top of page
Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2019 | Testemunhas ou cúmplices?

Atualizado: 25 de fev. de 2021


Cena do documentário Testemunhas de Putin (Svideteli Putina, 2018), de Vitaly Mansky | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

Presente na competição internacional de longas e médias-metragens da 24ª edição do É Tudo Verdade, depois de estrear e ser premiado no festival tcheco de Karlovy Vary, o documentário Testemunhas de Putin (2018) traz registros únicos sobre a subida do presidente russo Vladimir Putin ao poder, pela primeira vez. No entanto, é aquela filmagem caseira e despretensiosa do diretor Vitaly Mansky com sua família, durante o Ano Novo de 1999-2000, a chave para entender a sua obra.

Nela, está o desejo obsessivo do cineasta em continuar filmando, mesmo quando não é necessário ou incômodo, o que lhe rendeu o elogiado retrato da Coreia do Norte por trás da propaganda oficial, em Sob o Sol (2015), e este novo trabalho. Igualmente, encontra-se o alerta de sua esposa e produtora Natalia Manskaya sobre o perigo que estava por vir: a ressurgência do passado totalitarista, apesar da alegria na recém-redemocratização depois do fim da União Soviética e a promessa de futuro que a chegada do Novo Milênio trazia. Uma previsão de um cenário político que, quase 20 anos depois, se mostra tenebroso não só na Rússia, onde o então interino e candidato continua no governo – mesmo durante o mandato presidencial de seu aliado Dmitri Medvedev, sendo primeiro-ministro dele –, mas também no Ocidente.

Isso porque, naquele final de ano, o então presidente Boris Yeltsin renunciava e deixava no lugar o seu novo protegido, Vladimir Putin, interinamente no cargo, até as novas eleições, das quais este último participaria. Como diretor de documentários da TV estatal, Mansky foi designado para fazer um filme do candidato do governo durante a campanha presidencial e é o resgate deste material gravado em 2000 e 2001 que nutre o novo longa, sob o olhar contemporâneo de seu realizador. No voice over de sua narração, o diretor faz uma revisão metalinguística e sociopolítica de seus registros, tentando entender aquilo que, no presente, eles não se davam muito conta do que estava acontecendo.

Ex-agente da KGB, o serviço secreto soviético, Putin surgiu como o “líder forte” durante um período de seguidos atentados terroristas à bomba atribuídos a separatistas da região da Chechênia, mas cuja autoria desconfia-se que seja dos próprios aliados dele para fortalecer a sua imagem política frente à população, logo depois de ser nomeado primeiro-ministro por Yeltsin. O ex-presidente que o apoiou teve uma surpresa, diferente de Mikhail Gorbachev que já o criticava durante as eleições, quando viu todos os seus esforços para fazer a Rússia sair da Cortina de Ferro para se abrir ao mundo irem por água abaixo, com a preferência pelo saudosismo soviético e pelo totalitarismo de seu protegido, que acabou o colocando de lado. Esse desenvolvimento das expectativas e frustrações do alegre governante com o novo presidente é muito bem captado pelo documentarista, assim como os prenúncios do cerceamento da liberdade e censura da imprensa que Vladimir impusera em todos esses anos.

Em um momento crucial, sua locução frisa o destino de cada um daquelas que eram cabeças da equipe de sua primeira campanha presidencial, muitos deles sofrendo perseguição política ou até morrendo em condições suspeitas. O próprio Manksy se autoexilou na Letônia, onde produziu este filme como uma espécie de mea culpa pelo primeiro que fez sobre Putin: as testemunhas aqui, incluindo ele mesmo, são chamadas a sua responsabilidade como cúmplices do que o ainda presidente se tornou. Exemplo é como, evitando participar de debates eleitorais, foi construída uma narrativa sobre Vladimir à população russa, com o próprio diretor promovendo um reencontro “emocionante” com sua ex-professora e camuflando a sua frieza, que, hoje, é óbvia, mas não foi para muitos eleitores na época.

O mais interessante deste documentário é como o espectador consegue identificar semelhanças que não são meras coincidências com o cenário atual ou bem recente em diversos lugares pelo mundo, já que, se mudarem os “atores” e o “cenário”, independente da orientação política, o modus operandi de autocratas e simpáticos do totalitarismo se revela o mesmo.

 

Testemunhas de Putin (Svideteli Putina, 2018)

Duração: 102 min

Direção: Vitaly Mansky

Produção: Letônia / Suíça / República Tcheca

> Centro Cultural São Paulo – CCSP (Sala Paulo Emílio) / São Paulo – 09/04/2019 às 19h00

> Estação NET Botafogo (Sala 1) / Rio de Janeiro – 11/04/2019 às 16h00

0 comentário
bottom of page