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Foto do escritorNayara Reynaud

FORA DE SÉRIE | A aula final

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Beanie Feldstein e Kaitlyn Dever em cena do filme Fora de Série (2019), de Olivia Wilde | Foto: Divulgação (Imagem Filmes)

São tão comuns as reclamações sobre os títulos nacionais dados para os filmes quando chegam aqui, que é necessário louvar acertos como o de Fora de Série (2019). Se o termo foi um achado para traduzir a excelência das inteligentes protagonistas, que é exaltada no nome original Booksmart, também carrega a singularidade do primeiro longa-metragem de Olivia Wilde na direção, cujo primeiro indício daquilo que foge ao padrão imaginado, vem justamente para as personagens principais. As amigas Molly (Beanie Feldstein) e Amy (Kaitlyn Dever) se esforçaram tanto para tirarem as melhores notas que não poderiam imaginar que seus colegas tão despreocupados e festeiros poderiam entrar também em prestigiadas universidades norte-americanas ou nas maiores empresas do país, tanto quanto elas que carregaram o estigma das “CDF’s” da sala por quatro anos de high school – bate aqui se essa premissa também lhe trouxe memórias pessoais.

Ao descobrir isso na véspera da formatura, Molly quer provar que elas também podem ser divertidas e decide que as duas precisam aproveitar em uma noite o tempo perdido durante todo o ensino médio, indo na festa organizada por Nick (Mason Gooding), o vice pra lá de popular da garota que é presidente da turma e deseja ser a mais jovem juíza a entrar na Suprema Corte dos Estados Unidos. Ela convence sua amiga a ir, alegando que esta é a última oportunidade de Amy falar com Ryan (Victoria Ruesga), a skatista com quem tanto sonha, antes de embarcar em uma viagem de voluntariado em Botswana, na África. No entanto, até encontrar onde está acontecendo o grande evento, a dupla faz outras paradas no caminho, cruzando indubitavelmente com a onipresente Gigi, personagem de Billie Lourd que se destaca a ponto de terem sido escritas cenas extras para ela.

Se a sinopse e o fato de Beanie ser irmã caçula do Jonah Hill logo levantam comparações preguiçosas com Superbad (2007), as próprias referências admitidas por Wilde, como os clássicos de John Hughes, Clube dos Cinco (1985), e de Amy Heckerling, Picardias Estudantis (1982) e As Patricinhas de Beverly Hills (1995), são a prova de que as comédias e dramas adolescentes não nasceram na década passada. Assim como os exemplos recentes de Quase 18 (2016) e Lady Bird – A Hora de Voar (2017) – do qual a própria Feldstein participou – demonstram a retomada do gênero sendo encabeçada por mulheres cineastas, do qual esta obra guarda mais semelhanças nas preocupações contemporâneas por um olhar mais diverso para a juventude. Por isso, se o longa de Greg Mottola era um “besteirol” assumido que se revelava algo a mais no final, Fora de Série procura ser algo diferente disso desde o princípio, mesmo quando o texto adentra o terreno sexual com a liberdade e curiosidade típicas deste período.

Emily Halpern e Sarah Haskins, que gestaram esta história há exatamente 10 anos e, neste ínterim, criaram a série Trophy Wife (2013-14) e escreveram episódios para Good Girls (2018-) e outras atrações, tiveram a colaboração posterior de Susanna Fogel, de Meu Ex é um Espião (2018), e Katie Silberman, das comédias românticas da Netflix, O Plano Imperfeito (2018) e Megarromântico (2019). O resultado do roteiro a quatro mãos, que poderia ser desastroso, é surpreendente na medida em que inverte as expectativas dos personagens e do público, seja com alguns clichês do gênero cinematográfico ou em relação a estereótipos de gênero. Isso já começa na maneira como a narrativa evita abordar aquele típico bullying terrível, mas sim a nocividade silenciosa de rótulos a serem quebrados.

