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Foto do escritorNayara Reynaud

CINE CEARÁ 2021 | Era uma casa...

Atualizado: 7 de jan. de 2023

Pelo segundo ano consecutivo, o Cine Ceará foi realizado em formato híbrido, com as exibições presenciais no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza, de 27 de novembro a 3 de dezembro, e as seis produções da competição de longas ibero-americanos do festival também exibidas na grade do Canal Brasil. Destas, os três filmes nacionais da seleção desta 31ª edição tiveram como linha de pensamento em comum as diferentes noções de lar, mas todas elas cercadas de desencanto. Em Fortaleza Hotel (2021), segundo longa de Armando Praça, além da locação que lhe dá título e une as duas protagonistas, ambas estão em crise com suas terras natais. No documentário gaúcho 5 Casas (2020), os imóveis do nome se tornam ferramentas visuais para o cineasta Bruno Gularte Barreto retratar cinco personagens importantes durante sua infância e adolescência. E no novo trabalho de Petrus Cariry, A Praia do Fim do Mundo (2021), as personagens tem seu lar ameaçada tanto pelo descaso humano quanto pela força da natureza. Veja mais sobre estes títulos a seguir:

 

Lee Young-lan e Clebia Sousa em cena do filme brasileiro Fortaleza Hotel (2021), longa cearense de Armando Praça | Foto: Divulgação (Cine Ceará)

Em seu segundo longa-metragem, o cineasta cearense Armando Praça segue sua predileção por retratos intimistas de personagens solitários, já demonstrada na sua benquista estreia em Greta (2019). Mas as primeiras diferenças em Fortaleza Hotel se revelam desde o princípio, claramente na mudança de foco de protagonistas masculinos para femininas no roteiro escrito, desta vez, por Pedro Candido e Isadora Rodrigues. Outras vão se desvelando no decorrer do filme, com mais camadas além do naturalismo outrora explorado pelo diretor, em que o neon e o uso de cores na direção de arte de Diogo Costa conferem um clima de metrópole oriental à capital do Ceará, condizente com o encontro das duas personagens principais.


É final de ano e a camareira Pilar (Clebia Sousa) segue trabalhando no Fortaleza Hotel, enquanto se prepara para imigrar, almejando uma vida melhor em Dublin, na Irlanda. É quando ela conhece Shin (Lee Young-lan) e, por saber falar o básico de inglês, acaba se aproximando da mulher sul-coreana, ajudando esta viúva de um hóspede a lidar com as burocracias funerárias em um país estrangeiro. Porém, tudo se complica quando a filha da funcionária é sequestrada pelos bandidos da sua comunidade, por causa de uma dívida do namorado da garota, colocando os planos e a moral da jovem mãe em cheque.


Aliás, é interessante, mas não deixa de se transformar em uma armadilha narrativa mais à frente, a forma como o roteiro apresenta Pilar, primeiramente, como mulher e, bem tardiamente, como mãe. Parece, portanto, uma sina triste jogar tal personagem para esse clichê – antigo, todavia, nunca em desuso nem na ficção nem na realidade, infelizmente – no qual a maternidade se torna um impedimento para seu desenvolvimento individual, ao mesmo tempo em que a falta de construção desse relacionamento dela com a filha que teve muito nova torna a sua jornada materna menos envolvente para o grande público. É a relação que se estabelece entre a camareira e Shin que salta à tela e permite ao espectador permanecer com esta estadia, na forma com que a brasileira e a sul-coreana se encontram justamente no sentimento de não pertencimento que compartilham e as faz se entenderem muito além da segunda língua com a qual se comunicam.

 

Duração: 77 min | Classificação: 14 anos

Direção: Armando Praça

Roteiro: Pedro Candido e Isadora Rodrigues

Elenco: Clebia Sousa e Lee Young-lan (veja + no site)

Produção: Brasil

 

5 Casas (2020)


Cena do documentário brasileiro 5 Casas (2020), longa gaúcho de Bruno Gularte Barreto | Foto: Divulgação (Cine Ceará)

Vencedor da competição ibero-americana de longas desta 31ª edição do Cine Ceará, 5 Casas compartilha da tendência muito em voga no documentário nacional contemporâneo de trazer uma narrativa pessoal à tela e, por consequência, uma narração personalista. Em seu primeiro longa-metragem, Bruno Gularte Barreto retorna a sua cidade natal de Dom Pedrito, no interior do Rio Grande do Sul, para reencontrar lugares e pessoas que foram importantes na sua infância. Sobre as fotos que sobraram desse período, postas nas paredes de uma casa abandonada, o cineasta conta sobre o fato de sua mãe ter ficado doente, morrendo antes de ele completar oito anos e, logo depois, ter perdido também o pai por problemas de saúde, ficando só com seus irmãos.


