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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2019 | Dia 7 – Lutas precoces pela sobrevivência

Atualizado: 28 de fev. de 2021


Cobertura do 7º dia da 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, com crítica do filme argentino Chuvas Suaves Virão (2018) e outros.

 

(Vendrán Lluvias Suaves, 2018)

Cena do filme argentino Chuvas Suaves Virão (Vendrán Lluvias Suaves, 2018) | Foto: Divulgação (ABMIC)

Vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Mar del Plata do ano passado, o argentino Chuvas Suaves Virão (2018) é um daqueles exemplos de filmes que contam com uma ótima premissa que, se não é desperdiçada, é dissipada em uma execução mediana. A ideia do último longa de Iván Fund é a de que, depois um apagão, enquanto a cidade dorme, somente as crianças acordam no dia seguinte e precisam lidar com um mundo sem adultos, já que eles não despertam deste sono profundo. O problema é que o diretor e o corroteirista Tomás Dotta cercam uma ideia tão frutífera de um hermetismo no tratamento indie que dão ao seu conceito, minando o espaço para a fantasia inerente do universo infantil.

Na trama, uma menina chamada Alma vai dormir pela primeira vez na casa de amigos justamente na noite em que acontece este apagão elétrico e humano. Não há susto das crianças ao acordarem e se depararem com a situação, apenas um estranhamento que logo é seguido pela cena deles atacando a geladeira de sorvetes de uma mercearia local. É depois que surge a preocupação na garota quanto ao seu irmão pequeno, que estaria sozinho em casa com os pais adormecidos, fazendo com que ela e boa parte de seus amigos cruzem a cidade, sem saber bem o caminho de volta ao seu lar

Com o nome e parte da temática inspirada tanto no poema de Sara Teasdale, publicado em 1918, e o conto de Ray Bradbury, de 1950, chamados There Will Come Soft Rains, Fund apresenta um cenário apocalíptico diferente. Não há destruição, mas uma apatia inimaginável para um ambiente urbano que se mostra tão desoladora quanto se o local estivesse em ruínas. O marasmo, porém, contamina o próprio filme, que pouco investe na aventura infantil ou no drama de sua sobrevivência, como se guiou o russo A Guerra de Anna (2018), presente na edição passada da Mostra.

Inserções de ilustrações em páginas que parecem de um livro infantil soam redundantes ao texto e alheias a uma narrativa que não possui este aspecto lúdico. Apesar da câmera na altura das crianças, este olhar surge em momentos espaçados e ganha um pouco de dinâmica no encontro delas com um cachorro. O imaginário infantil só infunde a tela de vez no final, em uma conclusão que abre campos para diversas interpretações, mas tal qual a metáfora sobre a dormência da vida contemporânea e a própria sinopse, vem como uma boa ideia mal trabalhada.

 

Duração: 82 min | Classificação: 14 anos

Direção: Iván Fund

Roteiro: Tomás Dotta e Iván Fund

Elenco: Alma Bozzo Kloster, Simona Sieben, Florencia Canavesio, Emilia Lia Izaguirre e Massimo Canavesio (veja + no IMDb)

Produção: Argentina

> Circuito Spcine Paulo Emílio / CCSP – 23/10/2019, quarta às 15h

> Cinesala – 25/10/2019, sexta às 22h10

> Sesc Osasco – 26/10/2019, sábado às 20h00

> Espaço Itaú Augusta Anexo 4 – 29/10/2019, terça às 14h00

 

(Ut Og Stjæle Hester, 2019)

No mesmo ano de sua primeira incursão em Hollywood com Vingança a Sangue Frio (2019), um remake de seu próprio longa O Cidadão do Ano (2014), o cineasta norueguês Hans Petter Moland apresentou outro trabalho no Festival de Berlim, com a produção escandinava Cavalos Roubados (2019), representante da Noruega na corrida para o Oscar de Melhor Filme Internacional. Em mais uma parceria com o ator Stellan Skarsgård, o diretor agora adapta o premiado livro Ut Og Stjæle Hester / Out Stealing Horses (2003), de Per Petterson. E o faz sem pressa para condensar todo o material original em um filme que busca perscrutar e traduzir de forma audiovisual os segredos e sentimentos escondidos sob o silêncio nórdico ou masculino que paira sobre seus personagens.

Um deles é o protagonista Trond, um sexagenário vivido por Skarsgård, que depois de anos vivendo na Suécia, se isola em uma região no interior da Noruega após a morte da esposa. A história começa com ele em 1999, às vésperas da virada do milênio, mas o bug aqui não é o anunciado nos sistemas computadorizados e sim das memórias humanas que retornam a datas passadas. O reencontro dele com Lars (Bjørn Floberg) o faz recordar de quando conheceu o novo vizinho pela primeira vez, aos 15 anos – então vivido por Jon Ranes neste coming of age que toma conta da narrativa que intercala os tempos –, durante o verão de 1948 que passou com seu pai (Tobias Santelmann) numa idílica paisagem norueguesa.

