FOSSE/VERDON | Mantendo a contagem
Atualizado: 27 de fev. de 2021
Uma característica que deveria ser básica em qualquer produção biográfica é a compreensão e adaptação da sua linguagem conforme a(s) pessoa(s) biografada(s) ou o tema retratado. Mas a partir do momento em que isso é pouco aplicado na prática, qualquer título que realmente adote esta postura faz dela uma qualidade louvável. Isso é o que acontece com Fosse/Verdon (2019), que finalmente chega ao Brasil, estreando no FOX Premium 1 nesta sexta (30), depois de receber 17 indicações ao Emmy, incluindo a de Melhor Minissérie e tantas outras de atuação e em categorias técnicas – confira a lista completa aqui.
Para apresentar a complexa relação entre o diretor e coreógrafo Bob Fosse e a atriz e dançarina Gwen Verdon, interpretados respectivamente por Sam Rockwell e Michelle Williams, ambos indicados à premiação do mundo televisivo e do streaming, era essencial que a obra fosse tão musical quanto esses dois ícones da Broadway e de Hollywood. Não por menos, a atração produzida pelo canal FX na esteira de Feud (2017), minissérie de Ryan Murphy cujo foco era a histórica rivalidade entre as estrelas Bette Davis e Joan Crawford, tem em sua equipe nomes importantes do teatro musical para trazer a mesma linguagem e estilo à telinha: o diretor Thomas Keil e o produtor e ator Lin-Manuel Miranda vêm do reverenciado Hamilton (2015-), enquanto o roteirista Steven Levenson foi responsável por Dear Evan Hansen (2015-). Isso significa manter o ritmo em uma narrativa que passeia por 50 anos da parceria artística e pessoal da dupla/casal, ao mesmo tempo, conflituosa e frutífera, tornando a produção suficientemente esclarecedora para a parcela do público que desconhece o trabalho de Fosse e/ou Verdon, e um deleite para aqueles espectadores adictos sobre o mundo dos musicais.
Apesar de manter certa ordem cronológica no arco principal da minissérie, o roteiro de Levenson – que concorre ao Emmy pelo script do capítulo final, Providence – intercala os tempos, encaminhando-se por flashforwards e muitos flashbacks dependendo da temática de cada episódio. Essa brincadeira (não-)cronológica ocorre também no uso inteligente das cartelas, que não são apenas informativas, mas igualmente criam expectativa com suas contagens regressivas. A direção de Keil e toda a equipe – ele disputa na categoria pelo segundo Who’s Got The Pain e Jessica Yu pelo divisivo Glória – evoca o próprio estilo de Fosse, conforme as produções que ele dirigia no cinema, como o autobiográfico All That Jazz – O Show Deve Continuar (1979), Cabaret (1972), Charity, Meu Amor (1969) e até o diferenciado Lenny (1974), e no teatro, a exemplo da montagem original de Chicago (1975) e de seu début em Damn Yankees (1955). Junto à montagem de Tim Streeto – indicado pelo excelente episódio de estreia A Vida É um Cabaré, que também rendeu nomeações em categorias musicais e pelo figurino –, a trinca confere uma cadência coreografada à obra, geralmente com um ritmo frenético e alguns momentos para um bailar mais lento, pecando por certo exagero, uma ou outra hora, mas que definitivamente a distingue e promove a imersão naquele mundo.
No entanto, nada disso funcionaria se a biografia do casal que se separou, mas nunca se divorciou e sempre se reconectou artisticamente como uma sintonia imbatível, não rendesse tantos desdobramentos. Há o amor, mas também as constantes traições de Fosse. Há um entendimento e cumplicidade únicos nos palcos, sets e ilhas de edição, onde o trabalho de Verdon não foi devidamente creditado, e igualmente uma competição de egos. Ela era a estrela da Broadway no início da relação, sendo agraciada com quatro Tonys, para depois, ele se tornar o badalado gênio capaz de conquistar o feito único de receber prêmios no Oscar, Emmy e Tony no mesmo ano, tendo Nicole (Blake Baumgartner / Juliet Brett) no meio desta disputa, como a filha introduzida precocemente e com descaso neste mundo adulto, como se os pais reproduzissem a criação que receberam, deixando marcas nunca cicatrizadas.
A trajetória do superstar viciado pela sua própria fama além de sexo e drogas, especialmente em medicamentos controlados no caso dele, já é bem conhecida e cabe ao ótimo Rockwell evitar que Bob se torne um protagonista detestável, apesar de suas atitudes. Se a equipe criativa busca esta humanização, também não santifica Gwen, em sua insistência também egoísta em algumas ocasiões para realizar seu sonho e voltar aos holofotes, mas é inevitável que a personagem gere mais interesse ao espectador com a sua balança contrastante de emoções tão bem conduzida na interpretação de Williams. O trabalho de composição feito pela atriz para o papel é evidente na mudança de voz, apropriação do gestual e no preparo para reproduzir o talento de Verdon na dança e no canto, tanto na vitalidade da juventude quanto nos movimentos mais restritos em sua velhice. Contudo, é a jornada dramática dessa mulher que continua atuando na vida para esconder seus sentimentos ou que os escancara de maneira veemente que consagra ainda mais a atuação impecável de Michelle.
Vale um último destaque à Margaret Qualley, também indicada como Coadjuvante na pele da artista e namorada de Fosse, Ann Reinking, mesmo que lhe seja dado poucos momentos para aprofundar a personagem. É um dos descompassos de Fosse/Verdon, mas, tal qual seus biografados, a minissérie mostra um empenho e talento tão grande em seu trabalho, que faz o público ignorar seus deslizes.
Fosse/Verdon (Fosse/Verdon, 2019)
Minissérie | 1 temporada: 8 episódios, a partir de 30 de agosto
Canal: FOX Premium 1 | Exibição: sextas, às 22h30
Horário alternativo: sábados, na faixa das 20h (veja os horários exatos no site)
Criação: Thomas Kail e Steven Levenson | Roteiro: Steven Levenson, Sam Wasson, Joel Fields, Debora Cahn, Ike Holter, Charlotte Stoudt e Tracey Scott Wilson
Direção: Thomas Kail, Adam Bernstein, Minkie Spiro e Jessica Yu
Elenco: Sam Rockwell, Michelle Williams, Blake Baumgartner, Juliet Brett, Chandler Head, Margaret Qualley, Jake Lacy, Norbert Leo Butz, Aya Cash, Paloma Garcia Lee, Ari Brand, Peter Chursin Jr., Justin Gazzillo, Heather Lang, Nate Corddry, Rick Holmes, Kelli Barrett, Bianca Marroquin e Adrienne Lovette (veja + no IMDb)
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