coutinianas
Atualizado: 18 de abr. de 2021
Esta sexta (16) no festival É Tudo Verdade 2021 vem recheada de retratos de personagens coutinianas nos longas das competições internacional e nacional, que buscam trazer o extraordinário no cotidiano ou na história de pessoas comuns, mesmo que ainda longe da simplicidade íntima que o documentarista Eduardo Coutinho conseguia. Entre os estrangeiros, “pero no mucho”, Paraíso (2021), coprodução entre Portugal, Brasil e França, dirigida por Sérgio Tréfaut, registra o encontro diário de vários idosos nos jardins do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, antes da chegada da pandemia de Covid-19 ao país. Já o novo filme de Eryk Rocha, o brasileiro Edna (2021), mostra a trajetória de uma mulher atravessada por uma rodovia, entre a luta e a opressão, a poesia e a violência. Veja mais sobre os títulos a seguir:
Paraíso (Paradise, 2021)

Por muitas vezes, o acaso ou os “deuses do cinema” levam um filme por caminhos bem diferentes do que eram imaginados na sua concepção. Na nossa conversa com Sérgio Tréfaut sobre o longa Raiva (2018), no podcast NERVOS Entrevista #10, em março de 2019, o cineasta luso-franco-brasileiro adiantava que iniciaria as filmagens de um documentário chamado “Triste Brasil”, que seria um registro do cotidiano do Rio de Janeiro ao pôr-do-Sol, mas, dependendo dessa primeira tentativa, ele poderia tomar outro rumo quando voltasse a filmar no próximo verão. Claramente, foi o que aconteceu quando o diretor foi rodar no país em que nasceu, 40 anos depois, e teve o projeto interrompido pela pandemia de Covid-19, resultando em Paraíso.
A obra retrata a rotina diária de um grupo de idosos que se encontra nos jardins do Palácio do Catete, antiga sede da Presidência da República quando o Rio de Janeiro era capital federal e que se tornou um museu. O que os une é a nostalgia das músicas cantadas por eles nas tardes de serestas realizadas no local. Há confraternização de aniversário de uma das integrantes, a comemoração de um noivado, mas não é preciso um motivo específico para começarem a entoar clássicos do cancioneiro popular de várias gerações, especialmente da era do samba-canção de Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues e tantos outros, mas também sucessos mais “jovens” de Roberto Carlos e Alcione, por exemplo.
O foco não está em algum tipo de ligação especial das pessoas com estas músicas, tal qual ocorre em As Canções (2011), de Eduardo Coutinho, e os trechos em que o filme acompanha alguns personagens, como Gercina Neném e Beth, voltando solitários para as suas casas ou suas rotinas dentro delas demonstram que é a seresta em si que ocupou um espaço especial em suas vidas – algo depois reforçado pelos poucos depoimentos apresentados, a exemplo dos relatos das senhoras cuja participação no grupo foi importante para superarem a depressão ou a viuvez. Não se sabe, porém, se a interrupção foi a responsável pela impressão de que faltou a Tréfaut conhecer mais sobre estas figuras humanas na intimidade, seja no conforto do lar ou nos momentos em que cantam, pois faltam a alguns deles uma cena tão emblemática como as das celebrações citadas, da D. Ilca sendo auxiliada a lembrar da letra ao alto dos seus 100 anos ou das memórias silenciosamente rememoradas pelos boleros em espanhol, em cada um dos participantes de um dueto. Ao mesmo tempo, a interferência da pandemia fez de Paraíso um relicário não apenas da música popular brasileira, mas de uma geração que se vai, representada aqui pelo bandolinista Mestre Rubinho, o primeiro do grupo de seresteiros a falecer em decorrência da Covid-19, e eternizada através do cinema e dos versos de Não Deixe o Samba Morrer.
Paraíso (Paradise, 2021)
Duração: 74 min | Classificação: Livre
Direção: Sérgio Tréfaut
Produção: Portugal, Brasil e França
Áudio e Legendas: português
> Sessão – 16/04/2021 (sexta), às 19h00
Disponível no Looke, com limite de até 2.000 visualizações ou prazo de 24 horas; caso não alcancem o limite, retornam no dia seguinte às 12h00 e ficam até as 22h ou o limite de visionamentos estabelecido
Edna (2021)

Por mais que sejam preguiçosas as comparações, é inevitável não ver uma combinação do DNA cinematográfico de Eryk Rocha em seu novo trabalho. Edna tem a força do cinema político do pai do cineasta, Glauber Rocha, designada na própria escolha de sua personagem-título, cuja trajetória é tão sintomática de várias mazelas que assolam o país. E possui a parcela poética do cinema sensorial da mãe do diretor, Paula Gaitán, na maneira como o roteiro, que tem argumento original de Gabriela Carneiro da Cunha e a participação dela e do montador Renato Valonne, decide contar a história de sua protagonista.
Em preto e branco – as cores só chegam no terceiro ato –, a imagem da estrada apresenta o espectador à rodovia Transbrasiliana, na qual Edna Rodrigues de Souza, vulgo Diná, vive e tem seu bar, com o parceiro Antonio Maria Cabral (Carlos), em uma das margens, na altura de São Geraldo do Araguaia. A localização geográfica ecoa a simbólica, pois esta mulher que conta a sua vida em forma de prosa e poesia é uma das muitas figuras marginalizadas da sociedade brasileira que tem suas vozes abafadas ou caladas à força. A sua é destacada em off, no qual, a partir dos seus escritos autobiográficos que guardou em um caderno, ela relata desde o abandono paterno passando por uma memória repleta de mortes sejam encomendadas por fazendeiros ou decorrentes da Guerrilha do Araguaia, até ter seu corpo violentado e torturado durante a Guerra dos Perdidos – revolta de camponeses locais contra a ação de grileiros, endossada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que desapropriaram suas terras, que foi reprimida pela polícia com violência à população local e violação das mulheres –, enquanto imagens e sons emblemáticos, como o do gado e o estampido dos tiros, ilustram suas falas, por vezes também dita pela roteirista e também atriz Gabriela.
A luta camponesa e pela reforma agrária sendo suprimida por interesses econômicos maiores e a violência do Estado remete, inevitavelmente, ao clássico de Eduardo Coutinho, Cabra Marcado para Morrer (1984), além das escolhas estética e narrativa no retrato de uma mulher marginalizada relembrarem Estamira (2004), documentário de Marcos Prado. Contudo, é justamente como Eryk usa essas ferramentas em uma linguagem híbrida que impede Edna de acessar as qualidades mais humanas de um cinema coutiniano e de outros influenciados por ele. Paradoxalmente, os mesmos recursos autorais que encantam nessa encenação poética da vida de Edna são os que impedem o espectador de ter acesso à voz plena dela, sempre manufaturada para se encaixar em determinado padrão artístico.
Edna (2021)
Duração: 64 min | Classificação: 12 anos
Direção: Eryk Rocha
Produção: Brasil (São Paulo/SP)
Áudio e Legendas: português | legendas em português
> Sessão – 15/04/2021 (quinta), às 21h00
> Reprise – 16/04/2021 (sexta), às 15h00
Disponível no Looke, com uma hora de tolerância para o início da sessão ou até atingir o limite de 2.000 visualizações
> Debate – 16/04/2021 (sexta), às 17h00
Disponível no YouTube do ETV
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