FORD VS FERRARI | A melhor volta
Atualizado: 28 de fev. de 2021
Naquelas coincidências do destino e da Sétima Arte, calhou da estreia mundial de Ford vs Ferrari (2019) ser justamente no final de semana da Fórmula 1 no Brasil. O filme inspirado em uma história real ligada à célebre prova das 24 Horas de Le Mans, na França, é certamente um deleite para os fãs do automobilismo que já estão animados com as emoções em Interlagos, mas não só de corrida é feito este passeio conduzido pelo diretor James Mangold. Trabalhando novamente com protagonistas cujas imagens de “machões”, gradualmente, deixam transparecer as fragilidades desses homens, o cineasta de Logan (2017) e Johnny & June (2005) agora faz isso em dose dupla ao focar na amizade de Carroll Shelby e Ken Miles, respectivamente interpretados por Matt Damon e Christian Bale.
Os roteiristas Jez Butterworth e John-Henry Butterworth, de No Limite do Amanhã (2014), e Jason Keller, de Rota de Fuga (2013), apresentam um prólogo com a vitória do primeiro em Le Mans, no ano de 1959, para culminarem no terceiro ato dedicado à histórica prova de 1966 na pista francesa, quando é o segundo quem está atrás do volante. Neste ínterim, a narrativa acompanha como o campeão Shelby, por conta de problemas de saúde, trocou a pista pelos bastidores no desenvolvimento de carros esportivos. Sendo convidado para comandar um inédito time da Ford nas míticas 24 Horas, ele chama o seu amigo piloto e mecânico Miles, mas precisa insistir na sua escolha frente à resistência dos executivos da empresa em ter como representante de sua equipe um gênio tão intempestivo como o inglês veterano da II Guerra Mundial, radicado na Califórnia com sua compreensiva esposa Mollie (Caitriona Balfe) e o filho que o venera Peter (Noah Jupe).
Antes, o público é apresentado às dificuldades enfrentadas tanto pela gigante norte-americana Ford, que havia perdido seu apelo como o público mais jovem, quanto pela artesã italiana Ferrari, que não fechava as contas nas vendas, apesar dos inúmeros pódios. Sem conseguirem acertar uma improvável união de modos de produção tão diferentes, o magnata herdeiro Henry Ford II (Tracy Letts) deseja provar seu valor e apoia a ideia de Lee Iacocca (Jon Bernthal) de desafiar a hegemonia dos carros de Enzo Ferrari (Remo Girone) em Le Mans, a corrida de resistência de maior prestígio internacional, já que seus modelos só corriam a NASCAR e outras modalidades nacionais. É assim que a guerra empresarial é levada às pistas, com Shelby ficando no meio cruzado entre as decisões corporativas, feitas por gente de pensamento tacanho, sem noção da prática automobilística e visando só o marketing, e a necessidade de aperfeiçoar o protótipo e angariar os melhores pilotos para a dura tarefa.
Por isso, igual aos seus protagonistas, o filme também revela ser bem mais do que uma pura exaltação do orgulho norte-americano. Todo o patriotismo se desmancha, aos poucos, a partir do momento em que um corporativismo canalha, personificado na figura de Leo Beebe (Josh Lucas), mas não exclusivo dele, suprime o individualismo heroico de Miles e Shelby. A obra não é anti-patriótica, apenas crítica à ideia de um Sonho Americano construído pelas grandes organizações, tanto privadas quanto públicas, que esmaga os sonhos dos americanos, sejam cidadãos nativos ou imigrantes.
Curioso, então, que este seja um dos primeiros filmes da Fox sob a tutela da Disney e que tenha o mesmo “efeito Dumbo de 2019” na cautela sobre o poder das grandes corporações, transformando o embate sobre a pura arte, seja de qualquer espécie como a do esporte aqui, versus a ganância corrompida no verdadeiro conflito do longa, cujo título é mais um chamariz. Já na sua concepção como um produto original, ainda que baseado em uma história real, Ford vs Ferrari é um guerreiro solitário dentro da era das franquias, mostrando que o poderio de um grande estúdio deve ser utilizado para se arriscar em novas histórias que tirem o público de casa e o leve para o cinema, como bem frisa Sasha Stone no site The Wrap. É uma espécie de crítica construtiva ao modelo atual na qual Mangold se aproveita das vantagens de uma grande produção para construir um filme imersivo em suas duas horas e meia, em que a sua direção e a fotografia de Phedon Papamichael colocam o espectador no meio da corrida; o design de produção de Francois Audouy transporta para o cenário automobilístico dos anos 60; o desenho de som de David Giammarco e Jay Wilkinson sublinha todo o ronco dos motores; e a edição de Andrew Buckland, Michael McCusker e Dirk Westervelt o fazem sentir toda aceleração e desaceleração na pista e na vida dos personagens.
É um sopro de vida em uma obra sobre pessoas que compreendiam a iminência da morte ao volante – ainda mais naquela época –, mas não se negavam o prazer de dirigir ao máximo para derrubar os limites impostos.
Ford vs Ferrari (Ford v Ferrari, 2019)
Duração: 152 min | Classificação: 12 anos
Direção: James Mangold
Roteiro: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e Jason Keller
Elenco: Christian Bale, Matt Damon, Caitriona Balfe, Noah Jupe, Josh Lucas, Jon Bernthal, Ray McKinnon, JJ Feild e Tracy Letts (veja + no IMDb)
Distribuição: 20th Century Fox (Fox Film do Brasil)