Moland reconstrói esta memória de maneira muito sensorial, com o desenho de som de Gisle Tveito constituindo um papel essencial neste sentido. Há a antecipação sonora da lembrança do personagem, antes que as belas imagens destas recordações, pelas quais o diretor de fotografia Rasmus Videbæk ganhou o Urso de Prata de Contribuição Artística, cheguem à tela. Além disso, a edição de som destaca os sons da natureza, por vezes rimando junto com a montagem de Nicolaj Monberg e Jens Christian Fodstad para dar a tensão necessária em determinadas cenas como a do incidente nas toras – de modo mais eficiente que a trilha sonora de Kaspar Kaae, que oscila entre os momentos certeiros e alguns acordes exagerados.

A principal marca do passado no protagonista é desta figura paterna que o adolescente idolatrava, mas viu se esfacelar no seu imaginário infantil conforme o conhecia mais falível como todos os adultos – e crianças também, como bem frisa esta história. Contudo, não existe sentimento de culpa por parte dos personagens, em uma obra onde tudo parece finito. Não por menos, existe uma pulsão mórbida neste filme, não só na presença constante da tragédia que ronda a trama, desde o falecimento da esposa no início, mas na medida em que o desejo do jovem Trond pela bela mãe de Lars e Jon (Sjur Vatne Brean) surge quando esta mulher (Danica Curcic) perde um de seus filhos.

 

Duração: 122 min | Classificação: 18 anos

Direção: Hans Petter Moland

Roteiro: Hans Petter Moland, baseado no livro “Ut Og Stjæle Hester” de Per Petterson

Elenco: Stellan Skarsgård, Bjørn Floberg, Jon Ranes, Tobias Santelmann, Danica Curcic e Sjur Vatne Brean (veja + no IMDb)

Produção: Noruega, Suécia e Dinamarca

> Cinearte 1 – 21/10/2019, segunda às 18h45

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 22/10/2019, terça às 17h15

> Reserva Cultural 1 – 23/10/2019, quarta às 16h20

> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 26/10/2019, sábado às 17h20

 

(Honeyland, 2019)

O equilíbrio das relações humanas com seus iguais e com o meio ambiente tal qual a sua fragilidade iminente movem o retrato intimista e universal de Honeyland (2019), filme que é o candidato da Macedônia do Norte na disputa por uma vaga no Oscar. Em seu primeiro longa, a dupla Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska conquistou nada menos do que o Grande Prêmio do Júri da seção World Cinema de documentários no Festival de Sundance. A produção também recebeu outra menção especial do júri pelo seu impacto e foi agraciada pela fotografia de Fejmi Daut e Samir Ljuma, que mergulha no cotidiano da solitária apicultora Hatidze Muratova, desde a busca dela por colmeias nas montanhas da bela paisagem dos Balcãs captada por suas lentes.

Os diretores passaram três anos filmando esta mulher que pratica uma cultura e criação de abelhas de modo tradicional no interior macedônio, sob o lema de pegar apenas a metade do mel a fim de preservar o resto para os animais e continuar colhendo no futuro, indo ocasionalmente vender o seu produto natural na capital Escópia (Skopje). Se ela cuida das colmeias sem medo, algumas ferroadas surgem na relação, por vezes, conflituosa e, em outras, amorosa com sua mãe Nazife, que se encontra acamada e quase cega aos 85 anos. Sua pacata rotina, porém, é afetada pela chegada de uma numerosa e barulhenta família turca – ela tem a mesma origem, como boa parte da comunidade local – que se instala ao seu lado, embora Hatidze se afeiçoe logo ao casal Hussein e Ljutvie Sam e, especialmente, aos seus filhos.

Mas é a partir de, então, que o documentário observacional ganha uma narrativa de contornos mais ficcionais na dinâmica que se estabelece entre sua protagonista e seus vizinhos. Hussein passa a copiá-la e a experiente apicultora até tenta ensiná-lo sobre o cultivo, mas se estabelece ali um parasitismo predatório que destrói a natureza, seja a do meio ambiente ou a humana, que antes havia ali. Mais do que opor o modo sustentável dela frente ao exploratório dos recém-chegados, existe uma ruptura do senso de coletividade tão bem exemplificado pela vida das próprias abelhas em um paralelo bem pontuado pela montagem de Atanas Georgiev.

De qualquer maneira, por mais que seja fácil criar antipatia por Hussein e sua prole, Stefanov e Kotevska evitam a sua vilanização. O desconhecimento daquele pai de família é latente e, sem saber o que está fazendo – vide as crianças expostas às picadas –, quem o guia é a necessidade somada à ganância externa do comprador para um caminho (auto)destrutivo. Trata-se de um estudo de um microcosmo que amplifica problemas macro, como os de diversos apicultores no Brasil, por exemplo, que sofrem com os agrotóxicos utilizados na agricultura matando consideravelmente a população de abelhas, prejudicando não só o seu trabalho, mas a manutenção dos ecossistemas. No entanto, a intimidade conquistada pelos cineastas e transmitida através do filme é mais elucidativa do qualquer exposição didática sobre o tema.

