UM AMOR IMPOSSÍVEL | Engano à primeira vista
Atualizado: 3 de nov. de 2021
O melodrama já está estampado no título de Um Amor Impossível (2018), mas o filme de Catherine Corsini é bem mais do que o romance clássico que aparenta e, realmente, se apresenta de início. Indicado a quatro prêmios César neste ano, incluindo o de Melhor Roteiro Adaptado e Música Original, o trabalho da cineasta com sua corroteirista Laurette Polmanss, sua parceira de escrita já em Um Belo Verão (2015), se revela eficiente nesta tarefa ao trazer para as telas o livro Un Amour Impossible (2015), de Christine Angot. O desconhecimento sobre a vida e obra da autora francesa e os temas de que ela trata recorrentemente em seus romances de autoficção bem como um raro trailer que não entrega toda a história, neste caso, se tornam benéficos para o público brasileiro, mantendo os espectadores sob o olhar dos personagens durante o desenrolar da narrativa.
Esta, por sinal, congrega o retrato intimista da protagonista Rachel (Virginie Efira, indicada como Melhor Atriz no “Oscar francês”) com certa escala épica ao percorrer sua trajetória por diversas décadas. Corsini, que tem essa predileção pelo tom melodramático tanto quanto por explorar a sexualidade feminina, começa a contar de maneira clássica o encontro, na pequena cidade de Châteauroux, da datilógrafa da Previdência com o parisiense Philippe (Niels Schneider), que estava ali trabalhando como tradutor em uma base norte-americana. Na trilha sonora, Que Sera, Sera não só ambienta o início da trama no final dos anos 1950 como “joga os dados” sobre a relação da jovem provinciana de 26 anos, idade na qual já estava indo “para a titia” segundo os costumes da época, com o rapaz bem-educado e vindo de uma rica família da capital.
Fica claro que a barreira social será um grande empecilho para o romance tórrido que se desenrola durante o primeiro ato, porém, já há indícios de que o charme deste Príncipe Encantado é ilusório, quando ele não se dispõe a enfrentar estes obstáculos. O longa, então, passa a acompanhar as conflituosas relações da protagonista com seu amado e com a filha deles, Chantal (Ambre Hasaj como bebê, Sasha Alessandri-Torrès Garcia quando criança, Estelle Lescure na sua adolescência e Jehnny Beth na fase adulta, sendo esta última indicada ao César de Revelação Feminina) por anos e anos, com diversas implicações neste ínterim. Mesmo com a caracterização não sendo o suficiente para rejuvenescer Efira no início ou envelhecer Schneider no final, as ótimas atuações da dupla e do resto do elenco são essenciais para a compreensão das dinâmicas entre esses personagens, seja as que estão à primeira vista ou o que se esconde sob o não-dito.
O caráter manipulador de Philippe se revela aos poucos em suas atitudes e falas, como quando diz que não se casará com ela, porque ele não é deste tipo e por conta da condição financeira dela, mas seu charme e inteligência inerente abrem a brecha para se acreditar na sua mudança. Isso explica o fato de Rachel, com sua baixa autoestima, manter por tanto tempo a esperança nesse amor, além da insistência de que Chantal tivesse assegurado seu direito de ter o nome do pai em seu registro. A mãe solteira, que replica a família feminina na qual cresceu, estabelece um relacionamento de grande cumplicidade com a filha, mas este acaba se partindo com a chegada dessa figura paterna antes ausente, durante a adolescência da garota, no que parece ascender a rebeldia típica desta idade.
Tendo Chantal como narradora da história, o trunfo de Um Amor Impossível está em manter o ponto de vista da protagonista, cegando o espectador tanto quanto esta mulher, uma humilde apaixonada e uma mãe resiliente, em um longo caminho até o terceiro ato. Mesmo quando segredos vêm à superfície, as personagens tangenciam estas questões de modo radical e guardam suas mágoas para um acerto de contas final, em uma conversa esclarecedora para as duas, mas onde o texto exagera um pouco no diálogo expositivo que havia sido evitado até então. No entanto, nada que prejudique o efeito narrativo obtido por Corsini em uma obra também muito rica no campo psicológico, explorando o embate entre deveres morais e desejos humanos, sejam nobres ou abjetos, e levando a impossibilidade do título romântico para questionamentos mais complexos sobre o amor maternal e paternal.
Um Amor Impossível (Un Amour Impossible, 2018)
Duração: 135 min | Classificação: 16 anos
Direção: Catherine Corsini
Roteiro: Catherine Corsini e Laurette Polmanss, baseado no livro “Un Amour Impossible” de Catherine Angot
Elenco: Virginie Efira, Niels Schneider, Jehnny Beth, Estelle Lescure, Sasha Alessandri-Torrès Garcia, Ambre Hasaj, Coralie Russier, Iliana Zabeth e Catherine Morlot (veja + no IMDb)
Distribuição: A2 Filmes
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