SERGIO | Um retrato partido
Sergio Vieira de Mello era um daqueles casos de brasileiros cuja importância internacional, por muito tempo, era desconhecida dentro do próprio país. A bem da verdade, a figura do Alto Comissário da Organização das Nações Unidas, só ficou mais conhecida globalmente quando assumiu a chefia da missão da ONU no Iraque, em 2003, apesar de 34 anos de carreira como um “conciliador” de conflitos em diversos países pelo mundo, com alguns êxitos notáveis – e mais ainda a partir do momento em que, tragicamente, este seria o seu último trabalho. Sua história, porém, novamente vem ao grande público com o ator compatriota Wagner Moura o interpretando na cinebiografia Sergio (2020), filme que estrela ao lado de Ana de Armas e que, depois de ser exibido no Festival de Sundance, em janeiro, chega nesta sexta (17) a Netflix.
A produção original do serviço de streaming conta com a direção de alguém já experiente na biografia do diplomata brasileiro. Trata-se da primeira ficção do documentarista Greg Baker, cuja filmografia se debruça sobre o tema do terrorismo islâmico e que já havia retratado a figura de Vieira de Mello no longa Sergio (2009). O documentário produzido pela HBO e que, no momento, também está disponível no catálogo da Netflix é uma ótima oportunidade de estender o conhecimento do espectador sobre a personalidade real e, igualmente, observar os equívocos do cineasta nessa transição ficcional.
Apesar de extremamente formulaico em seus depoimentos no estilo talking heads, a primeira empreitada de Baker com a sua figura consegue lidar melhor com a disrupção da narrativa ao seguir duas linhas cronológicas em paralelo. Enquanto reconta o atentado no hotel que servia de base para a ONU em Bagdá e o consequente socorro às vítimas, incluindo o próprio Sergio, a montagem intercala a sua trajetória pessoal e profissional do comissário. Ao levar isso para o campo ficcional, o roteirista Craig Borten, que chegou a ser indicado ao Oscar por Clube de Compras Dallas (2013) e também foi o responsável por Os 33 (2015), intensifica esse efeito a ponto de torna-lo contraprodutivo.
Não que fosse necessária uma convencional ordem cronológica, mas a narrativa se torna tão fragmentada que prejudica no reconhecimento destes pedaços que formam o retrato deste protagonista. Em seu vaivém, o roteiro entrega um primeiro ato totalmente dedicado à contextualização da questão da ocupação do Iraque e os dilemas da missão da ONU e seu chefe para restabelecer o país depois da queda do ditador Saddam Hussein, para se voltar nos dois seguintes, entre um momento agonizante e uma lembrança do passado, à história diplomática de Sergio, especialmente no seu trabalho no Timor Leste para se tornar independente da Indonésia, e pessoal no romance que se inicia com a colega de missão, a economista argentina Carolina Larriera (Ana de Armas). O ator brasileiro e a atriz cubana, aliás, repetem a dobradinha que iniciaram em Wasp Network (2019) e, ao menos aqui, têm aproveitada toda a química que foi desperdiçada no roteiro inchado do filme de Oliver Assayas.
No entanto, o esforço de ambos não é suficiente para aprofundar a faceta humana da figura heroica do personagem principal. Baker e Borten abordam pontualmente a sua negligência com a família no raro momento com os filhos, além de apontar, ao final, uma possível falha por seu ingênuo idealismo, mas é perceptível como tanto os aspectos familiares quanto as encruzilhadas profissionais no Iraque poderiam ser mais desenvolvidas. E transformar o especialista em refugiados Gil Loescher, que ocasionalmente estava ao lado de Vieira de Mello durante o atentado por causa de uma entrevista, em um personagem interpretado por Brían F. O'Byrne, que reúne características de vários colegas de trabalho de Sergio, se revela um recurso narrativo equivocado ao misturar o nome real com a figura ficcional.
Ainda assim, dentro do costumeiro olhar hollywoodiano para a geopolítica internacional, especialmente sobre a atuação dos Estados Unidos em outros países, existe aqui uma contextualização e crítica bem-vindas. Da mesma maneira que a defesa do diálogo que aflora dos discursos reais ou ficcionais de Sergio soam tão necessárias em tempos polarizados. O resultado, portanto, é um filme que sacia, mas não satisfaz quem enxerga o tanto que a sua biografia renderia.
Sergio (Sergio, 2020)
Duração: 118 min | Classificação: 16 anos
Direção: Greg Baker
Roteiro: Craig Borten
Elenco: Wagner Moura, Ana de Armas, Brían F. O'Byrne, Garret Dillahunt, Clemens Schick, Will Dalton, Bradley Whitford, Clarisse Abujamra, Eduardo Melo, João Barreto, Vanja Freitas e Senhorinha Gama Da Costa Lobo (veja + no IMDb)
Plataforma: Netflix (streaming)
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