ANNA – O PERIGO TEM NOME | "La femme" requentada e atualizada
Atualizado: 27 de fev. de 2021
A disputa entre agências de espionagem na Guerra Fria já rendeu diversos filmes e, talvez por novos tempos de polarização no mundo, gerou ainda mais títulos nos últimos anos. Histórias do gênero protagonizadas por mulheres como Atômica (2017) e Operação Red Sparrow (2018) devem estar na memória recente do público geral, o que pode fazer com que o thriller Anna – O Perigo Tem Nome (2019) chegue agora aos cinemas com jeito de lançamento requentado. Mas a bem da verdade, o cineasta francês Luc Besson, conhecido por seu estilo estilizado de ação em obras muitas vezes centradas em figuras femininas, está reaproveitando o seu próprio trabalho e, de certa forma, atualizando a primeira de suas femme fatalle, a de Nikita – Criada para Matar (1990).
O diretor e roteirista não se furta em ambientar sua trama exatamente no mesmo ano em que rodou o seu sucesso, mas volta-se com um olhar histórico para aquele 1990. Depois de um prólogo no segundo acirramento das tensões entre Estados Unidos e União Soviética em meados da década de 1980, o arco principal da história ocorre durante os últimos respiros da Guerra Fria, próximo ao fim da URSS, embora a narrativa vá e volte no tempo, em um ziguezague deliberadamente cômico.
Assim, o público é apresentado primeiro à Anna (a top model Sasha Luss, estreando bem dentro de tudo que o papel exige) já dentro da sua persona de uma vendedora de matrioskas que é descoberta em Moscou e se torna uma modelo em Paris. Depois de conhecer a fachada preparada para certa missão a qual não se tem ideia, o roteiro regressa, ainda que de maneira superficial, aos caminhos que levaram a garota russa, filha de militar que se tornou viciada, ao quadro de agentes da KGB, sob o olhar de Olga (Helen Mirren, se divertindo no papel). E da mesma maneira, Besson brinca com a verdade das ações e intenções dela e de outros personagens neste vaivém.
Ela se envolve em um triângulo amoroso – quarteto, se contar sua relação mal desenvolvida com a modelo francesa Maud (Lera Abova) –, com o espião soviético Alex Tchenkov (Luke Evans) e o norte-americano da CIA Lenny Miller (Cillian Murphy). Porém, diferente de Nikita, há um interesse menor de Anna nas questões amorosas, já que a protagonista tem um objetivo maior e unicamente pessoal. A ideia é de que a sua jornada seja representativa no quesito de libertação feminina, a partir do momento que esta mulher, cansada de ser mais uma sempre acessível, maleável e descartável, a serviço da moda ou da espionagem, não suporta mais nem a dominação dos fotógrafos nem das agências.
Isso torna ainda mais complexo o olhar para a obra do cineasta, que sempre exaltou fortes personagens femininas ao longo de sua carreira, com O Profissional (1994), O Quinto Elemento (1997), Joana D'Arc (1999) e Lucy (2014), e ressignifica seu discurso para o século XXI neste filme, mas foi alvo de várias acusações de abuso e assédio sexual por algumas mulheres no ano passado. Vida pessoal à parte, Besson entrega um filme mais assertivo no tratamento deste protagonismo feminino do que o semelhante longa de Francis Lawrence, Operação Red Sparrow, além de ser bem mais divertido. E se não traz o frescor de Atômica com as suas reviravoltas previsíveis ao assumir sem pudor a sua faceta de um thriller noventista, esta clareza mesmo sobre esse intricado jogo de gato e rato na espionagem favorece o entretenimento para o público que gosta do gênero ou do estilo do diretor.
Anna – O Perigo Tem Nome (Anna, 2019)
Duração: 119 min | Classificação: 16 anos
Direção: Luc Besson
Roteiro: Luc Besson
Elenco: Sasha Luss, Helen Mirren, Luke Evans, Cillian Murphy, Lera Abova, Alexander Petrov, Nikita Pavlenko, Anna Krippa, Aleksey Maslodudov e Eric Godon (veja + no IMDb)
Distribuição: Paris Filmes