Essa sensação é obtida através da observação, no estilo “mosca na parede” do cinema direto de Grey Gardens (1975). Contudo, a dupla, já ciente que o público percebe a ficcionalização natural dos personagens sob o efeito de uma câmera, tem o desejo declarado de borrar esses limites, como fica evidente em elementos como a recorrência de You Are So Beautiful no rádio. O efeito dessa combinação é a empatia do público pela jornada da heroína solitária em questão, mais ainda quando Hatidze passa a reavaliar a sua própria vida no terceiro ato, sem perder sua essência e ética.

 

Duração: 85 min | Classificação: 12 anos

Direção: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska

Roteiro: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska

Elenco: Hatidze Muratova, Nazife Muratova, Hussein Sam e Ljutvie Sam (veja + no IMDb)

Produção: Macedônia do Norte

> CineSesc – 23/10/2019, quarta às 22h15

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 26/10/2019, sábado às 20h15

 

(Brittany Runs a Marathon, 2019)

Paul Downs Colaizzo, um dramaturgo da off-Broadway, como é conhecido o circuito de teatro alternativo de Nova York, se aventura pela primeira vez no cinema com A Maratona de Brittany (2019), um filme em que se inspira livremente na história da amiga de mesmo nome, cuja foto surge nos créditos. A Brittany da trama ficcional, interpretada por Jillian Bell, não pensa em desafios tão gigantescos, seja em uma prova esportiva ou qualquer outro aspecto da vida que vai levando sem grandes aspirações, aparentemente. A descoberta de um problema de saúde, porém, provoca uma crise existencial nesta jovem de 27 anos, já que a sua pressão arterial alterada não diz respeito apenas ao seu peso acima do IMC, mas ao seu estilo de vida.

Se a corrida surge como uma obrigação na opção mais barata para se exercitar e seguir as recomendações médicas, a metáfora vem como desafio ideal para motivá-la, bem como uma metáfora ideal para o longa abordar a sua transformação pessoal. Com Bell finalmente alçada ao protagonismo, depois de várias e boas participações em comédias como Anjos da Lei 2 (2014) e A Noite É Delas (2017), a personagem encontra no texto e na sua interpretação a desconstrução do estereótipo comum da “gordinha engraçada”. Brittany e o filme usam o humor como escape que esconde as inseguranças dessa mulher que, somente aos poucos, revela seus sonhos soterrados sob a rotina nova-iorquina e um comodismo natural que acomete as pessoas quando a vida leva para caminhos diferentes do inicialmente desejado.

Trata-se de uma protagonista que foge do óbvio e desafia o público tomando diversas atitudes errôneas, no entanto, capaz de gerar empatia justamente por se autossabotar não somente por orgulho, mas também por medo. Neste sentido, mesmo que a trama se encaminhe para situações inusitadas como a dinâmica que se estabelece entre ela e outro cuidador pet, Jern (Utkarsh Ambudkar), há algo realístico na forma como se desenrola essa transformação da personagem: não como uma corrida linear, mas uma caminhada em que se dá alguns passos para frente e volta-se algumas casas para trás até que se complete a maratona. No meio dessa trajetória, o roteiro ainda acha uma brecha para Brittany, na descoberta de novas amizades em Catherine (Michaela Watkins) e Seth (Micah Stock), reavaliar as relações tóxicas que estabelece, sendo a vítima ou sendo o algoz.

A direção de Colaizzo acompanha essa peregrinação dela oscilando seu tom entre uma típica comédia romântica na Big Apple, especialmente as produzidas pela Netflix, apesar de se tratar de uma produção original da Amazon, e um estilo mumblecore em sua parcela de dramédia e nos planos mais iniciais, além de abraçar de vez o discurso motivacional em seu último ato. É uma dicotomia que surge também na trilha sonora, que traz uma seleção pop e que vai de encontro com a ideia de empoderamento e autoconfiança com o próprio corpo do trabalho da cantora Lizzo, com Good as Hell, e uma escolha fora da curva no discreto uso da ótima e também certeira aqui Something On Your Mind, da cantora de folk blues Karen Dalton. Se a proposta funciona na parte musical, nem sempre acerta quanto ao ritmo da narrativa enquanto o cineasta estreante se desfaz de clichês e se aproveita de outros, mas é suficientemente eficiente para render ao filme o Prêmio da Audiência no Festival de Sundance.

 

Duração: 104 min | Classificação: 10 anos

Direção: Paul Downs Colaizzo

Roteiro: Paul Downs Colaizzo

Elenco: Jillian Bell, Michaela Watkins, Utkarsh Ambudkar, Micah Stock, Alice Lee, Lil Rel Howery e Kate Arrington (veja + no IMDb)

Produção: Estados Unidos

Distribuição: Diamond Films

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 23/10/2019, segunda às 18h00

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