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Foto do escritorNayara Reynaud

TED BUNDY – A IRRESISTÍVEL FACE DO MAL | Facetas escondidas

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Zac Efron, Macie Carmosino e Lily Collins em cena do filme Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal (2019) | Foto: Divulgação

Dentro da seleção do último Festival de Sundance, Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal (2019) estreou como a parte ficcional do projeto conjunto da Netflix com o realizador Joe Berlinger, composto também da minissérie documental Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy (2019). Lançado também em janeiro, na plataforma de streaming, a docussérie é um bom produto para conhecer a trajetória do famoso assassino em série norte-americano e a capacidade de manipulação e/ou dissimulação de Ted em suas falas. Um dos pontos que fica em branco nessa reconstrução da sua tétrica biografia é a figura dessa namorada com quem Bundy manteve uma relação, ainda que conturbada, durante os seus anos em atividade assassina e prisão, algo que teoricamente fica a cargo deste filme, que estreia primeiro nos cinemas aqui no Brasil.

O roteiro de Michael Werwie, em seu primeiro longa, se baseia no livro The Phantom Prince: My Life with Ted Bundy (1981), de Elizabeth Kendall, pseudônimo utilizado por Elizabeth Kloepfer para descrever sua longa relação com o célebre facínora que parecia um príncipe encantado a salvar a jovem secretária e mãe solteira. A atriz Lily Collins interpreta Liz, indo bem no pouco que lhe é oferecido, enquanto o galã Zac Efron mostra novas facetas como o charmoso e carismático estudante de Direito que se tornou a representação perfeita nos Estados Unidos da frase de que perigo mora ao lado. Com uma carreira de filmes e séries documentais, especialmente criminais ou sobre a banda Metallica – tanto que o vocalista James Hetfield faz uma ponta como policial –, Berlinger volta a dirigir uma ficção quase 20 anos depois de sua primeira e única experiência no fracasso de A Bruxa de Blair 2: O Livro das Sombras (2000), usando um caminho diferente para contar essa história, a partir do ponto de vista dessa mulher.

Em vez da cobertura policial jornalística ou documental, a qual o próprio está acostumado a realizar, que expõe a violência e de alguma forma alimenta essa curiosidade humana mórbida que faz tantos se atraírem por este tipo de material ou por assassinos, o diretor e o roteirista optam por evita-la, vislumbrando apenas alguns flashes ao final da materialização do mal causado pelo homem que matou de forma brutal suas 30 ou mais vítimas, todas mulheres. Ao optar pela perspectiva de Liz, a dupla criativa justifica a visão encantada pelo protagonista que o filme apresenta – não glorificada, como alguns podem apontar –, que mantém a dubiedade sobre o personagem, cujo encanto põe em dúvida a namorada e até algum espectador desavisado sobre a história real, embora Joe pincele alguns momentos de indício da ameaça que ele representa, como na cena com o cachorro. Na ótima interpretação de Efron, fica também o questionamento sobre o quanto, talvez, ele acreditasse no próprio papel de vítima que fazia, como o inocente que sonhava provar sua índole fugindo ao estilo Papillon (1970), ou no desejo de ser um pai de família com sua amada.

Para o público que assiste às duas produções, fica claro como a minissérie é mais esclarecedora quanto aos possíveis elementos do passado de Ted que poderiam ter desencadeado o seu instinto assassino, como sua falta de habilidade em criar amigos na escola, o desejo de fazer algo grandioso para ser notado e um rompimento amoroso anterior; enquanto o longa peca ao não adentrar mais na dita relação conturbada entre eles no dia-a-dia, segundo o documentário, ou até mesmo nos momentos mais amáveis do casal. No entanto, a principal falha do filme é escolher o ponto de vista de Liz e abandoná-la, gradualmente, a partir do segundo ato, não só por causa da entrada de Carole Ann Boone (Kaya Scodelario) na rotina presidiária de Bundy, mas porque a narrativa também se encanta demais com ele. A “narradora” da história ser coadjuvante não é um problema, mas esquecer da sua visão sobre os acontecimentos sim, ainda mais quando lembra-se dela somente ao final para esclarecer uma ação que esta mulher tomou ainda no início da trama, mas que só é revelada depois pela emoção da virada: sente-se o quanto o cineasta e o roteirista preferiram o plot twist do que o desenvolvimento mais rico de uma personagem rica psicologicamente em seus sentimentos e atitudes paradoxais.

E se Berlinger se debruça mais na docussérie sobre o cenário social daqueles anos 1970, em que ainda não existia o termo serial killer para denominar Bundy e outros assassinos em série que foram indícios da mudança da sociedade norte-americana que antes ostentava suas cidades pacatas e caronas tranquilas, ao menos é eficiente no longa em seu retrato do fenômeno midiático que foi o julgamento dele – na realidade, dois que tiveram alguns detalhes sintetizados em um aqui –, o primeiro a ser televisionado nacionalmente no país. Uma obsessão que voltaria às televisões da América com tudo na década de 1990 com outros casos judiciais envolvendo celebridades ou crimes que se tornaram célebres. Isso porque, se é mais evidente a fascinação das mulheres pelo belo réu, com algumas desacreditando que ele pudesse ter feito aquelas atrocidades e outras cientes disso, mas mesmo assim atraídas pelo perigo que aquele homem representava, o interesse humano por sua faceta mais maléfica, como expurgação dos próprios pecados, gera audiência.

Com este terceiro ato transformado em um filme de tribunal, Ted Bundy traz como trunfo a excelente troca entre Efron e John Malkovich, na pele do Juiz Edward D. Cowart. Em seu parecer, o magistrado chega a falar do talento desperdiçado pelo rapaz, mas a fala real acaba sendo um recado para a própria obra e seu desperdício de potencial.

 

Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal (Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile, 2019)

Duração: 110 min | Classificação: 16 anos

Direção: Joe Berlinger

Roteiro: Michael Werwie, baseado no livro “The Phantom Prince: My Life with Ted Bundy” de Elizabeth Kendall

Elenco: Lily Collins, Zac Efron, Kaya Scodelario, John Malkovich, Jim Parsons, Haley Joel Osment, Angela Sarafyan, Jeffrey Donovan, Grace Victoria Cox, Macie Carmosino, Ava Inman, Morgan Pyle e James Hetfield (veja + no IMDb)

Distribuição: Paris Filmes

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