A equipe criativa simplifica a apresentação dessas protagonistas femininas e feministas pelas referências à juíza Ruth Bader Ginsburg e à ex-primeira-dama Michelle Obama no quarto de Molly e o uso particular delas do nome da ativista Malala, porém, não deixa de diferenciá-las em suas personalidades opostas e complementares. Se Feldstein é o destaque cômico ao encarnar a parte decidida da dupla, não deixa de mostrar também as fragilidades da personagem, enquanto Kaitlyn Dever, que já mostrou seu talento em Temporário 12 / Short Term 12 (2013) e outros trabalhos, confere as nuances mais dramáticas na jornada de descoberta da sua tímida Amy neste coming of age. Juntas, a química das duas intérpretes é imbatível em um retrato genuíno dessa amizade, desde a forma como cada uma incentiva e anima a outra ao momento de desgaste dessa relação.

Aliás, a experiência da atriz Olivia Wilde conta muito para dar naturalidade ao elenco jovem na sua grande estreia na direção de longas, após já mostrar seu fetiche por skates no videoclipes de Dark Necessities, do Red Hot Chili Peppers, e também realizar o clipe de No Love Like Yours, da banda Edward Sharpe and the Magnetic Zeros, no mesmo ano de 2016, e o curta Free Hugs (2011). Os adultos famosos até fazem suas participações: o marido dela Jason Sudeikis é o diretor escolar, Jessica Williams faz a professora adorada, Lisa Kudrow e Will Forte são os pais compreensivos de Amy e até Maya Rudolph empresta a sua “voz motivacional”. No entanto, quem comanda a festa são os adolescentes interpretados por talentos desconhecidos ou em ascensão, desde Eduardo Franco, Nico Hiraga, Austin Crute e Noah Galvin a Molly Gordon, Diana Silvers – em cartaz também em Ma (2019) – e o já “experiente” Skyler Gisondo, de Férias Frustradas (2015) e Santa Clarita Diet (2017-19), que parecem se sentir em casa com seus papéis e transmitem essa familiaridade para a plateia.

Entre as típicas comédias adolescentes escolares e os maneirismos do indie norte-americano, a diretora infunde uma linguagem cool e um espírito californiano ao filme que estreou no último South by Southwest (SXSW), ao lado da fotografia de Jason McCormick para atingir essa estética; da trilha sonora do Dan the Automator, DJ de hip hop e produtor do Gorillaz que traz as referências oitentistas e noventistas através das suas músicas; e da animação em stop motion de Wendy Fuller, que acaba quebrando um pouco o ritmo da narrativa, não se integrando tão bem quanto a cena do delírio musical. O mais promissor no dèbut de Wilde, porém, está justo no momento em que ela não deixa o estilo se sobrepor ao conteúdo, e sim potencializa-lo, quando aplica um plano-sequência durante o ponto mais crítico da trama, para pontuar o turbilhão emocional da personagem sem necessariamente ostentar o seu feito visual. A novata sabe valorizar o coração de Fora de Série, que vai além da mensagem de encontrar um equilíbrio entre diversão e responsabilidade, como fica evidenciado em um diálogo, e se concentra na ideia de recuperar o tempo perdido para realmente conhecer as pessoas que nos rodeiam.

 

Fora de Série (Booksmart, 2019)

Duração: 102 min | Classificação: 16 anos

Direção: Olivia Wilde

Roteiro: Emily Halpern & Sarah Haskins, Susanna Fogel e Katie Silberman

Elenco: Kaitlyn Dever, Beanie Feldstein, Jessica Williams, Jason Sudeikis, Lisa Kudrow, Will Forte, Victoria Ruesga, Mason Gooding, Skyler Gisondo, Diana Silvers, Molly Gordon, Billie Lourd, Eduardo Franco, Nico Hiraga, Austin Crute, Noah Galvin e Michael Patrick O'Brien (veja + no IMDb)

Distribuição: Imagem Filmes

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