MINHA FAMA DE MAU | Meu amigo de fé, meu irmão camarada
Atualizado: 25 de fev. de 2021
Dez anos depois da publicação da autobiografia de Erasmo Carlos, Minha Fama de Mau (2009), quando o diretor Lui Farias começou a fomentar a ideia de levar às telas a história do expoente da Jovem Guarda e dono de um numeroso e bem-sucedido repertório de composições, o projeto filmado em 2015, com Chay Suede interpretando o músico, finalmente foi lançado nos cinemas. Contudo, a passagem desse tempo não atrapalhou uma produção que busca unir a juventude das décadas 1950 e 1960 com a atual. Para tanto, o elo que o cineasta utiliza é justamente a inspiração na obra de seu pai, Roberto Farias, que dirigiu a trilogia aventuresca estrelada pelo amigo e companheiro de escrita de Erasmo, Roberto Carlos: a abertura de Roberto Carlos em Ritmo de Aventura (1968) com o esportivo vermelho e o carro de luxo preto, por exemplo, é reeditada em uma cena, ainda antes do próprio longa ser citado e ter, ainda que indiretamente, uma função narrativa em Minha Fama de Mau (2019).
Isso porque a amizade é o fio condutor do filme de Lui. Primeiro, o enfoque é naquela do jovem Erasmo com os seus amigos no bairro carioca da Tijuca, incluindo o então Tião Maia (o estreante Vinícius Alexandre na encarnação da personalidade única de Tim Maia), com quem se dividia em pequenos furtos, bicos e o sonho de se tornar um rockstar, enquanto vivia em uma pensão com a mãe (Isabela Garcia). Depois, vem a do trio da Jovem Guarda, com Gabriel Leone na pele de Roberto Carlos e Malu Rodrigues como Wanderléa, com um destaque maior para a irmandade que surge entre os “Carlos”, entre seus altos e baixos.
Assim, para igualar à juventude retratada na história, Farias procura seguir uma linguagem juvenil em sua direção. As referências às histórias em quadrinhos, tão populares na época quanto atualmente, e os personagens desenhados na tela se unem ao afago dos jovens daquele período na lembrança das fofocas da Candinha (Paula Toller em uma participação especial) e aos de agora na quebra da quarta parede. O que, neste último caso, evidencia como o filme se sustenta no talento e carisma de Chay Suede para conduzir a narrativa, mesmo quando esta se enfraquece.
Saindo de certa mesmice das cinebiografias brasileiras, tanto por essa estilização quanto pela opção de um recorte em detrimento do caminho comum de tentar passar superficialmente por toda a biografia da pessoa, a obra ainda peca por falta de aprofundamento em alguns momentos na agilidade adotada. Certas escolhas artísticas podem até não funcionar plenamente – um exemplo é Bianca Comparato fazendo todas as mulheres da vida dele, o que fica confuso, a princípio, só se tornando claro que não são a mesma pessoa, na sua terceira encarnação –, mas é louvável a tentativa de diferenciação e de uma assinatura autoral. Da mesma forma, o caminho mais dramático que o filme toma em seu terceiro ato, depois de expor os questionamentos sobre a importância da Jovem Guarda, naquele final dos anos 1960 em que a sociedade, não só brasileira, sofria uma revolução social, cultural e política, e mostrar o deslocamento do artista frente àquele momento é uma decisão interessante ainda que pouco substancial: serve bem ao drama relativo à amizade do Erasmo e Roberto, mas nada diz sobre a obra do artista posterior à Jovem Guarda, em resposta aos novos tempos – particularmente, fica a indicação para conhecer o excelente álbum Carlos, Erasmo (1971).
“Eu era mais malzinho”
O ator Gabriel Leone, o produtor Marco Altberg, o protagonista Chay Suede, o diretor Lui Farias e as atrizes Bianca Comparato e Malu Rodrigues na coletiva de imprensa do filme Minha Fama de Mau (2018), em São Paulo | Foto: Nayara Reynaud
Na coletiva de imprensa do longa em São Paulo, no início do mês (6), Lui Farias abriu a conversa dizendo que se tratava de um “filme de 50 anos de idade”. Isso porque, desde que conheceu Erasmo Carlos durante as filmagens de Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa (1970), o segundo filme da trilogia estrelada por Roberto Carlos e dirigida pelo seu pai, Roberto Farias, o cineasta alimenta essa admiração pelo artista. Aliás, questionado pelo NERVOS sobre essa influência da obra paterna em seu trabalho, o diretor afirmou que naturalmente viu que Minha Fama de Mau se tornou o “quarto filme da trilogia”, além de ver semelhanças entre ele e o sucesso recente da cinebiografia do Queen, Bohemian Rhapsody (2018).
