VAI QUE COLA 2 – O COMEÇO | Dez de harmonia, nem tanto de enredo
Atualizado: 27 de fev. de 2021
A sequência dos créditos de abertura de Vai que Cola 2 – O Começo (2019) é capaz de transportar qualquer um para aquela vivência periférica que é o objeto de interesse do filme de César Rodrigues e do programa humorístico do Multishow do qual é derivado, com o simples ato de acompanhar os meninos correndo à caça de uma pipa que está caindo. O brinquedo que faz parte do horizonte suburbano brasileiro, especialmente em tempo de férias, traz ainda outro significado ao segundo longa originado da sitcom de sucesso Vai que Cola (2013-), já que a história se passa mais no famoso Morro do Cerol do que no “asfalto” do Méier, onde se localiza a pensão da Dona Jô (Catarina Abdalla) que serve de cenário principal para a série. Mas se o primeiro Vai que Cola – O Filme (2015) apostava na comédia de contrastes com o grupo indo para o Leblon e Os Farofeiros (2018) – para ficar em outro exemplo próximo e bem-sucedido – fazia graça de situações cotidianas para retratar os suburbanos cariocas, a nova aventura desta turma vai às suas origens para fazer um humor absurdo, com direito a elementos fantasmagóricos.
Sem Paulo Gustavo, que atualmente só faz participações no programa, a saída para o roteiro de Renato Fagundes, João Paulo Horta e Leandro Soares foi mostrar a chegada de alguns personagens ao Méier, como o baiano Máicol (Emiliano d'Avila), e o início da dinâmica entre eles e os moradores do bairro, em sua vida pregressa. E é justamente este elenco bem entrosado e a incorporação que Cacau Protásio, Marcus Majella e Samantha Schmütz tem de seus já conhecidos personagens que faz o público não lembrar tanto da ausência de Valdo. É interessante ver a primeira como uma Terezinha esperando a volta da prisão do marido, o famoso e nunca visto bicheiro e presidente da escola de samba Tiziu, que parece surge em carne e osso na interpretação de Fábio Lago, bem como o segundo no sonho de popstar de Ferdinando ao vir ao Rio de Janeiro e a última fazendo a filha da Dona Jô ainda nos tempos de estudante, embora só fingisse que se preparava para o ENEM, apenas para sair com o então único namorado Lacraia (Silvio Guindane).
Mas, olhando apenas para os filmes, a Velna de Fiorella Mattheis continua como uma personagem pouco desenvolvida, ainda mais para um longa que se propõe a destrinchar o passado dessas figuras. É revelado o porquê ela se aproximou do pessoal da pensão como uma capanga do bandido Afânio (Érico Brás), mas não quem ela era de fato, já que usa outro disfarce antes da Tcheca. Aliás, há muitos elementos de piada interna que são mais claros aos espectadores que acompanham a sitcom, mas, por se tratar de um prequel, a narrativa é compreensível à plateia em geral, mesmo que se use uma trama policial capenga só como motivação para juntar a turma, tendo menos efeito que a feijoada na quadra da escola de samba como elemento de união de Dona Jô & Cia.
Isso também quer dizer que o humor histriônico da série está presente, com os exageros que não devem agradar a todos, mas que são aquilo que o público do humorístico espera. No entanto, os momentos que mais se conectam com a plateia, incluindo os novatos no universo Vai que Cola, são aqueles que ultrapassam esses limites, trazendo referências pop genuinamente brasileiras, como ao filme Lua de Cristal (1990), à novela Avenida Brasil (2012) e a memes da internet. E se não há neste a intensa quebra da quarta parede do primeiro longa, que Paulo Gustavo fazia constantemente, o segundo usa a metalinguagem de modo muito perspicaz com as introduções repentinas de Sanderson (Marcelo Medici) na trama.
Rodrigues, que é também diretor do programa e de Vai que Cola – O Filme, já tinha demonstrado na primeira aventura fora da TV, uma excelente transição da linguagem televisiva, ainda mais se tratando de um formato rígido e de multicâmera como é uma sitcom, para a cinematográfica, que pede algo totalmente diferente. Existe aqui, ainda uma ciência maior disto e uma dinâmica mais ágil na sua direção, além de um esmero na fotografia de André Horta. Como no anterior, parece que César encorpa um feijão ralo do texto, mas se não consegue transformá-lo em uma excelente feijoada, faz de Vai que Cola 2 uma refeição mais interessante para o público.
Vai que Cola 2 – O Começo (2019)
Duração: 88 min | Classificação: 12 anos
Direção: César Rodrigues
Roteiro: Renato Fagundes, João Paulo Horta e Leandro Soares, com argumento de Luiz Noronha, Renato Fagundes e João Paulo Horta
Elenco: Cacau Protásio, Marcus Majella, Samantha Schmütz, Emiliano d'Avila, Catarina Abdalla, Fiorella Mattheis, Silvio Guindane, Fábio Lago, Érico Brás, Alice Morena, Paulinho Serra, Marcelo Medici, Mary Sheyla e Sergio Mallandro (veja + no IMDb)
Distribuição: H2O Films