DOGMAN | O melhor amigo do homem
Atualizado: 25 de fev. de 2021
O cenário é praticamente de um faroeste urbano em uma periferia esquecida no filme italiano Dogman (2018) e, como tal, a lei parece distante neste local, onde a dinâmica do submundo da criminalidade é novamente observada pelo cineasta Matteo Garrone, mas de um modo mais informal do que as máfias de Gomorra (2008). E apesar de se equilibrar entre o thriller psicológico e o gênero policial, dosando o drama e um humor por vezes inesperado, o novo longa do diretor, que foi o representante da Itália nesta corrida do Oscar, segue a cartilha do faroeste com a presença de um homem que amedronta toda a comunidade. Se a fotografia desaturada de Nicolaj Brüel é um sintoma do descaso com a localidade e seus habitantes, explicando bem de onde surgem estes personagens, também contrasta com as pessoas saturadas das confusões provocadas pelo grandalhão Simone (Edoardo Pesce).
Cada vez mais agressivo e instável, o único que consegue ser mais próximo dele é Marcello (Marcello Fonte), dono do pet shop local a quem o brutamontes viciado vem sempre pedir cocaína para o também pequeno traficante. Assim como tenta acalmar e domar um cão nervoso para lhe dar banho, logo na abertura do filme, o rapaz procura fazer o mesmo com o amigo diversas vezes, enquanto a vizinha se incomoda cada vez mais com seus ataques. É como se o protagonista tivesse um fascínio pela ferocidade de Simone igual tem pelos cachorros, mas essa relação em que Marcello é subjugado pela mesma força que admira no parceiro só lhe faz mal e a sua lealdade fraternal por um cara que já perdeu seus parâmetros morais pode coloca-lo em maus lençóis.
Inspirado em um caso real, ocorrido na região de Roma, em 1988, a narrativa não segue à risca o fato. Por sinal, ao centrá-la neste lugar fantasma, um ambiente quase pós-apocalíptico de tantos subúrbios, Garrone traz traços universais à trama, apesar de seu tempero napolitano. Além do retrato de uma amizade tóxica, em que as relações de dominação podem ser rompidas de maneira drástica, existe este olhar para as escolhas diárias que se toma na linha tênue da sobrevivência entre os instintos mais primários animais e a sociabilidade inventada pelos humanos, e especialmente para as suas consequências que se acumulam com o passar do tempo – não à toa, o cineasta afirma que a primeira imagem que lhe veio em relação ao longa, dez anos antes de sua realização, foi justamente a de cães presos em gaiolas, testemunhando a explosão da bestialidade humana.
Esse acúmulo de sentimentos contrastantes é observado na complexidade com que Marcello é construído no roteiro e, particularmente, desenvolvido na atuação de Fonte. Vencedor da Palma de Ouro de Melhor Ator da última edição do Festival de Cannes, o Marcello intérprete confere igualmente fragilidade e resiliência para o tipo pequeno e estranho que encarna, assim como a figura amável de um pai carinhoso com sua filha (Alida Baldari Calabria) e todos os cães, mas suscetível à má influência e à criminalidade. É um tour de force internalizado na sua performance que culmina no final em que, vivenciando a força e poder que sempre admirou, o protagonista se vê perdido.
Dogman (Dogman, 2018)
Duração: 103 min | Classificação: 16 anos
Direção: Matteo Garrone
Roteiro: Ugo Chiti, Massimo Gaudioso e Matteo Garrone, com colaboração de Marco Perfetti, Damiano D'Innocenzo, Fabio D'Innocenzo e Giulio Troli
Elenco: Marcello Fonte, Edoardo Pesce, Nunzia Schiano, Adamo Dionisi, Francesco Acquaroli, Alida Baldari Calabria e Gianluca Gobbi (veja + no IMDb)
Distribuição: Arteplex Filmes