SHAZAM! | Um herói que não tá no gibi
Atualizado: 12 de jan. de 2023
Criado em 1939, pelo autor Bill Parker e pelo desenhista C. C. Beck, o então Capitão Marvel se tornou o personagem mais popular da editora de quadrinhos Fawcett Comics durante os anos 1940, mas seu sucesso que ofuscava o próprio Superman, do qual guardava muitas semelhanças, fez a National – que depois se transformaria na DC Comics – processar a concorrência, que desistiu de publicar suas histórias em 1953. Exatamente duas décadas depois, a própria DC compraria os direitos do herói, mas, como a concorrente Marvel Comics obviamente aproveitou a oportunidade neste ínterim para utilizar o nome em seus capitães, a empresa passou a chama-lo de Shazam. No entanto, o alter ego do jovem radialista Billy Batson, com todo o seu potencial, nunca foi muito bem aproveitado na nova casa, figurando sempre nas HQ’s de equipes e tendo sua própria revista apenas entre 1973 e 1978.
De certo modo, Shazam! (2019) é um filme de origem que traduz esse passado conturbado do personagem nas páginas dos quadrinhos, mas também esse sentimento pueril genuíno da mídia. Henry Gayden, da fantasia Terra para Echo (2014), e Darren Lemke, das animações Shrek para Sempre (2010) e Turbo (2013) e dos longas de Goosebumps, aproveitam sua experiência no trabalho desse imaginário infantil em seu roteiro, seja no tom da aventura que imprimem na narrativa ou ao colocarem Billy Batson como um jovem adolescente órfão, interpretado por Asher Angel, da série infanto-juvenil Andi Mack (2017-). Mais que isso, sua adaptação se utiliza desse sentimento de marginalização do herói dentre outras figuras mais proeminentes da DC em uma adaptação cujos personagens principais e coadjuvantes estão à margem da sociedade ou da sua própria família, como acontece com o vilão, que tem seus dramas do passado apresentados até antes do protagonista.
É um caminho totalmente contrário ao que já foi trilhado até aqui pelo Universo DC nos cinemas, não só por seguir os últimos esforços de Mulher-Maravilha (2017) e Aquaman (2018) de se afastarem do aspecto sombrio pelo qual as superproduções da casa ficaram marcadas, mas também por ter uma escala menor de produção e por apresentar um herói sem uma origem nobre como os outros colegas. O que, à primeira vista, é mais surpreendente é que quem conduza essa escolha seja o sueco David F. Sandberg, diretor cuja experiência vem somente dos longas de terror Quando as Luzes se Apagam (2016) e Annabelle 2: A Criação do Mal (2017), além de uma série de curtas do gênero que estrela junto com sua esposa Lotta Losten. Agora, ele faz de Shazam! um filme familiar e cômico, que procura a mesma diversão que a concorrência oferece, sem seguir necessariamente a fórmula da Marvel, já que a atualização da trama para o público ávido – e, por vezes, fanático demais – por super-heróis nas telonas traz a nostalgia da época que HQ ainda era chamado de gibi.
Não à toa, o longa apresenta um grande fã de super-heróis em Freddy Freeman, coadjuvante vivido por Jack Dylan Grazer, de It: A Coisa (2017), que demonstra um ótimo timing cômico e também segura nos momentos mais dramáticos de seu personagem, que recebe bullying na escola por sua deficiência física. No entanto, neste contexto ficcional, ele admira essas figuras que são reais e estão nos noticiários, e não nas páginas dos quadrinhos, assim como a realidade está sempre presente ao público, como na referência à Rocky na ambientação da história na Filadélfia. O jovem Batson, que constantemente foge dos orfanatos ou lares adotivos na sua busca pela mãe (Caroline Palmer) da qual se perdeu quando criança (David Kohlsmith), vai para a cidade e acaba sendo levado para a casa de Rosa e Victor Vasquez (Marta Milans e Cooper Andrews), que, por terem o mesmo passado, cuidam justamente de um quinteto de órfãos, do qual Freddy faz parte e Billy reluta em se integrar.
Um pequeno ato de bondade leva o menino para a companhia de um já fragilizado Mago Shazam (Djimon Hounsou, irreconhecível com aquela caracterização) que o designa seu campeão e lhe transfere os poderes de todos os guardiões da Terra, do qual ele é o único restante, em uma mitologia que mistura deuses gregos, romanos e elementos bíblicos como os Sete Pecados Capitais, como é explicado no prólogo com o pequeno Dr. Sivana (Ethan Pugiotto), que depois ressurge implacável na figura de Mark Strong. Para tanto, basta Billy invocar o nome Shazam! para se transformar neste herói adulto, com toda a força e demais habilidades conjuntas que lhe foram dadas para salvar o mundo.
É aí que entra em cena o ator Zachary Levi, conhecido pelas séries Chuck (2007-12) e Maravilhosa Sra. Maisel (2017-), que parece aproveitar cada momento em que encarna este campeão no qual Batson se torna. A referência ao clássico Quero Ser Grande (1988) é tão clara que o filme é citado visualmente em uma cena, embora seja evocado o clima de tantas aventuras juvenis dos anos 80 e 90 enquanto o protagonista, ainda com um espírito pré-adolescente apesar da forma adulta, e Freddy só querem aproveitar a oportunidade, testar quais são seus poderes e, como millennials que são, postar isso no YouTube, em sequências e montagens hilárias. Mas, como outro herói jovem já ensinou, com grandes poderes vem grandes responsabilidades, e o garoto precisa enfrentar o peso do uniforme e dos dons que carrega.
Talvez, Shazam! se estenda demais em sua “batalha final” em três atos, mas é a sua alma familiar, que é o coração da narrativa em sua moral e tom, que faz o público voltar a ver os super-heróis como parte da humanidade – algo que a boa bilheteria do filme, nestas duas semanas em cartaz, comprova que era uma necessidade que o espectador nem sabia que tinha.
Shazam! (Shazam!, 2019)
Duração: 132 min | Classificação: 12 anos
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Henry Gayden, com argumento de Henry Gayden e Darren Lemke, com base no personagem criado por Bill Parker e C.C. Beck
Elenco: Zachary Levi, Mark Strong, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Adam Brody, Djimon Hounsou, Faithe Herman, Meagan Good, Grace Fulton, Michelle Borth, Ian Chen, Ross Butler, Jovan Armand, D.J. Cotrona, Marta Milans, Cooper Andrews, Ethan Pugiotto, John Glover e Caroline Palmer (veja + no IMDb)
Distribuição: Warner Bros. Pictures