ALICE JÚNIOR | Alice na adolescência das maravilhas
Atualizado: 1 de ago. de 2021
A indústria cinematográfica brasileira demorou a perceber o potencial e, principalmente, a necessidade dos filmes adolescentes como parte de sua produção, já que, mais do que boas apostas em termos de bilheteria, tanto eles quanto os infantis são importantes para a formação de público do cinema nacional. Enquanto isso, mesmo em um lugar onde o gênero está estabelecido como em Hollywood, somente nos últimos anos, surgiram alguns exemplares que propõem um novo olhar, fazendo um “mais do mesmo diferente” através das mudanças no protagonismo. Alice Júnior (2019), novo longa de Gil Baroni, é fruto tanto desse movimento recente no país quanto dessa percepção contemporânea de fora e, por causa de tal “fusão”, se tornou um título de apelo no circuito de festivais no Brasil, no ano passado, e que chegou até a Mostra Generation do Festival de Berlim de 2020.
A história criada por Luiz Bertazzo, em seu primeiro roteiro de longa-metragem, escrito com Adriel Nizer Silva, que trabalhou com o diretor em O Amor de Catarina (2016), não é muito diferente de tantos outros coming of age. Alice Júnior (Anne Celestino Mota) é uma adolescente de Recife, Pernambuco, que, por causa do trabalho do pai (Emmanuel Rosset), se muda para uma cidade pequena no Paraná, a fictícia Araucárias do Sul, e, ao entrar na nova escola, enfrenta os dramas típicos de uma produção teen: o desejo em conseguir o primeiro beijo, amores não correspondidos, a necessidade de adequação e bullying. O diferencial está no fato da protagonista ser uma jovem trans, interpretada por uma atriz trans, algo duplamente raro para um mercado cinematográfico ainda limitado, apesar das aparências de diversidade.
Sendo assim, Alice Júnior opera em uma chave mais parecida com a da comédia romântica homossexual de Com Amor, Simon (2018) do que a do incisivo drama sobre racismo de O Ódio que Você Semeia (2018), que é a da lógica de conscientização através de uma simultânea normalização e transgressão. Isso porque, ao mesmo tempo em que, especialmente, a obra nacional e o primeiro exemplo hollywoodiano se utilizam de vários clichês de filmes adolescentes para colocar seus protagonistas como qualquer pessoa lidando com esses dilemas comuns desta fase – pelo menos, no cinema, porque nem sempre ela é tão dramática assim na vida real –, se valendo da empatia para gerar compreensão por parte da plateia, a simples posição de protagonismo desses personagens que costumam figurar como coadjuvantes ou, pior, figurantes caricatos já é uma quebra dessa norma ao expor as particularidades de suas vivências. E a produção paranaense faz isso de maneira mais contundente que a norte-americana, pois Alice já ultrapassou a etapa de “se assumir” que, por vezes, soa obrigatória em muitas tramas LGBT+ e ainda conta com um pai compreensivo, embora ainda incisivo em suas broncas como qualquer figura paterna ou materna, reforçando igualmente a visão estandardizada de sua adolescência como a de tantos outros jovens e o olhar transgressor de uma garota que não se acanha em ser quem é, mesmo diante de agressões de todo tipo.
É claro que o roteiro nem sempre consegue manejar isso de forma orgânica e o tom declaratório do texto nos embates acaba enfraquecendo a fluidez da narrativa, que assume um ar mais fabular do que realista. Ainda assim, ela se mantém interessante o suficiente para o espectador e há alguns momentos em que a dupla de roteiristas e Baroni na direção conseguem equilibrar bem o didatismo dos diálogos que visam uma transformação no pensamento dos colegas de escola e, consequentemente, do público, com as emoções das personagens, a exemplo da cena na qual Alice fica sentida pelo seu “crush” Bruno (Matheus Moura), o namorado de sua amiga Taísa (Surya Amitrano), a elogiar de modo preconceituoso. No fim, quando o longa quase cai em um clichê contraproducente ao seu discurso, uma virada amplia a sua discussão, mostrando até à protagonista que é preciso estar aberta a novas verdades sobre aquilo que julgava sobre si mesma.
Indo além do tratamento do tema central, o filme faz um bom uso da linguagem da internet, particularmente no grafismo, pois mesmo sendo ostensivo, ainda é integrado à narrativa, já que a personagem-título é uma youtuber. O humor pueril nem sempre é eficiente e a atuação do elenco é meio irregular, mas é visível o quanto Anne Celestino, que transborda energia e carisma em todos momentos, cresce enquanto atriz quando está trocando com colegas de cena talentosos, como Thais Schier na pele da amiga Viviane. Tanto que as duas foram premiadas, respectivamente, com os Candangos de Melhor Atriz Principal e Coadjuvante no Festival de Brasília de 2019, de onde a produção saiu com mais dois prêmios, assim como foi agraciada pelo público no Mix Brasil e no Festival do Rio do ano passado, que se encantou com o retrato mais otimista de Alice Júnior em um país longe das maravilhas.
Alice Júnior (2019)
Duração: 87 min | Classificação: 14 anos
Direção: Gil Baroni
Roteiro: Luiz Bertazzo e Adriel Nizer Silva, com argumento de Luiz Bertazzo
Elenco: Anne Celestino Mota, Emmanuel Rosset, Matheus Moura, Surya Amitrano, Thais Schier, Igor Augustho, Gustavo Piaskoski, Kátia Horn, Cida Rolim e Marcel Szymanski (veja + no IMDb)
Distribuição: Olhar Distribuição e Moro Filmes
Plataforma: Google Play, iTunes, Looke, NOW, Oi Play, Vivo Play e Youtube Play, a partir de 11 de setembro de 2020
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