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Foto do escritorNayara Reynaud

HOME BEFORE DARK – 2ª temporada | Ainda, uma bem-vinda estranha no ninho


Brooklynn Prince em cena do segundo episódio da segunda temporada da série Home Before Dark (2020-), de Dana Fox e Dara Resnik | Foto: Divulgação (Apple TV+)

Desde sua premissa, Home Before Dark (2020-) é uma série diferente de seus pares. A ideia de uma repórter mirim pode até parecer fofa à primeira vista, rendendo talvez uma comédia infanto-juvenil, mas o fato da produção exibida pelo Apple TV+ ser inspirada pelas reportagens da jovem Hilde Lysiak, que, com apenas nove anos de idade, cobriu um assassinato em seu jornal local Orange Street News, dá um caráter totalmente diferente a esta história. Dessa inusitada origem, surge o drama policial e familiar criado por Dana Fox, roteirista dos filmes Como Ser Solteira (2016) e Cruella (2021), e Dara Resnik, que escreveu alguns episódios de séries como Pushing Daisies: Um Toque de Vida (2007-09) e produziu Demolidor (2015-18), que encerrou sua segunda temporada na última sexta (13).


Já na primeira, que teve o cineasta Jon M. Chu, de Podres de Ricos (2018) e Em um Bairro de Nova York (2021), como produtor e diretor de alguns episódios – nesta leva, ele assina a produção apenas do episódio inicial –, a sensação de ser uma estranha no ninho acompanha Home Before Dark. Hilde Lisko, como é chamada a protagonista interpretada com tanta competência por Brooklynn Prince, do aclamado longa Projeto Flórida (2017), tem uma cabeça e atitudes bem adultas para a sua idade ao deixar sua veia jornalística falar mais alto. Não bastasse isso, ela e sua família são vistas como estrangeiras pela pequena comunidade da fictícia Erin Harbor, quando seu pai Matthew (Jim Sturgess, do musical Across the Universe, de 2007), depois de fazer sua carreira como repórter em Nova York, se muda com a esposa Bridget (Abby Miller, de Justified, de 2010-15) e as três filhas do Brooklyn para o outro lado dos Estados Unidos, na sua cidade natal no interior do estado de Washington.


A série também traz em si esta estranheza de misturar certa inocência do afeto que transborda em dramas e comédias familiares típicos da TV aberta norte-americana – em contrapartida, exemplares do tipo nas redes por assinatura e plataformas de streaming costumam carregar um maior cinismo nessas relações familiares, mesmo que em menores níveis do que Succession (2018-) – com a crueza do gênero policial e também jornalístico, independente do fato de ter crianças protagonizando estas investigações, já que Hilde tem a companhia dos amigos Donny (Jibrail Nantambu, do último remake de Halloween, de 2018) e Spoon (Deric McCabe, de Uma Dobra no Tempo, de 2018) para editar o jornal The Magic Hour Chronicle. Talvez o maior indicativo visual desse tênue equilíbrio esteja nas sequências em animação que, no uso compartilhado de stop motion, 2D e 3D de figuras e objetos que parecem saídos de maquetes escolares, recontam as passagens dos casos criminais apurados pela jovem repórter – vale ressaltar que mesmo apuro estético é visto igualmente na abertura que introduz novos itens a cada episódio. Há, portanto, o cuidado em não infantilizar demais a narrativa e seus personagens, sem que tampouco se esqueça da infância e adolescência que é vivida por eles.


Brooklynn Prince e Kylie Rogers em cena do quinto episódio da segunda temporada da série Home Before Dark (2020-), de Dana Fox e Dara Resnik | Foto: Divulgação (Apple TV+)

