AS LOUCURAS DE ROSE | Mother country
Atualizado: 27 de fev. de 2021
Emulando para o público a própria sensação de deslocamento de sua personagem-título, o longa de Tom Harper, As Loucuras de Rose (2018), causa certa estranheza desde o princípio. O cenário e estilo são típicos de filmes britânicos, especialmente os musicais mais associados ao rock, embora este esteja mais para a contenção familiar do também escocês Sunshine on Leith (2013) do que para a grandiloquência do showbusiness de Rocketman (2019) – para ficar apenas em exemplos assinados por Dexter Fletcher. Eles contrastam, porém, com a trilha sonora que externa o grande amor de Rose-Lynn Harlan (Jessie Buckley) pela música country, mas que veio a nascer em Glasgow, na Escócia, em vez de Nashville, a capital deste gênero musical.
O roteiro de Nicole Taylor, vinda da TV em seu primeiro trabalho no cinema, faz uma introdução inusitada desta protagonista que não larga suas botinas e deseja ser a nova estrela do country como as divas Dolly Parton e Patsy Cline, citadas no decorrer da história, entre outras referenciadas nas canções, a exemplo de Emmylou Harris e Wynonna Judd. Rose está saindo da prisão e o seu crime legal só é revelado bem depois ao espectador, já que seu maior pecado, segundo esta narrativa, foi não ter pensado nos seus filhos que ficaram sozinhos, aos cuidados da avó Marion (Julie Walters), enquanto ficou um ano detida. A jovem mãe solteira de duas crianças, o pequeno Lyle (Adam Mitchell) e a quieta Wynonna (Daisy Littlefield), que cantava antes em um clube local, precisa se contentar com o serviço de limpeza na casa de uma família de classe média alta, mas é justamente a sua patroa Susannah (Sophie Okonedo) quem a incentiva a perseguir a sua carreira, sem saber dos seus empecilhos práticos.
Neste dilema da personagem, cujo espírito livre é confrontado pela sua dificuldade em se reaproximar de seus filhos, a atuação de Jessie Buckley transparece todas as dores e aspirações desta selvagem Rose, como indica o título original. Além disso, a atriz se revela uma ótima cantora para o grande público – ela surgiu de um reality show britânico de teatro musical –, além de excelente compositora nas canções originais da trilha sonora. O filme se torna o veículo perfeito para a irlandesa demonstrar seu talento e versatilidade já apontados com os prêmios pelo indie Beast (2017) e suas coadjuvantes nas minisséries Chernobyl (2019) e Guerra & Paz (2016) – esta, dirigida pelo mesmo Tom Harper, que fez também a sequência A Mulher de Preto 2: O Anjo da Morte (2014) e vai lançar o longa The Aeronauts (2019).
O diretor opera em uma chave mais contida e densa, investindo no drama familiar e pessoal, apesar de seus elementos cômicos e de boas sequências musicais como a que elementos da banda surgem espaçadamente enquanto Rose canta limpando a casa. Nas mãos dele e de Nicole Taylor, a produção que rodou pelos festivais de Toronto de 2018 e South by Southwest e Tribeca deste ano surpreende com inversões sutis de expectativas, seja do público ou em relação ao próprio gênero.
No primeiro caso, isso ocorre desde a simples escalação de Sophie Okonedo como Susannah, personagem que em nenhum momento tem o fato de ser negra sendo destacado pelo texto, embora seja uma subversão da imagem comum e imbuída de ene questões raciais sobre quem seria a patroa e a empregada. Além disso, em vez de ser vilanizada por estar nesta posição, como geralmente acontece na representação do senhoril, esta mulher ganha um desenvolvimento, ainda que superficial, como uma mãe que trabalha em casa e sente falta da liberdade da juventude. Já no segundo caso, o roteiro brinca com os clichês, a partir do momento em que a narrativa se debruça sobre o eterno dilema da culpa materna entre a família e o trabalho e também em relação aos musicais.
[Se não quiser ter SPOILERS do final do filme, pare a leitura por aqui]
O terceiro ato, então, aponta os possíveis finais deste impasse para demonstrar à protagonista e ao público como a sua satisfação não pode e nem deve vir da escolha de apenas “um lado”. Esse é um entendimento que recai primeiro na mãe de Rose, com Julie Waters tendo a oportunidade de mostrar sua faceta mais dramática, enquanto Marion tenta constantemente dar um choque de realidade na filha, mas vê a infelicidade dela ao não fazer aquilo que a move, quando se recolhe somente à vida familiar. Isto rende uma bela cena em que ela “liberta” sua cria e o desenho de som traz os ruídos do trem e do avião ao fundo como as passagens para a jovem buscar um mundo além dali.
A ida à tão sonhada Nashville, porém, serve para a obra desconstruir a ideia corrente no gênero cinematográfico de que o sucesso está sempre em outro lugar. No que se refere ao estilo musical, esta resposta do longa é menos uma fuga do mainstream, mas a possibilidade da personagem assumir seu “sotaque sonoro” escocês no canto e na melodia e, portanto, se diferenciar dentro de uma clara homogeneização do country – assim como Kacey Musgraves, que aparece em uma participação bem discreta na trama, fez a sua maneira com o mergulho no country pop psicodélico, música ambiente e trip hop de seu recente disco Golden Hour (2018), vencedor do último Grammy de Álbum do Ano. Tal qual a tatuagem de sua protagonista, As Loucuras de Rose joga com esses três acordes finais para que tanto ela quanto o filme encontrem a sua verdade além dos sonhos e obrigações impostas pelos outros.
As Loucuras de Rose (Wild Rose, 2018)
Duração: 101 min | Classificação: 14 anos
Direção: Tom Harper
Roteiro: Nicole Taylor
Elenco: Jessie Buckley, Julie Walters, Daisy Littlefield, Adam Mitchell, Sophie Okonedo, James Harkness, Ryan Kerr, Nicole Kerr, Jamie Sives, Mark Hagen, Bob Harris, Ashley McBryde e Kacey Musgraves (veja + no IMDb)
Distribuição: Diamond Films
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