FILHAS DO SOL | Não é mais uma luta qualquer
Atualizado: 27 de fev. de 2021
Poético e forte como o seu título, o filme Filhas do Sol (2018) deixa uma marca indelével no público, independentemente se o espectador gosta ou não do tratamento que a jovem cineasta francesa Eva Husson dá a um delicado e importante tema. Exibido no Festival de Cannes do ano passado, o segundo longa da diretora carrega essa força já na sua inspiração real. Um grupo de mesmo nome formado por mulheres curdas que foram atacadas em sua vila, sequestradas, torturadas, vendidas como escravas sexuais e conseguiram escapar para formar uma resistência contra o ISIS (mais conhecido como Estado Islâmico) que ataca a sua comunidade étnica-religiosa desde 2014.
Para tanto, Husson decide incluir um ponto de vista estrangeiro a fazer as vezes do próprio espectador no seu roteiro ficcional de fundo factual, escrito junto com Jacques Akchoti. Assim, a anfitriã do público para este contexto é a jornalista de guerra francesa Mathilde H. (Emmanuelle Bercot, de Meu Rei, de 2015), livremente inspirada na imagem de repórter norte-americana Marie Colvin, falecida em 2012 na Síria e que foi retratada recentemente na pele da atriz Rosamund Pike em A Private War (2018). A personagem também serve ao discurso positivo e um pouco inocente da imagem e a palavra como armas poderosas da imprensa.
A protagonista, porém, é Bahar, a comandante do batalhão “Filhas do Sol” interpretada pela sempre competente Golshifteh Farahani, de Paterson (2016) e Dois Amigos (2015). A narrativa intercala passado e presente em três linhas do tempo. Com a câmera na mão para acentuar a tensão de um filme que navega entre o drama e o thriller de guerra, Husson acompanha o campo de batalha para ir aos poucos revelando tanto o ataque à comunidade da antes advogada casada e o sequestro de mulheres e crianças, quando o seu filho foi levado com outros garotos para uma das escolas jihadistas do ISIS, quanto o seu desesperador plano de fuga ao lado de uma grávida.
Contudo, a grande falha do longa é intuir um conhecimento prévio do público sobre uma problemática muito específica do Oriente Médio, se esquivando de todo o contexto histórico, étnico, religioso e cultural que envolve a questão dos curdos. E mesmo que parte da plateia conheça a luta secular desse povo por autonomia nos países em que vivem, especialmente na Turquia, mas também no Iraque, Síria e Irã, nada é dito de que o grupo de resistências das Filhas do Sol é Yazidi, uma comunidade dentro desta etnia que possui diferenças religiosas que a torna um alvo mais comum de fundamentalistas islâmicos.
Sobre o lado inimigo deste conflito, o que de melhor a cineasta explora é o medo deles de ser morto por uma mulher, o que na crença deles os impediria de ir ao céu, em uma inversão do terror sobre o gênero feminino. Na realidade, se falta a construção da contextualização étnica, religiosa e cultural local, sobra ao filme uma mensagem universal de sororidade, desde a união das mulheres no canto celebratório às armas de batalha. Algo bem resumido na bela dedicatória final da obra “às mulheres guerreiras, às testemunhas, às esquecidas pela história e às que fazem história”.
Filhas do Sol (Les Filles du Soleil, 2018)
Duração: 115 min | Classificação: 16 anos
Direção: Eva Husson
Roteiro: Eva Husson e Jacques Akchoti
Elenco: Golshifteh Farahani, Emmanuelle Bercot, Zübeyde Bulut, Sinama Alievi, Mari Semidovi, Roza Mirzoiani, Zinaida Gasoiani, Maia Shamoevi, Nia Mirianashvili, Evin Ahmad, Zirek, Erol Afsin, Nuka Asatiani e Behi Djanati Atai (veja + no IMDb)
Distribuição: Califórnia Filmes