CRIME SEM SAÍDA | Caça e caçador
Atualizado: 28 de fev. de 2021
O início de Crime Sem Saída (2019) é claro em relação a certa falta de opção do protagonista vivido por Chadwick Boseman em escolher o destino de sua vida. O peso da morte do pai policial em ação, enquanto ele ainda era criança, como mostra a imponente sequência de abertura, determinou que Andre Davis trilhasse a mesma profissão do seu herói, bem como o perfil letal do detetive, cujo grande número de mortes em sua conta o colocou sob investigação da corregedoria da Polícia de Nova York. Ele se defende afirmando que nunca atirou sem justa causa e tem-se aqui uma espécie de justiceiro como tantos super-heróis aos quais o intérprete do Pantera Negra está acostumado.
O segundo longa de Brian Kirk, diretor irlandês com longa carreira na TV e séries e telefilmes, mas tendo apenas o desconhecido Middletown (2006) como trabalho anterior no cinema, apresenta uma oportunidade, de fato, extraordinária para fazer o personagem, já inocentado das acusações, reavaliar seus métodos. No caso, um roubo “inesperado” de uma grande quantidade de cocaína, em que os ladrões Michael (Stephan James) e Ray (Taylor Kitsch) são colocados em uma armadilha, uma briga de “gente grande” em que acabam confrontando um contingente policial e vitimando oito agentes. Davis, então, é chamado para comandar a caçada aos responsáveis pelas baixas no distrito do capitão McKenna (J.K. Simmons), ao lado da policial do Departamento de Narcóticos, Frankie Burns (Sienna Miller), e decide fechar as 21 pontes que dão acesso à ilha de Manhattan – por isso, o título original 21 Bridges – para impedir a saída dos suspeitos e capturá-los.
Pode ser algo inimaginável para uma metrópole como Nova York – emulada pelas filmagens na Filadélfia realizadas pela produção –, mesmo de madrugada como acontece na história roteirizada por Adam Mervis, de O Garoto de Ouro (2012), e Matthew Michael Carnahan, de Guerra Mundial Z (2013) e Intrigas de Estado (2009), mas trata-se do cenário ideal para os clichês do gênero. Ainda assim, a narrativa não é constituída somente de confronto e perseguição, trazendo até certa dose de investigação e estratégia que poderiam ser ainda mais trabalhadas. Outro ingrediente diferente na velha receita é a tentativa, ainda que irregular, de humanização dos bandidos, sejam aqueles declarados desde o início ou os que se revelam – muito facilmente, diga-se de passagem – ao longo da trama.
Neste sentido, o filme tem maior êxito com Michael, primeiro, por deixar implícito no rapaz, interpretado pelo mesmo ator de Se a Rua Beale Falasse (2018), a problemática racial intrínseca à violência urbana, mesmo que evidenciando que não se trata do único fator. É no encontro com um “igual” como ele, que Andre passa a se questionar sobre o “alvo” e se põe a investigar antes de atirar. Aliás, fora os personagens de Bosewick e James, o roteiro fornece pouco arsenal para o público se envolver com as outras figuras da história, especialmente a parceira do detetive nesta ação, vivida por Miller.
Não há, de modo algum, uma unidimensalidade das peças desta trama, mas a falta de desenvolvimento delas prejudica as suas viradas, que se mostram pouco surpreendentes. Talvez, a intenção nem fosse realmente construir um grande plot twist, pois o longa convida o espectador a pensar junto com o protagonista, quando dá indícios desde o princípio de que há algo a mais neste caso, mas o diretor e os roteiristas acabam entregando o ouro cedo demais à plateia e deixando o detetive no escuro, em um descompasso prejudicial a longo prazo. O resultado é um clímax sem a potência já atingida antes pela narrativa, mas com o qual Kirk engenha até uma interessante mise-en-scène no último embate.
O saldo final, porém, é de uma discreta volta do velho filme de ação policial com o pensamento do século XXI em voga, que entrega o entretenimento suficiente para o público-alvo, deixando uma ponta de frustração por não explorar o potencial de complexidade do protagonista ou de dinâmica e estilo nesta caçada urbana – ainda mais, em uma cidade que já foi cenário de lutas e perseguições memoráveis em clássico do gênero ou franquias mais recentes.
Crime Sem Saída (21 Bridges, 2019)
Duração: 99 min | Classificação: 14 anos
Direção: Brian Kirk
Roteiro: Adam Mervis e Matthew Michael Carnahan, com argumento de Adam Mervis
Elenco: Chadwick Boseman, Sienna Miller, J.K. Simmons, Stephan James, Taylor Kitsch, Keith David, Alexander Siddig, Louis Cancelmi, Victoria Cartagena, Gary Carr, Morocco Omari e Chris Ghaffari (veja + no IMDb)
Distribuição: Galeria Distribuidora