Esses planos-detalhes se estendem até começar a revelar o rosto de uma das cinco personagens que o diretor retrata, por terem sido importantes naquele momento em que ele se encontrou órfão. No caso, é a professora Maria, mesmo nome de sua mãe falecida e de sua segunda figura materna, a babá que a narrativa traz rapidamente quase ao final. Neste ínterim, a irmã Amélia, assim como uma prima e um amigo também dão seus depoimentos, seja relacionando ao que o garoto passou naquela época ou que os mesmos vivenciaram naquela pequena cidade interiorana, relatando experiências de racismo e homofobia, os altos índices de câncer popularmente atribuídos aos agrotóxicos e à carne vermelha na região produtora de arroz e gado bovino, bem como a especulação imobiliária que se liga ao imaginário visual de desolação construído pelo realizador a partir desses imóveis que dão título à obra e a guia até esses personagens.


Talvez a imersão da sala de cinema tenha feito tantos perceberem a ligação entre a história pessoal de Bruno e tais questões sociais mais abrangentes sobre um panorama da cidade e, consequentemente, do país, que, pessoalmente, foi perdida na exibição pelo Canal Brasil. Pela TV, a voz sussurrada do cineasta, de um desânimo compreensível, porém, monótono, não conseguiu gerar um interesse maior, por mais empatia que o telespectador pudesse empreender sabendo sobre a dificuldade que é reviver o luto através da arte, além de parecer que todos esses assuntos importantes são tratados de forma superficial e, por vezes, confusa pela narrativa costurada por Barreto. A bem da verdade, é a frase que, propositadamente, escapa durante os créditos finais, na qual uma personagem afirma que “falar de uma dor por uma hora” ali não dará “conta do seu sentimento”, que melhor define um exercício cinematográfico que pode levar parte da plateia à identificação e às reflexões desejadas, mas deixara a outra esse vazio da impressão de que o documentário gaúcho não dá conta das pequenas e grandes dores que tenta enquadrar.

 

5 Casas (2020)

Duração: 97 min | Classificação: 12 anos

Direção: Bruno Gularte Barreto (veja + no site)

Produção: Brasil

 

Marcélia Cartaxo em cena do filme brasileiro A Praia do Fim do Mundo (2021), longa cearense de Petrus Cariry | Foto: Divulgação (Cine Ceará)

O mar volta a quebrar no cinema de Petrus Cariry, após o realizador cearense já ter o estampado e versado sobre ele nos recentes longas O Barco (2018) e A Jangada de Welles (2019). Em seu novo filme que encerrou a competição do festival, A Praia do Fim do Mundo, o teor mítico que o acompanha é o que primeiro surge ao público, na pintura do monstro marítimo engolindo um homem. Posteriormente, o imaginário bíblico, na história de Jonas e a Baleia é citado, de maneira nominal e visual, na obra que ostenta uma primorosa fotografia em preto e branco assinada pelo próprio diretor.


Contudo, é uma realidade muito palpável, mesmo na sua característica corrosiva, que faz essa narrativa navegar. As praias cearense de Icaraí e fluminense de Atafona, cuja orla vem sendo “engolida” pelo mar, servem de locação para a fictícia Ciarema, um vilarejo que sonhou as aspirações da modernidade humana com um projeto de resort que foi afundado, assim como algumas construções destruídas na costa pela força do mar, com ressacas cada vez mais violentas. É neste cenário desolador que são apresentadas Alice (Fátima Muniz), uma jovem ambientalista, e sua mãe Helena (Marcélia Cartaxo), cujos pés estão fincados no local do qual resiste em sair.


Conscientemente ou não, o mesmo embate de forças da natureza e do ser humano que constrói tal paisagem é refletido nas marés cinematográficas que se chocam nesta Praia do Fim do Mundo. Há um confronto inerente no roteiro de Cariry e Firmino Holanda que se revela através dos diálogos: enquanto Fátima Muniz não consegue disfarçar esse aspecto direto do texto didático e de confronto que está tão na moda no cinema contemporâneo, não apenas brasileiro, com todas as suas boas intenções, mas também os seus vícios que a sua personagem carrega na figura da jovem militante, Marcélia Cartaxo confere um lirismo cotidiano às suas falas que remete à tradição da produção nacional, vigente especialmente até a primeira década do século XXI, que não abria mão de sua poética própria para denunciar, por vezes, as mesmas mazelas do país. Por fim, a direção de Petrus tende mais a resistir tal qual a matriarca e se agarrar a essa memória fílmica.

 

Duração: 88 min | Classificação: 12 anos

Direção: Petrus Cariry

Roteiro: Petrus Cariry e Firmino Holanda

Elenco: Marcélia Cartaxo, Fátima Muniz, Larissa Góes, Carlos César, Fabiola Liper e Moabe Filho (veja + no site)

Produção: Brasil


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