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Foto do escritorNayara Reynaud

IT: CAPÍTULO DOIS | O terror no divã

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Bill Skarsgård e Ryan Kiera Armstrong em cena do filme de terror IT: Capítulo Dois (2019) | Foto: Divulgação

Um sentimento tão poderoso, corrosivo e paralisante, que não é nem chamado pelo seu nome. Não é a toa que Stephen King o nomeia como It, ou em bom português, a Coisa. No terror psicológico do escritor, a entidade é a personificação do Medo, assumindo a forma daquilo que seus personagens mais temem e, por tabela, dos receios do próprio autor e do público.

E se os fãs podem ficar temerosos sobre o destino das páginas do livro It: A Coisa (1986) nas telonas, as duas adaptações da enorme obra de King – que faz uma participação especial bem divertida nesta segunda parte – mantém esta essência mesmo trocando décadas e detalhes, entre muitos acertos e deslizes dos filmes capitaneados por Andy Muschietti, diretor argentino de Mamá, o excelente curta de 2008, e Mama, o longa hollywoodiano de 2013. Assim, o primeiro IT – A Coisa (2017) se estabeleceu como uma alegoria, ao mesmo tempo, terna e terrível da adolescência e todos os medos advindos desta fase de transformação. No novo IT: Capítulo Dois (2019), 27 anos se passaram, mas os traumas daquele período ainda afligem os protagonistas na vida adulta, mesmo que estejam dormentes em suas memórias.

Contudo, é com a memória de um caso real, acontecido no mesmo estado do Maine onde se localiza a Derry da trama, que a produção começa: um ataque homofóbico faz ressurgir o adormecido Pennywise (Bill Skarsgård) e o maléfico palhaço, que é a forma principal da Coisa, liquida sua primeira vítima – em uma ponta do ator e cineasta canadense Xavier Dolan. É o sinal de alerta que Mike (agora vivido por Isaiah Mustafa e antes por Chosen Jacobs) estava esperando desde que foi o único do Clube dos Otários a permanecer na cidade marcada por tragédias e uma alta mortalidade e desaparecimento de crianças. Assumindo o posto que lhe é devido no romance, como o especialista na história macabra do lugar, mas sem ganhar desenvolvimento além disso, ele liga para seus amigos para lembra-los da promessa feita pelo grupo de que voltariam para lá afim de combater o mal que conheceram quando pré-adolescentes.

Os telefonemas servem de apresentação dos antigos integrantes da turma na vida adulta, sendo a menor dessas descrições a do já casado Stanley Uris (Andy Bean / Wyatt Oleff nos flashbacks), e, para alguns deles, um lembrete de Pennywise e tudo aquilo que haviam esquecido. Para Ben (Jay Ryan / Jeremy Ray Taylor), que emagreceu – um clichê desnecessário, mas até bem contornado mais a frente – e se tornou um bem-sucedido arquiteto, é também a recordação de seu amor platônico. Para Bill (James McAvoy / Jaeden Martell, que antes assinava por Lieberher), hoje um escritor de sucesso, apesar de seus finais – em uma piada recorrente com a própria fama das obras do Stephen King –, é a ferida aberta da morte do irmão Georgie (Jackson Robert Scott).

As marcas desse passado são mais evidentes em Beverly (Jessica Chastain / Sophia Lillis) e Eddie (James Ransone / Jack Dylan Grazer), que continuam como os personagens mais interessantes do grupo. Em suas versões adultas, constrói-se a ideia freudiana do Complexo de Édipo, de que as pessoas procuram em seus parceiros as semelhanças físicas ou de personalidade de seus pais: no caso dela, do pai abusivo ao entrar em um relacionamento com a mesma dinâmica; e no dele, da mãe opressora que, provavelmente, tinha Síndrome de Münchhausen por procuração, ao encontrar uma esposa com o mesmo nível absurdo de preocupação. Enquanto isso, Richie (Bill Hader / Finn Wolfhard) parece só ter se profissionalizado naquilo que já fazia antes ao se tornar um comediante de stand-up, mas ao longo da trama, revela-se que aquele humor bem escatológico do menino no primeiro filme, era um escudo para esconder a sua sexualidade.

Desde o anterior, Muschietti tem um senso estético apurado para traduzir em alegorias visuais essas questões que perpassam pela trajetória dos personagens. Solidão, culpa, bullying, abusos e outras violências, ganham seus signos, mas o roteiro agora solo de Gary Dauberman, que recentemente estreou como diretor em Annabelle 3: De Volta Para Casa (2019), permanece com diálogos expositivos desnecessários, a exemplo do primeiro, em que a fala de Richie sobre vagina veio sublinhar a metáfora óbvia da menstruação na famosa cena do banheiro. No entanto, o maior desafio da narrativa é mantê-la interessante com a troca geracional, depois de toda a empatia criada pelo elenco juvenil e a nostalgia dos anos 80 de IT – A Coisa, especialmente no elo de amizade do grupo bem ao estilo dos clássicos da época, como Os Goonies (1985) e Conta Comigo (1986) – adaptação de um livro do mesmo autor.

Sabendo disso, a produção faz questão de trazê-los de volta em novos flashbacks esclarecedores e em repetições didáticas e dispensáveis de cenas do antecessor. Nesse costurar entre passado e presente de tantos personagens, IT: Capítulo Dois pesa por sua duração de, praticamente, duas horas e cinquenta minutos. Não que se identifique uma “barriga” propriamente dita na história, mas a extensão de algumas sequências ou o simples acúmulo delas em uma quase antologia de sustos da Coisa prolonga a obra mais do que o necessário.

Há também a perda de sutilezas do capítulo precursor, como a televisão que externava o chamado aos jovens para “flutuar” e era um dos elementos que dava um poder mais aterrorizante à Pennywise, algo que é esvaziado nesta nova trama, apesar da atuação visceral de Bill Skarsgård. A mitologia capenga deste ser kingniano pode ser um fator de distração, bem como a perda da inocência de suas antigas vítimas ao se tornarem adultas. Não por menos, as cenas mais assustadoras acontecem de fato com as crianças, sendo a “melhor” delas aquela da menina (Ryan Kiera Armstrong) que se identifica com o palhaço.

De qualquer forma, IT não é sobre sustos e sim sobre as razões por trás deles, além do carinho que o filme continua tendo e suscitando no público em relação aos seus personagens na sua defesa da amizade. São aqueles traumas de infância e adolescência escondidos no subconsciente, que alimentam o medo e, consequentemente, a Coisa e a narrativa do longa. Por isso, é impossível o espectador sair da sessão sem pensar naqueles fragmentos de memórias infantis e juvenis, que não são claros, mas que ainda intrigam pelo mal que podem ter causado e você nem consegue mensurar.

 

It: Capítulo Dois (It: Chapter Two, 2019)

Duração: 169 min | Classificação: 16 anos

Direção: Andy Muschietti

Roteiro: Gary Dauberman, baseado no livro “It: A Coisa” de Stephen King

Elenco: Jessica Chastain, James McAvoy, Bill Hader, Isaiah Mustafa, Jay Ryan, James Ransone, Andy Bean, Bill Skarsgård, Sophia Lillis, Jaeden Lieberher (Jaeden Martell), Finn Wolfhard, Chosen Jacobs, Jeremy Ray Taylor, Jack Dylan Grazer, Wyatt Oleff, Teach Grant, Nicholas Hamilton, Luke Roessler, Ryan Kiera Armstrong, Jackson Robert Scott, Xavier Dolan, Taylor Frey, Stephen King e Peter Bogdanovich (veja + no IMDb)

Distribuição: Warner Bros. Pictures

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