SOCORRO! VIREI UMA GAROTA | What it (doesn't) feels like for a girl
Atualizado: 8 de abr. de 2021
A troca de corpos e suas variações, como as viagens temporais, são um recurso recorrente no cinema justamente pela proposta de confronto de diferenças que rende muito comicamente tanto quanto por um viés reflexivo. Quase um subgênero por si só, esta ferramenta narrativa já rendeu clássicos dentro das comédias adolescentes, a exemplo de Se Eu Fosse a Minha Mãe (1976) e Sexta-Feira Muito Louca (2003), e sucessos no cinema nacional como a franquia Se Eu Fosse Você.
É bem nestes dois campos de ação que se situa o novo filme brasileiro Socorro! Virei uma Garota (2019), que repete a inversão de gênero vista nos dois longas de Daniel Filho, só que ocorrendo em uma única pessoa. No caso, o jovem deslocado Júlio (Victor Lamoglia), um prodígio da matemática que, desejando ser mais popular no colégio e assim ganhar a atenção da sua amada Melina (Manu Gavassi), é transformado pela magia de um cometa e do cinema em Júlia (Thati Lopes), sua versão feminina, blogueira e bem famosa na escola. A troca, entretanto, não é efetuada com sucesso em uma narrativa que não encontra um equilíbrio entre esses opostos.
A produção já vem sendo pensada há oito anos por Paulo Cursino, roteirista de campeões de bilheteria da comédia nacional, como a trilogia De Pernas Pro Ar e o recente Os Farofeiros (2018), e por Leandro Neri, diretor que estreia na telona depois de quase três décadas trabalhando em novelas, séries e programas da Globo. Neste ínterim, porém, adquiriu-se certo anacronismo ambivalente no projeto que parece, de fato, tocado por adolescentes tais quais os da história. Só que as ideias originais, arraigadas em um humor besteirol típico das décadas de 1990 e 2000, foram de encontro a uma sociedade em transformação e conflito acerca de seu pensamento neste intervalo, exigindo que seu conteúdo se adaptasse aos novos tempos, mas sem que o processo de desconstrução se completasse na trama.
O resultado é uma obra perdida no meio deste percurso. O horror por estar no corpo de uma garota é seguido pelo prazer desta situação, através do conceito errôneo de que basta uma mulher usar sua beleza para abrir seus caminhos, dando a entender que a sua vida é muito mais fácil do que a de um homem. A menstruação e a consequente cólica aparecem como um problema do cotidiano feminino quando tanto o/a protagonista quanto o filme parecem se abrir ao universo do gênero oposto, chegando até a abordar superficialmente a questão da reputação manchada pelo machismo e fofocas, mas o retrato continua restrito aos estereótipos, que não atingem só as mulheres no longa.
Eles se encontram até nos clichês da seleção musical, que chega ao ponto de colocar um hit da Ana Carolina para a personagem lésbica, na trilha sonora intrusiva, cuja inserção desmedida atrapalha o andamento dos diálogos e das piadas pretendidas. Se o filme traz um início bem fraco em termos de texto e técnica, a entrada de Thati Lopes prende a atenção do espectador nesta transição de sua personagem entre o gestual, signos e pensamentos masculinos para este olhar feminino, além de segurar a sua virada emocional no terceiro ato. É neste miolo que se encontra um discurso genuíno das neuras comuns aos adolescentes de qualquer gênero ou época, apesar da visão limitada na estrutura da obra.
Socorro! Virei uma Garota (2019)
Duração: 110 min | Classificação: 12 anos
Direção: Leandro Neri
Roteiro: Paulo Cursino
Elenco: Thati Lopes, Victor Lamoglia, Léo Bahia, Manu Gavassi, Vannessa Gerbelli, Nelson Freitas, Kayky Brito, Lua Blanco, Lipy Adler e Bruno Gissoni (veja + no IMDb)
Distribuição: Downtown Filmes / Paris Filmes