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Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2021 | Dia 4 – Uma viagem em dois tempos

Atualizado: 18 de abr. de 2021


A semana começa com filmes de viagens que confrontam dois tempos, mas de maneiras bem diversas, nas competições de longas nesta segunda (12) do festival É Tudo Verdade 2021. Na seleção internacional 9 Dias em Raqqa (2020), de Xavier de Lauzanne, uma escritora francesa vai até a localidade síria que foi transformada em “capital do Estado Islâmico” e se depara com o conto de duas cidades, entre os escombros da destruição da guerra civil e os esforços da jovem prefeita curda para recuperá-la. No recorte nacional, Dois Tempos (2021), de Pablo Francischelli, é um road movie de mestre e aprendiz que reúne o violonista argentino Lucio Yanel e seu pupilo brasileiro Yamandu Costa. E para completar o conceito de passagem do tempo, Cinemas de Bairro (2020), documentário de Wari Gálvez presente na mostra Foco Latino-Americano, ilustra o auge e posterior declínio dos cinemas de rua no Peru. Confira mais sobre estes destaques do quarto dia da 26ª edição do evento:

 

9 Dias em Raqqa (9 Jours A Raqqa / 9 Days in Raqqa, 2020)


A cidade síria de Raqqa, entre destroços da guerra civil e o vislumbre de sua reconstrução, em cena do documentário francês 9 Dias em Raqqa (9 Jours A Raqqa / 9 Days in Raqqa, 2020), de Xavier de Lauzanne | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

As primeiras imagens do documentário 9 Dias em Raqqa são, igualmente, entusiasmantes e decepcionantes. É impossível não se encantar com a efervescência das manifestações populares na Tunísia, em 2010, e na Jordânia, Egito, Iêmen, Líbia e Síria, em 2011, mas também não desanimar quando se pensa nas consequências que a Primavera Árabe e a tentativa de conter a população trouxeram para estes países do Oriente Médio. Muitos saíram de regimes ditatoriais para novos governos autoritários ou, no trágico caso sírio, antes mesmo de qualquer ilusão de democracia, se viram em meio a uma sangrenta guerra civil, que serviu de porta de entrada para o ISIS, popularmente conhecido como Estado Islâmico, se fortalecer em regiões do seu território.


O caso mais emblemático é justamente o de Raqqa, cidade do norte da Síria que foi dominada pelo grupo terrorista e transformada na capital do califado que tentam implementar, baseado em uma visão fundamentalista do islamismo. As imagens de execuções são tão chocantes quanto os confrontos bélicos da contraofensiva de combatentes locais junto de militares de países de OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), como os Estados Unidos e a França, da qual vêm o cineasta Xavier de Lauzanne e a jornalista Marine de Tilly que serve de instrumento para o filme ir ao encontro de Leila Mustapha, objeto do livro que a francesa pretende escrever e protagonista do longa. A engenheira síria e curda – etnia fortemente presente na região e muito atacada por terroristas e até forças estatais ali e em outras nações do Oriente Médio – se tornou prefeita da localidade, com apenas 30 anos, em um sistema de governo autônomo e representativo dos povos que habitam a região.


Compartilhando o olhar estrangeiro de Marine, o espectador observa da janela do carro o cenário de desolação da cidade, enquanto, ao longo desses nove dias de estadia, Leila mostra in loco o lento processo de reconstrução, mesmo sob a tensão de um ressurgimento de células terroristas dormentes e a ameaça constante pela posição que ocupa, além de explicar detalhes sobre a dinâmica de Raqqa antes, durante e depois do domínio do ISIS e arranjar um tempo para apresentar seus pais. Da boca dela, o documentário extrai sua parcela de autocrítica, que não é aparente nas observações poéticas da escritora, que pouco rendem em termos narrativos como também não dão conta da influência da geopolítica ocidental e seus interesses econômicos sobre a sina cruel que abate a Síria e tantos outro países do Oriente. Ainda assim, Lauzanne consegue traçar um raro panorama equilibrado sobre o tema, no que diz respeito às emoções suscitadas: a dor da destruição e o medo de que o terror volte são dosados com a alegria da liberdade conquistada e a esperança de recuperação de uma comunidade, ou de toda uma sociedade.

 

9 Dias em Raqqa (9 Jours A Raqqa / 9 Days in Raqqa, 2020)

Duração: 88 min | Classificação: 12 anos

Direção: Xavier de Lauzanne

Produção: França

Áudio e Legendas: árabe, inglês, francês e curdo | legendas em português

> Sessão – 12/04/2021 (segunda), às 19h00

Disponível no Looke, com limite de até 1.000 visualizações ou prazo de 24 horas; caso não alcancem o limite, retornam no dia seguinte às 12h00 e ficam até as 22h ou o limite de visionamentos estabelecido

 

Os violonistas argentino Lucio Yanel e brasileiro Yamandu Costa em cena do documentário nacional Dois Tempos (2021), de Pablo Francischelli | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

Depois de Paulo César Pinheiro – Letra e Alma (2021), a competição nacional de longas desta 26ª edição do ETV segue o caminho do documentário musical com Dois Tempos, em uma proposta bem diferente do formalismo do filme anterior. Sem recorrer a ferramentas comuns no gênero, como as entrevistas talking heads e as imagens de arquivos, é de um reencontro na estrada que o cineasta Pablo Francischelli extrai a essência da relação e da arte de seus personagens. Sendo uma reunião das próprias origens do diretor, que nasceu na Argentina e cresceu no Brasil, a produção acompanha uma viagem de trailer dos violonistas Lucio Yanel, argentino radicado no Rio Grande do Sul, e Yamandu Costa, ícone brasileiro no ramo que conheceu o outro quando ainda era criança e sua família lhe hospedou logo ao chegar ao país.


