SONIC – O FILME | A mesma corrida de sempre
Atualizado: 3 de ago. de 2021
Muito tem se falado sobre o fan service no cinema de gênero, que pareceu tomar proporções enormes recentemente – em especial, nos filmes de super-heróis e a fidelidade ao material de origem exigida pelos seus fãs –, tornando o termo mais frequente do que nunca. No entanto, não é como se Hollywood já não procurasse agradar, com suas sessões de testes e pesquisas de público, um grupo específico de pessoas. A diferença é que, após a constatação de que “agradar ao fã” costuma render frutos de bilheteria na maioria dos casos, os estúdios apenas contaram com um nicho bem definido para agradar.
Nos meses que precederam o lançamento de Sonic – O Filme (2020), tivemos mais um exemplo desse “fenômeno”. Após inúmeras reclamações dos fãs diante do visual de seu personagem-título nos trailers de divulgação, o ouriço azul velocista que entreteve inúmeras gerações desde seu lançamento para o console de videogame Sega Gênesis, em 1991, teve sua aparência modificada a algo mais próximo do design conhecido pelo público. Depois da mudança, surgiu um curioso apoio da fanbase ao longa, justamente por uma espécie de exigência que fora atendida pelo estúdio. Se a situação explicita uma noção – e por que não também uma ingenuidade? – problemática por parte desse grupo sobre o que constitui um bom filme, ela também coloca em pauta, novamente, a discussão sobre a integridade do autor, uma vez que um grupo de fora da produção pode influenciar, através das redes sociais, diretamente no produto final antes mesmo de ele ser lançado. E isso vale até mesmo para uma produção como esta, baseado num jogo que nunca foi – e nunca precisou ser – um poço de complexidade.
Após assistir ao produto entregue pelo diretor Jeff Fowler, duas coisas ficam claras: pouco importa o visual de seu herói-título se seu filme está fadado ao fracasso criativo desde sua concepção; Sonic não procura agradar só ao fã, mas a todo mundo, e isto nem sempre é algo positivo. Assim, o longa procura dialogar com os mais novos e igualmente com os adultos nostálgicos que cresceram com os jogos do ouriço, como fica claro pelos suspiros dos mais velhos já no início da projeção, com o logo da SEGA que apela justamente a essa nostalgia. No miolo, uma trama básica e genérica com a fórmula de um road movie, na qual o protagonista se encontra numa situação também de arquétipos: a do peixe fora d’água, refugiado no nosso mundo, na companhia de um galã estereotípico mais barato (James Marsden) e um orçamento que deve ter ido em sua maior parte, além dos efeitos computadorizados, para o cachê de Jim Carrey, que vive o vilão Robotnik, também oriundo dos games.
Troque o Sonic por qualquer outro mascote de computação gráfica e o filme seria quase o mesmo. O roteiro de Patrick Casey e Josh Miller confunde personalidade com autoconsciência e, ao invés de irreverente, o Sonic dublado por Ben Schwartz é apenas autorreferente, funcionando como uma versão amenizada de Deadpool – algo que tem se repetindo com cada vez mais frequência com personagens do tipo –, replicando memes da internet – porque, afinal, essa demografia também precisa ser agradada – e fazendo comentários metalinguísticos. E a produção se rende a um artifício que já virou piada até mesmo em Hollywood: a do filme que começa em um momento climático do terceiro ato com narração em off do protagonista para a audiência do tipo “Olá. Você deve estar se perguntando como cheguei até aqui. Então vamos voltar ao início”.
Desta forma, há pouco que pode ser dito sobre Sonic – O Filme fora desta discussão sobre o fan service, porque estamos falando de uma obra que é descaradamente derivativo em sua essência, e não apenas por ser baseado num videogame. O que se tem aqui são versões inferiores de sequências já exploradas com mais eficácia em produções melhores, como um momento extraído diretamente de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014) e seu personagem Mercúrio. É difícil não sentir vergonha alheia das tentativas de conectar-se com a plateia, como a adição de um trap, subgênero de rap dos mais ascendentes nos últimos tempos, acompanhando vinhetas em 16 bits como homenagem à linguagem de origem nos créditos finais, o que só ressalta uma desconexão abissal entre produto e público-alvo.
Apesar desta desconexão, dificilmente o título será um fracasso de bilheteria. Sua própria existência é fruto de uma pesquisa cuidadosa de tendências e público, que parece ter memória curta quando se trata dessas produções estreladas por bichinhos minimamente fofinhos. Se muitos dirão que Sonic frequentemente se assemelha com um típico filme de estúdio dos anos 2000, talvez estejamos mesmo vivendo uma regressão a esses tempos, com produções que cada vez mais se parecem umas com as outras e são cada vez mais inofensivas, algo que parece ligado diretamente à necessidade de agradar ao fã, que procura apenas uma nova embalagem do mesmo produto consumido há anos.
Produções infantis não precisam ser tão genéricos. Se existe a piada entre gamers de que Sonic era a resposta mais nova e descolada da SEGA ao Mário e sua concorrente Nintendo, é irônico que o mascote velocista tenha ganhado uma produção aos cinemas que constantemente tenta ser cool através dessas tendências jovens, resultando num produto descaradamente genérico e esquecível, que só ganha real energia quando Jim Carrey e seu humor anárquico entra em cena para desnortear o todo tão monótono. E isso diz muito, quando um ator de carne e osso consegue ter mais energia e expressão do que um computadorizado cartoon azul.
Sonic – O Filme (Sonic the Hedgehog, 2020)
Duração: 99 min | Classificação: Livre
Direção: Jeff Fowler
Roteiro: Patrick Casey e Josh Miller, baseado nos personagens do game "Sonic" criados por Yuji Naka, Naoto Ohshima e Hirokazu Yasuhara
Elenco: James Marsden, Jim Carrey, Tika Sumpter, Natasha Rothwell, Adam Pally, Lee Majdoub e Neal McDonough e voz original de Ben Schwartz (veja + no IMDb)
Distribuição: Paramount Pictures