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Foto do escritorNayara Reynaud

MEMÓRIAS DA DOR | Uma visão turva da guerra

Atualizado: 26 de fev. de 2021


Mélanie Thierry na pele de Marguerite Duras em cena de Memórias da Dor (2017), filme francês baseado em sua obra semibiográfica A Dor (1985) | Foto: Divulgação (Imovision)

Como dimensionar a dor em palavras ou em imagens? Para a escritora e roteirista francesa Marguerite Duras foram necessárias cerca de quatro décadas para remontar às suas sentidas memórias da II Guerra Mundial, quando o seu então marido Robert Antelme, também autor e membro da Resistência à ocupação nazista à França, se tornou um preso político dos inimigos, sem perder o vigor e urgência no seu relato parcialmente autobiográfico de A Dor (1985). Captar este espírito despedaçado pelo sofrimento presente na obra literária foi um desafio para Emmanuel Finkiel ao realizar a sua adaptação cinematográfica, Memórias da Dor (2017).

Não faltam motivos para o filme se debruçar no típico melodrama de guerra, do qual a própria Duras deu sua contribuição, ao roteirizar o clássico Hiroshima, Meu Amor (1959), de Alain Resnais. A narrativa se debruça, no entanto, em um momento adiantado do drama de Marguerite (Mélanie Thierry), no qual Antelme (Emmanuel Bourdieu) já se encontra preso e, na ânsia por notícias de seu esposo, ela inicia uma ambígua relação com o agente francês da Gestapo, a polícia secreta nazista, Pierre Rabier (Benoît Magimel). Enquanto se expõe para o inimigo que admira a sua escrita, em troca, ela tenta obter informações e auxílios ao seu marido, mas o tempo vai passando e com ele a agonia da protagonista quando a guerra traz suas reviravoltas e a falta de conhecimento sobre o paradeiro de seu companheiro.

Finkiel, que já foi assistente de direção de Jean-Luc Godard e de Krzysztof Kieslowski na Trilogia das Cores, tendo encabeçado trabalhos como Viagens (1999), faz uma opção estética e narrativa ousada para captar essa aflição tal qual a subjetividade da memória. É nela que, justamente, reside a força do longa-metragem escolhido para representar a França no último Oscar, bem como a sua fraqueza. Adotando não somente o texto introspectivo de Duras na narração, mas também o seu ponto de vista, o diretor utiliza desde o desfoque – neste caso, junto com Alexis Kavyrchine na fotografia – quando a visão dela se torna turva ou ela está confusa sobre o que está acontecendo, a exemplo dos momentos em que acredita que seu marido já morreu, à construção onírica que faz o espectador se atentar para decifrar o que é realidade, delírio febril, projeções, lembranças ou um distanciamento do olhar de Marguerite sobre suas próprias ações.

A escolha estética por si só, levanta diversos reflexões pertinentes sobre esse quase luto trazido pela falta de certeza sobre o destino de alguém amado e os sentimentos aflorados pela guerra, que transformam as pessoas simultaneamente em vítimas e algozes, de modo que nunca mais serão as mesmas. Dentro dessa abordagem temática, existe ainda o questionamento acerca da forma como o novo governo nacional de Charles de Gaulle não falava abertamente sobre o que acontecia com os judeus ou da colaboração francesa durante a ocupação nazista do próprio território. Contudo, essa fragmentação da memória esvai a narrativa nos elementos que mais importam à personagem neste período retratado.

A falta de contato com esse marido, que mal é visto, que dirá apresentado durante o longa, prejudica o envolvimento do público com o sofrimento da protagonista, da mesma maneira que o relacionamento dela com Dionys Mascolo (Benjamin Biolay) neste ínterim, que supostamente é para ficar implícito, na realidade não é desenvolvido direito, drenando a complexidade sobre a culpa que a Marguerite sente nessa espera por Antelme. Ainda que brevemente, a relação mais humana que se estabelece entre ela e outro personagem é com a Sra. Katz (Shulamit Adar), no encontro de seu sofrimento com o desta mãe em negação à procura da filha judia. Cabe à Mélanie Thierry, que já havia trabalhado com o cineasta em Não Sou um Canalha (2015), ser o esteio do filme, com sua interpretação visceral sem ser apelativa para nos conduzir às Memórias da Dor de Duras.

 

Memórias da Dor (La Douleur, 2017)

Duração: 127 min | Classificação: 12 anos

Direção: Emmanuel Finkiel

Roteiro: Emmanuel Finkiel, baseado no livro “A Dor” de Marguerite Duras

Elenco: Mélanie Thierry, Benoît Magimel, Benjamin Biolay, Grégoire Leprince-Ringuet, Emmanuel Bourdieu, Anne-Lise Heimburger, Patrick Lizana, Shulamit Adar e Joanna Grudzinska (veja + no IMDb)

Distribuição: Imovision

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