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Foto do escritorNayara Reynaud

LIQUID VOICES – A HISTÓRIA DE MATHILDA SEGALESCU | Formatos não fluídos

Atualizado: 1 de ago. de 2020


Luciano Botelho e Gabriela Geluda em cena da ópera cinemática Liquid Voices – A História de Mathilda Segalescu (2019) | Foto: Divulgação (Bretz Filmes)

Para quem está sendo apresentado à obra de Jocy de Oliveira agora, talvez, possa ser difícil compreender rapidamente a abrangência dos trabalhos da artista octagenária. Pianista e compositora de formação, a curitibana foi uma das pioneiras da música eletroacústica no Brasil, já recebeu o prêmio Jabuti por um de seus livros e concebeu vários vídeos e instalações multimídias, mas foi na junção da música e do teatro através da ópera que a sua veia autoral encontrou boa parte de seu escape. Por isso, não é de espantar que esta intrépida mente criativa esteja, mais uma vez, se aventurando pelas mais diversas artes em Liquid Voices – A História de Mathilda Segalescu (2019), a qual denomina de “ópera cinemática”.


A obra que chega nesta quinta (2) às plataformas digitais trata-se da nona ópera da carreira de Oliveira, filmada nas ruínas do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, em uma ficcionalização de um evento real da Segunda Guerra Mundial. No caso, a história do navio Struma, última embarcação a zarpar da Europa, mais exatamente da Romênia no final de 1941, levando 769 refugiados judeus para a Palestina, mas que sofreu um terrível naufrágio no início do ano seguinte. A trama, então, traz como único sobrevivente da tragédia o piano da personagem central ficcional, uma célebre cantora judia refugiada chamada Mathilda Segalescu (interpretada por Gabriela Geluda, atriz e soprano que trabalha há quase três décadas com Jacy), que é encontrado por um pescador árabe (vivido pelo ator e tenor Luciano Botelho), que, através do objeto, passa a ver o espectro de sua dona e se apaixona por ela.


O projeto da artista multimídia ainda incluiu o lançamento do livro de arte bilíngue, em português e inglês, Além do Roteiro (2020), que traz o script do filme introduzido por suas reflexões sobre a intertextualidade das mídias em que trabalha. No entanto, o que se sente ao assistir Liquid Voices é justamente a falta de fluidez entre a arte cinematográfica e o teatro e a música já tão bem integrados, em contrapondo à fluência da obra de Jacy de Oliveira.


A diretora mergulha superficialmente na linguagem cinematográfica, não indo além de alguns registros mais próximos dos personagens, possibilitados pela falta de uma plateia, embora ela ainda pareça estar ali, imaginária, para os atores. A performance continua teatral mesmo com a troca de cenários, pois parece uma mera mudança de um palco a outro, já que a montagem também não ajuda nessa transição entre narrativas paralelas. O resultado é um longa-metragem que ainda fica preso à estética do “teatro filmado”, sem ultrapassar o mero registro e aproveitar as potencialidades do cinema para aproximar o público da história.


Apesar da “ópera filmada” ser frustrante para o lado cinéfilo do espectador, o título disponibilizado em VOD garante o acesso deste a uma obra que estreou no London International Film Festival e circulou só por festivais internacionais e nacionais, sendo encenada apenas por um final de semana no SESC 24 de Maio, em São Paulo, quando ainda estava em desenvolvimento, no ano de 2017. A transposição do espetáculo de um palco regular, digamos assim, para as ruínas do Cassino da Urca garante uma beleza cenográfica ímpar na tela, mas que é acompanhada por um figurino mais irregular neste sentido. E a arte que mais se destaca neste encontro é a música, através das composições de Jacy, misturando elementos de rock e cantos religiosos, sejam judaicos ou islâmicos, além de um toque de brasilidade no pandeiro – sem falar no talento vocal já conhecido da soprano e do tenor, cantando em múltiplas línguas, como francês e árabe.


Contudo, mesmo enquanto ópera somente, Liquid Voices padece em sua dramaturgia. Dependente de informações adicionais, que são apresentadas pelo texto nas cartelas ou através de narrações em cena dos próprios personagens que soam pouco orgânicas, a narrativa pouco avança, e até desvia em momentos deslocados como a introdução da figura do vampiro. Isso contribui na simplificação da questão árabe-israelense subentendida neste “Romeu e Julieta” ao quadrado e, infelizmente, prejudica a reverberação do tema principal da obra que, ao traçar um paralelo entre a tragédia do passado com os flagelos contemporâneos dos refugiados em várias partes do planeta, alerta para o fado cíclico da História.

 

Liquid Voices – A História de Mathilda Segalescu (2019)

Duração: 83 min | Classificação: 14 anos

Direção: Jocy de Oliveira, com assistência de direção de Bernardo Palmeiro | Produção: Spectra

Roteiro: Jocy de Oliveira | Música original com eletroacústica: Jocy de Oliveira

Elenco: Gabriela Geluda (soprano) e Luciano Botelho (tenor)

Distribuição: Bretz Films

Plataformas: NOW, Looke e Vivo Play, a partir de 2 de julho de 2020



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