Esse jeito peculiar se mantém e evolui na segunda temporada, em ambas as instâncias. No episódio inaugural, Persistindo, a sensação de deslocamento atinge novamente Hilde, pois, apesar de seus grandes furos sobre o desaparecimento de Richie Fife (Kiefer O'Reilly), que ajudaram a libertar um inocente preso injustamente desde 1987, ela ainda é vista como uma criança chata e inconveniente por várias pessoas ao tentar solucionar o caso que marcou a cidade e a vida de seu pai, que era amigo de infância do garoto que permanece sumido. Além da incansável busca pela verdade que move a garota, a relação com o avô Sylvester (Reed Birney, de House of Cards, de 2013-18) ganha um papel maior nesta fase em que ele se debilita mais por causa da demência, exigindo uma entrega emocional ainda maior de Prince, que comprova todos os prêmios e indicações que recebeu como revelação por Projeto Flórida. O mesmo sentimento abate de forma mais forte a sua irmã mais velha, Izzy, vivida por Kylie Rogers, porque, após a mudança do namorado Ethan (Rio Mangini, da comédia Everything Sucks!, de 2018) para São Francisco, ela se sente cada vez mais sozinha na escola e até dentro da família. Isso serve de porta de entrada para ingredientes típicos de dramas adolescentes, como a necessidade de aceitação, além do alcoolismo e bullying que surgem através de outros coadjuvantes, mas o desenvolvimento da personagem é tão bem conduzido pelo texto e pela atriz, que participou de Yellowstone (2018-) e do longa Milagres do Paraíso (2016), que o anseio dela por se enturmar pode evocar nos espectadores adultos a preocupação de como será restabelecer certas conexões e amizades em um período pós-pandêmico.


De certo modo, há também um deslocamento entre a série e o público neste novo ano, pois a trama policial mais tradicional da temporada anterior era muito mais objetiva de imediato, enquanto a narrativa se desenvolve em um ritmo mais lento nesta leva. Os espectadores são conduzidos, ao lado dos personagens, a ir descobrindo evidências soltas, especialmente nos primeiros episódios, até que os crimes em questão vão se tornando mais claros e as peças se juntam, assim como os arcos de ambas as temporadas. Ainda assim, o teor revelado nesta última investigação de Hilde é bem diferente do habitual no gênero ou mesmo fora dele.


A princípio, a série até parece flertar com um ar fantástico muito comum em produções infanto-juvenis atuais, sejam aquelas que trazem elementos sobrenaturais de ficção científica ou terror, exemplificadas no sucesso de Stranger Things (2016-), ou as distopias que se tornaram mais frequentes após a franquia Jogos Vorazes (2012-15). No entanto, Fox e Resnik fazem questão de mostrar logo que o problema que, de modo sorrateiro, ameaça Erin Harbor é assustadoramente real. Se o citado drama adolescente carro-chefe da Netflix trouxe de volta o medo dos tempos de Guerra Fria em relação aos russos e outras histórias do gênero apresentam um inimigo interno de maneira bem alegórica, Home Before Dark demonstra que o vilão pode ser doméstico e bem palpável, suscitando as discussões atuais sobre meio ambiente, mas que não surgiram agora, vide Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento (2000), longa no qual Julia Robert ganhou o Oscar de Melhor Atriz que se baseia em fatos ocorridos entre os anos 1960 e 1990.


Não é algo inédito uma atração de uma grande companhia, como esta produzida pela divisão televisiva da Paramount e distribuída pela plataforma de streaming da Apple, apresentar um discurso contra grandes corporações empresariais. Para ficar em exemplos recentes já abordados aqui no site, a comédia da Amazon Upload (2020-) aborda criticamente, entre outros temas, o monopólio dos grandes conglomerados, enquanto Tim Burton traz, em sua subestimada versão live action de Dumbo (2019), uma mensagem anti-Disney sobre suas predatórias aquisições no subtexto. A diferença é que, ao tratar sobre o assunto em um cenário realista, Home Before Dark trabalha essa questão de maneira mais complexa, considerando, inclusive, as justas razões de resistência da população a mudanças quando empregos estão em risco e se mostrando, assim, mais madura e terna do que a consideram, tal qual sua intrépida protagonista.

 

Home Before Dark (Home Before Dark, 2020-)

Série | 2ª temporada: 10 episódios, de 11 de junho a 13 de agosto de 2021

Plataforma: Apple TV+ (streaming)

Criação: Dana Fox e Dara Resnik, inspirada pelas reportagens da jovem jornalista investigativa Hilde Lysiak | Roteiro: Dana Fox, Dara Resnik, Chloé Durkin, Russel Friend, Joe Hortua, Garrett Lerner, Hillary Cunin, Molly Nussbaum, Krystle Drew, Christine Roum e Adam Starks

Direção: Howard Deutch, Edward Ornelas, Kat Candler, Kate Woods, David Katzenberg, Myron Kerstein e Karen Moncrieff

Elenco: Brooklynn Prince, Jim Sturgess, Abby Miller, Kylie Rogers, Michael Weston, Joelle Carter, Aziza Scott, Jibrail Nantambu, Deric McCabe, Rio Mangini, Reed Birney, Mila Morgan, Louis Herthum, Whitney Peak, Alexa Mansour, Scott Lawrence, Damon Runyan e David Cubitt (veja + no IMDb)



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