O longa já se estabelece como um road movie na apresentação, em que a visão da rodovia sob o crepúsculo, vista por trás de um para-brisa, ilustra a rota que fez Yanel se cruzar com a família Costa, em Passo Fundo, como é descrita pela leitura de uma carta do pai de Yamandu. De volta aos dias atuais, o músico gaúcho e sua mãe relembram junto do amigo argentino, a influência que o mestre hermano teve para que o aprendiz brasileiro seguisse os mesmos passos no dedilhar do violão. É o ponto de partida para os dois saírem de trailer rumo à terra natal de Lucio, a cidade de Corrientes, com algumas paradas pelo caminho, inclusive para se apresentarem aos compatriotas dele.


A partir do título retirado de uma música que o ídolo compôs em homenagem a seu pupilo, o roteiro de Francischelli e Caio Jobim constrói um encontro desses Dois Tempos representados por estes artistas. Para além da diferença de idade e de nacionalidade, há um diálogo entre diferentes visões de mundo incitado pelo questionamento sobre a crença no destino, em que o experiente músico fala sobre os diferentes rumos de suas carreiras, depois sobre a imprevisibilidade ou não da morte a partir de um caminhão cheio de toras e da religião para o jovem ateu como uma necessidade humana para dar conta da falta de confiança nos homens quando veem a devoção popular a figura local lendária de Gauchito Gil. Junto às reflexões existenciais, o filme capta a conversa musical entre os dois, com a guitarra castelhana de Yanel e o violão de sete cordas de Yamandu evocando tanto o chamamé argentino quanto a tradição da música popular brasileira em diversas passagens que transbordam a latinidade que une os países vizinhos.

 

Duração: 93 min | Classificação: Livre

Direção: Pablo Francischelli

Produção: Brasil (Rio de Janeiro/RJ)

Áudio e Legendas: português e espanhol | legendas em inglês

> Sessão – 12/04/2021 (segunda), às 21h00

> Reprise – 13/04/2021 (terça), às 15h00

Disponível no Looke, com uma hora de tolerância para o início da sessão ou até atingir o limite de 2.000 visualizações

> Debate – 13/04/2021 (terça), às 17h00

Disponível no YouTube do ETV

 

Cinemas de Bairro (Cines de Video, 2020)


O ex-funcionário Juan de Díos em frente ao cinema que trabalhava, em uma cena do documentário peruano Cinemas de Bairro (Cines de Video, 2020), de Wari Gálvez | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

É claro que cada lugar guarda suas particularidades, mas o desaparecimento dos cinemas de rua nas últimas décadas demonstra semelhanças neste processo, independente do país que se esteja observando. Por isso, quem assistiu a Quando as Luzes das Marquises se Apagam – A História da Cinelândia Paulistana (2018), de Renato Brandão, no É Tudo Verdade de 2018, perceberá essas similaridades na história do apogeu e declínio destes estabelecimentos ao ver o peruano Cinemas de Bairro. Ao acompanhar o longa de Wari Gálvez, vemos o relato do mesmo esplendor e sucesso das épocas áureas, o setor sendo afetado pela pirataria, a chegada do videocassete, popularização da TV e inflação elevada, se rendendo aos filmes adultos e muitos dos cinemas fechados se transformando em igrejas neopentecostais.


A sensação de déjà vu, porém, não é completa, pois o documentário peruano consegue fazer dos antigos funcionários dessas salas as estrelas da produção, não só no dispositivo metalinguístico que Gálvez usa dos personagens estarem se preparando e anunciando a estreia do filme em que eles são protagonistas, mas por conceder a eles o comando da narrativa. Se o título brasileiro era extremamente preso às imagens de arquivo, este, depois de uma longa abertura mostrando as fachadas atuais dos prédios em que se localizavam estes antigos cinemas, sendo raros os casos dos estabelecimentos que ainda estão abertos, deixa seus personagens contarem a história daqueles lugares, detalharem o processo de elaboração dos cartazes, de promoção, rebobinar as fitas e o funcionamento do projetor, por exemplo, e explicar especificidades como o gosto do público local pelos filmes indianos e mexicanos tanto quanto os norte-americanos. Há ainda intervenções na montagem, com uso do grafismo, que dialogam com a linguagem da era analógica e sua transição para o digital, fazendo de Cinemas de Bairro um produto que pode não atingir o ritmo e qualidade de um campeão de bilheteria, mas não se apoia somente no apelo nostálgico do tema.

 

Cinemas de Bairro (Cines de Video, 2020)

Duração: 100 min | Classificação: Livre

Direção: Wari Gálvez

Produção: Peru

Áudio e Legendas: espanhol | legendas em português

> Sessão – 11 a 18/04/2021 (domingo a domingo)

Disponível no Sesc Digital, com limite de até 2.000 visualizações ou prazo de 24 horas; caso não alcancem o limite, retornam no dia seguinte às 12h00 e ficam até as 22h ou o limite de visionamentos estabelecido


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