JOHN WICK 3 – PARABELLUM | Reverenciando o Bicho-papão
Atualizado: 26 de fev. de 2021
“Arte é dor”, afirma a personagem de Anjelica Huston em certo momento de John Wick 3 – Parabellum (2019). Se este é o novo filme da franquia de ação que é considerada uma “obra-prima” para os amantes do gênero e, com certeza, é a mais contundente desta década, porque não dizer que John Wick é o mensageiro desta dor a incontáveis personagens e figurantes. Keanu Reeves vive novamente o protagonista lendário, já reverenciado até pelos seus oponentes agora, tendo o seu antigo dublê em Matrix, Chad Stahelski, mais uma vez na direção da recente produção.
Quem também permanece é o roteirista Derek Kolstad, responsável por estruturar a história desse ex-membro de uma sociedade não tão-secreta assim de mafiosos e assassinos de aluguel, que retorna para a luta após matarem o cachorro que sua esposa lhe dera como último presente após falecer, criando uma mitologia própria para John Wick, embora a dinâmica das aventuras com passagens internacionais, a partir do segundo longa, tenha um ar a la James Bond. Escrito também por Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams, o roteiro parte imediatamente de onde o anterior parou. Após fazer “negócios” sanguinários dentro do Hotel Continental de Nova York, algo condenável dentro da ordem criminosa, o personagem-título é excomungado e avisado pelo gerente e amigo Winston (Ian McShane) que, dentro de uma hora, um contrato aberto no valor de 14 milhões de dólares estará vigente para todos os matadores da cidade como recompensa a quem o eliminá-lo.
O primeiro ato se resume a essa frenética corrida contra o tempo e suas tentativas de escapar dos seus colegas de profissão, em uma escalada de ação cada vez maior, em que até os cachorros da nova personagem também boa de briga de Halle Barry saem para o ataque, e uma violência mais gráfica no terceiro estágio da saga deste cavaleiro solitário. Tanto que agora ele de fato monta um cavalo na sequência que remete à clássica perseguição de carro em Operação França (1971), na via abaixo da linha de metrô nova-iorquina. Outra referência está na estética de videogame, com a perspectiva em primeira pessoa se destacando em alguns planos no meio de tiroteios, embora Stahelski use sua experiência como coordenador de dublês e coreógrafo de lutas para tornar as cenas de combate mano a mano, com golpes de artes marciais, facas e afins mais interessantes e emocionantes que aquelas com balas voando para todos os lados.
São nelas em que o diretor se distancia da média do gênero pela estilização da violência que trouxe, junto com o diretor de fotografia Jonathan Sela em De Volta ao Jogo (2014) e, agora, com Dan Laustsen, que assumiu este posto a partir de John Wick: Um Novo Dia Para Matar (2017). Mais que isso, direção e fotografia trazem uma tradição cinematográfica de apresentar uma “Nova York do crime”, que vem do noir, passando pelos filmes de máfia e policiais clássicos, renovada com o uso do neon em sua paleta de cores, como se dissessem: “os tempos são modernos, mas as leis das ruas ainda são antigas”. Se o jogo de espelhos que se destacou no longa anterior, como o destaque visual que carregava consigo um significado em uma produção de roteiro mais fraco que o original, aqui os reflexos e a refração de uma sala envidraçada no clímax servem para ambos os sentidos: encantam os olhos do espectador e são uma metáfora para esta imagem modificada na luta entre ídolo e fãs ou no embate moral interno destas máquinas programadas para matar.
Neste sentido, o primeiro filme era eficiente em aliar a ação, o visual e a história, ao estruturar sua narrativa em uma motivação simples, mas condizente com o personagem, e que cativava o público a apoiar John em sua busca por vingança. O segundo, por sua vez, se revela um simples encadeamento de boas cenas de luta que, além de apresentar uma justificativa rasteira para a volta definitiva de Wick ao jogo, quase nada adianta o enredo, pensando nesta estrutura seriada da franquia. Encontrando mais razões para o protagonista nesta ideia que permeia John Wick de que toda ação tem sua consequência, o terceiro ainda sofre por ser um capítulo de passagem nesta saga.
Detalhando melhor, a Alta Cúpula é personalizada aqui na figura da Juíza (Asia Kate Dillon) que vem punir aqueles que ajudaram o excomungado, a fim de que paguem o preço da desobediência às regras desse mundo. Os personagens repetem, diversas vezes, no decorrer dos três longas que tais leis existem “para que não viremos animais”, mas Kolstad começa a questionar se esta moral rigorosa em um universo de ordens e promissórias que asfixiam a relação – que dirá a amizade – entre os subordinados não é uma ferramenta para as classes mais poderosas manterem o seu domínio nesta rígida hierarquia. O roteiro e a direção põem a questão em banho-maria, ensaiando uma possível revolta que o espectador imagina que virá logo à frente, mas John Wick é muito fiel ao sistema, mesmo quando vai contra ele.
Fica a frustração pela tomada de consciência do protagonista e sua virada na proporção e sentido de sua luta que deveriam acontecer aqui, mas com a promessa de que acontecerá em um próximo filme. No entanto, os deméritos da narrativa prejudicada nestes casos, provavelmente, não irão afetar os fãs, que certamente sairão bem satisfeitos da sessão com a dose de tiro, porrada e bomba que é entregue em John Wick 3. Como diz o subtítulo, em latim, Parabellum é somente uma preparação para a guerra que há de vir; porém, há quem se contente apenas com este aperitivo.
John Wick 3 – Parabellum (John Wick: Chapter 3 – Parabellum, 2019)
Duração: 130 min | Classificação: 16 anos
Direção: Chad Stahelski
Roteiro: Derek Kolstad, Shay Hatten, Chris Collins e Marc Abrams, baseado na história e nos personagens criados por Derek Kolstad
Elenco: Keanu Reeves, Halle Berry, Ian McShane, Laurence Fishburne, Mark Dacascos, Asia Kate Dillon, Lance Reddick, Tobias Segal, Anjelica Huston, Saïd Taghmaoui, Jerome Flynn e Randall Duk Kim (veja + no IMDb)
Distribuição: Paris Filmes
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