A NOSSA ESPERA | Ausência presente
Atualizado: 24 de fev. de 2021
Apesar do título, a crise vem quando menos se imagina no drama familiar A Nossa Espera (2018), já que os seus envolvidos não conseguem ver os sinais dela no meio de sua extenuante rotina. Preso no serviço mecânico e nas tensões trabalhistas de seu emprego em um centro de distribuição do que parece ser uma loja online de calçados ou algo do tipo, o protagonista vivido por Romain Duris é surpreendido quando a esposa (Lucie Debay) simplesmente some e abandona o marido e seus dois filhos, Elliot (Basile Grunberger) e Rose (Lena Girard Voss). Isso acontece logo no primeiro ato desta produção franco-belga exibida na Semana da Crítica em Cannes, que segue bem o estilo do realismo social dos irmãos Dardenne, mas é assinado pelo compatriota Guillaume Senez.
Em seu segundo longa depois do début com Keeper (2015), o cineasta belga demonstra novamente o seu interesse nesta dificuldade em lidar com a maternidade e a paternidade quando estas saem do script ideal. Se no primeiro filme, um casal de adolescentes não esperava uma criança naquele momento, aqui, uma mãe que amava seus filhos também se sente sufocada por eles e um pai se vê sozinho na tarefa de cuidar de seus rebentos. É justamente a humanidade de seus personagens, escritos em conjunto com o roteirista Raphaëlle Desplechin, que faz o público nem questionar naquele momento quantas mulheres vivem na mesma situação ou pior ao serem abandonadas por seus companheiros na importante tarefa de educar, cuidar e sustentar um ser humano em formação.
Mais que isso, Senez foge da tentação de culpar esta mulher; ao contrário, mostra como Laura estava emocionalmente instável e usa a fala de outras figuras femininas para trazer esta compreensão sobre seus sentimentos, atos e problemas. Aliás, é da mãe (Dominique Valadié) e da irmã dele (Laetitia Dosch) que vêm os primeiros-socorros para o agora pai solteiro. Mas o sopro de alegria fraternal na casa é momentâneo e a atriz de teatro Betty, interpretada com a mesma competência e efusividade que Dosch empenhou em Jovem Mulher (2016), tem a sua própria vida para resolver e os problemas do irmão e de seus sobrinhos precisa ser resolvido entre eles mesmos, primeiro.
Do outro lado, Olivier é um homem de bom coração, preocupado com os colegas e envolvido com o movimento sindicalista para obter melhores condições de trabalho, mas as várias horas despendidas no serviço deixam todo o peso da vida familiar sobrecarregar a esposa. E certo machismo arraigado demonstra que ele não via problema das coisas serem assim. Por mais que seja um pai atencioso e compreensivo, enquanto a questão da partida da mãe não é abertamente falada com os filhos, apesar do “elefante branco na sala”, as crianças vão internalizando seus sentimentos e sofrendo as consequências, especialmente a pequena Rose, enquanto Elliot tenta protegê-la e resgatar a sua mãe.
O conto que Laura conta para ele antes de dormir deixa claro nas entrelinhas da história que ela não deseja partir, mas o monstro e vilão da vida real é a depressão que a prende. Junto com o caso do suicídio de um amigo de trabalho de Olivier no início, Senez aborda a saúde mental e, como subentendido no título original Nos Batailles, as nossas batalhas diárias e esforços (sobre)humanos para sobreviver neste mundo atual.
A Nossa Espera (Nos Batailles, 2018)
Duração: 98 min | Classificação: 12 anos
Direção: Guillaume Senez
Roteiro: Raphaëlle Desplechin e Guillaume Senez
Elenco: Romain Duris, Basile Grunberger, Lena Girard Voss, Lucie Debay, Laure Calamy, Dominique Valadié, Laetitia Dosch, Sarah Le Picard, Kris Cuppens, Cédric Vieira e Jeupeu (veja + no IMDb)
Distribuição: Vitrine Filmes
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