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Foto do escritorNayara Reynaud

UM DIA DE CHUVA EM NOVA YORK | Pingos esparsos do Allen de outrora

Atualizado: 28 de fev. de 2021


Timothée Chalamet em cena do filme Um Dia de Chuva em Nova York (2019), de Woody Allen | Foto: Divulgação (Imagem Filmes)

Um dos cineastas mais prolíficos da indústria, o ânimo do octagenário Woody Allen é inegável. O diretor não só mantém sua impressionante média de lançar, quase sempre, um longa por ano, como ainda entregou alguns de seus melhores filmes na maturidade, com os recentes Meia-Noite em Paris (2011) e Blue Jasmine (2013) figurando ao lado de seus clássicos de fases passadas.

No entanto, desde tais sucessos de crítica e público no início da década, o fôlego criativo do artista, visivelmente, tem se esvaído aos poucos, a cada um de seus trabalhos seguintes, algo que tem muito mais a ver com o resultado irregular do seu último esforço na tela do que todo o conturbado contexto externo que envolve a produção com seu discreto – ou inexistente, no caso dos Estados Unidos – lançamento e a vida pessoal de seu autor. Marcando a volta de Allen ao cenário de boa parte de suas obras-primas, Um Dia de Chuva em Nova York (2019) acaba por ter frustrado o seu potencial de retornar aos temas e paisagem que se tornaram clássicos em sua filmografia, mas renovados pelo seu interesse em protagonistas e, por consequência, atores mais jovens.

Seu alter ego da vez é Gatsby (Timothée Chalamet), um universitário que retorna para a cidade onde nasceu e cresceu para acompanhar a namorada, a estudante de jornalismo Ashleigh (Elle Fanning), que foi à metrópole para fazer uma entrevista com o renomado cineasta Roland Pollard (Liev Schreiber). O casal pretendia aproveitar a viagem para curtir um final de semana romântico na Big Apple, mas nada sai como o planejado quando ela encontra o realizador em crise e tem a chance de conseguir um furo de reportagem. A garota passa a acompanha-lo e, em uma louca e típica jornada alleniana, também cruza com o caminho do roteirista dele, Ted Davidoff (Jude Law), e do astro latino Francisco Vega (Diego Luna), enquanto o “abandonado” rapaz vagueia por outro lado de Manhattan e, em outro olhar metalinguístico, cai nas filmagens de um curta universitário de um antigo colega de escola e reencontra Shannon (Selena Gomez), a agora já crescida irmã caçula de sua primeira namorada.

É mais um exercício do cineasta na comédia romântica, porém, o tino certeiro que lhe é peculiar na direção e, especialmente, no texto não surge em ambas as frentes da trama, algo que os atores não conseguem lidar. Elle Fanning se esforça para tornar adorável a sua Ashleigh, mas soa afetada com uma protagonista cujos interesses cultos logo se revelam superficiais, em um roteiro que a deixa presa, vez ou outra, sob o estigma da loira burra – sem falar na situação em que é colocada, ao ser cobiçada por esses homens mais velhos que conhece, o que seria sensível mesmo sem pensar nas polêmicas extrafilme. E tal qual o terno que parece um pouco grande no corpo do esguio Timothée Chalamet, o papel de alter ego de Woody não lhe cabe e, ainda que repita um tipo quase semelhante a de seus trabalhos anteriores, o jovem talento não consegue incorporar essa persona distante dele e do público.

Ao contrário do personagem mítico de F. Scott Fitzgerald do qual herda o nome e a referência, este Gatsby já está inserido na alta sociedade, a qual recusa nominalmente, embora nunca tenha abandonado os privilégios de sua classe, usando sua inteligência apenas para as partidas de pôquer e desperdiçando o resto por sua falta de rumo na vida. A melancolia que seria inerente neste retrato de jovem nostálgico, que gosta de ir contra a corrente, mas sem perspectiva de futuro, vem justamente pelo fracasso neste esforço, com o autor construindo um personagem tão erroneamente anacrônico quanto a sua narrativa, ao colocar sua própria paixão pela aura das décadas 1940 e 50 acima da caracterização lógica dos millenials, cujo gosto hipster pelo que é vintage se estenderia, no máximo, até os anos 60. Se as diversas histórias de época que produziu nos últimos trabalhos permitiu que abordasse tão bem um tema que lhe é tão caro, o olhar ensimesmado de Allen perde a chance de continuar a versar sobre isso a partir desta geração atual que vive sob uma cultura da nostalgia – cujo filão mercadológico é utilizado à exaustão por Hollywood, inclusive.

Por isso, Selena Gomez é quem se sobressai no trio de jovens protagonistas, ao não tentar emular representações passadas dos arquétipos de Woody, e sim encontrar a naturalidade de uma garota do século XXI, quase inexistente no texto, através do sarcasmo de Shannon. Entre o elenco mais maduro, o destaque fica para Cherry Jones na rápida, porém, precisa participação como a mãe de Gatsby, na cena mais emocionante e revelatória do filme. No entanto, o momento vem tarde demais e não consegue estabelecer uma conexão maior da plateia com o protagonista e aqueles ao seu redor em uma comédia de leves sorrisos e poucos risos e paixão.

 

Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day in New York, 2019)

Duração: 78 min | Classificação: 14 anos

Direção: Woody Allen

Roteiro: Woody Allen

Elenco: Timothée Chalamet, Elle Fanning, Selena Gomez, Liev Schreiber, Jude Law, Diego Luna, Rebecca Hall, Kelly Rohrbach, Suki Waterhouse e Cherry Jones (veja + no IMDb)

Distribuição: Imagem Filmes

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