Contudo, parafraseando o próprio pai, Lui declarou que as “comédias e musicais são a verdadeira vocação brasileira com o público”. Um dos grandes nomes do teatro musical, atuando desde criança no meio, a atriz Malu Rodrigues destacou como, diferente das obras do gênero mais antigas, esta segue a linha dos “musicais mais novos que adiantam a ação”, com o número musical cumprindo o lugar de outra cena para movimentar a trama. A intérprete da cantora Wanderléa, que, segundo ela, também está “sempre a frente do seu tempo”, ainda ressaltou a importância da escolha de os próprios atores cantassem, já que, na sua opinião, a dublagem tira um pouco da interpretação.
Neste sentido, Chay Suede explicou que, em vez de tentar imitar o Erasmo Carlos e seus colegas de Jovem Guarda, ele e seus colegas mergulharam no “universo que os cercava”, até porque existe pouco acesso ao material, devido aos incêndios e alagamentos que destruíram muitos arquivos das emissoras de televisão brasileiras. Gabriel Leone, que interpreta Roberto Carlos, disse que a intenção foi sempre manter o “tom de homenagem”, frisando a preparação vocal realizada pelo Felipe Abib com eles neste quesito. Para Bianca Comparato, isso conferiu “uma aura diferente” ao filme, de autenticidade.
A atriz, aliás, foi quem sugeriu a Lui que, em vez de interpretar apenas a Narinha, como era conhecida a esposa já falecida de Erasmo que só surge no final da trama por causa do recorte, ela aparecesse como as mulheres da vida dele. Segundo Bianca, é como se o protagonista estivesse “buscando a mesma mulher ao longo do filme” e, até por isso, eles não quiseram “carregar nas caracterizações, como O Professor Aloprado”, brincou.
O foco específico neste período do início da carreira do artista e seu sucesso na Jovem Guarda é justificado por Farias no seu desejo de apresentar “uma parte da história que pouco se mostra”: para o diretor, “o sucesso era diferente” e é como se a história da humanidade se dividisse em duas no século passado justamente ali, até meados dos anos 1960. Além de querer trazer elementos da época, como o “bang bang”, o recorte também exigiu uma escolha dentro de um repertório de mais de 600 músicas compostas pelo biografado – embora o cineasta tenha admitido ter “puxado”, por exemplo, a canção Amigo, de 1977, para a década anterior, em favor da história que estava contando. No entanto, o cineasta, que fez questão de frisar que a espera por todos os direitos autorais o “deu tempo de trabalhar muito na ilha de edição” e colocar todas as músicas inteiras dentro do corte final, o que é algo raro, também exaltou a chance de ouvir a “Jovem Guarda em 5.1”, já que a gravação da trilha sonora foi o primeiro trabalho que eles realizaram, durante apenas uma semana.
Foi justamente nesse tempo no estúdio que o “Tremendão” participou da produção, se encontrando com Chay, que afirmou o quanto o cantor é uma “pessoa muito elegante e amorosa”. E enquanto o produtor Marco Altberg ressaltou que os músicos presentes na filmagem são da banda do artista, Lui confessou que queria o próprio Erasmo para narrar sua história, mas ele declinou do convite e quis deixar o filme livre da sua influência. No entanto, o roqueiro fez questão de brincar com ele, depois de assistir a Minha Fama de Mau: “você me fotografou muito bonzinho, eu era mais malzinho”.
Minha Fama de Mau (2019)
Duração: 116 min | Classificação: 12 anos
Direção: Lui Farias
Roteiro: L.G. Bayão, Lui Farias e Letícia Mey, baseado no livro “Minha Fama de Mau” de Erasmo Carlos
Elenco: Chay Suede, Gabriel Leone, Malu Rodrigues, Isabela Garcia, Bianca Comparato, Bruno de Luca, João Vitor Silva, Vinícius Alexandre e Paula Toller (veja + no IMDb)
Distribuição: Downtown Filmes / Universal Pictures
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