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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2018 | Repescagem da 42ª Mostra

Atualizado: 17 de fev. de 2021


Mostra SP 2018 - Repescagem da 42ª edição: Cafarnaum | Vidas Duplas | fotos: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo teve o seu encerramento ontem, com a entrega dos prêmios desta edição, mas isso não quer dizer que o evento acabou, pois ainda tem a Repescagem trazendo mais alguns destaques dentro da próxima semana. Confira abaixo a programação, junto com as críticas do premiado Cafarnaum (2018), filme de Nadine Labaki que é o pré-indicado do Líbano no Oscar, e o francês Vidas Duplas (2018), novo longa de Olivier Assayas, entre outros títulos.

 

QUINTA - 01/11

14h: A Árvore dos Frutos Selvagens (Ahlat Agaci), de Nuri Bilge Ceylan (188'). Turquia, França, Alemanha, Bulgária. Falado em turco. Legendas em português. Indicado para: 14 anos

17h30: Meio Irmão (Half Brother), de Eliane Coster (98'). Brasil. Falado em português. Legendas em inglês. Indicado para: 16 anos.

19h30: Culpa (Den Skyldige), de Gustav Möller (88'). Dinamarca. Falado em dinamarquês. Legendas em português. Indicado para: 14 anos.

Jakob Cedergren no filme dinamarquês Culpa (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Escolhido como representante da Dinamarca na corrida do Oscar de Filme Estrangeiro do ano que vem, Culpa (2018) é aquele filme que vai arrebatar a plateia e, provavelmente, crescer no boca-a-boca entre os mostreiros, assim como Custódia (2017) fez na edição passada. Em seu primeiro longa-metragem, o dinamarquês Gustav Möller provoca sensações e navega até por temáticas que recordam o filme do francês Xavier Legrand, por exercer a mesma capacidade narrativa de manter o espectador tenso e em suspense do início ao fim. Não à toa, a produção venceu prêmio da audiência dos festivais de Sundance e Roterdã.

Mesclando esse controle e efeito narrativo a uma trama que também lembra o thriller Por um Fio (2002), sem aquelas interferências externas, troca-se a cabine telefônica onde Colin Farrell ficava direto naquela história pela central de emergência de Copenhague, acompanhando o turno, que se torna até extra, do policial Asger Holm (Jakob Cedergren, excelente e preciso nas nuances deste personagem) lá, onde o longa se passa inteiramente durante os seus 90 minutos. A escalada de tensão começa com a ligação de uma mulher pedindo socorro disfarçadamente por estar em mãos de um homem. Mais alguns telefonemas, inclusive para a pequena filha dela, e o atendente descobre logo quem é este homem. Só que isso não é um alívio, apenas mais uma crescente no filme, cujas viradas vem num rígido e paciente desvelar da trama, embora o jovem e talentoso diretor use a luz vermelha, tal qual Joe Wright no recente O Destino de uma Nação (2017), em um momento de urgência raivosa, ainda antes do clímax arrebatador.

No entanto, se no sucesso de Joel Schumacher o perigo estava à espreita do protagonista lá fora da cabine, no filme dinamarquês, ele se encontra mais dentro da psique de Asger. O espectador sabe brevemente que aquele turno acontece na véspera de um julgamento sobre algum incidente que jogou este policial para esse serviço interno, mas somente o compreende aos poucos. Mantendo uma tradição do cinema escandinavo de abordar questionamentos morais de maneira tão eficiente, Möller ainda trata de imigração e preconceito nas entrelinhas e de maneira mais direta a questão da saúde mental, mas tem no exercício da culpa e sua predileção em se acumular o norte desta obra.

21h20: La Quietud (La Quietud), de Pablo Trapero (111'). Argentina. Falado em espanhol. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 18 anos.

Martina Gusman e Bérénice Bejo no argentino La Quietud (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Continuando com sua predileção por dinâmicas familiares, Pablo Trapero, diretor de O Clã (2015) e Família Rodante (2004), põe sua lente sobre os abastados Montemayor, em seu último filme La Quietud (2018). O título do longa exibido no Festival de Veneza diz respeito ao rancho de mesmo nome da família em questão, onde se passa a maior parte da trama e que desenrola de maneira paralela questões sobre a origem desta propriedade. No entanto, o nome da produção também sublinha, de forma irônica, a aparente tranquilidade que esconde segredos escusos neste núcleo familiar de classe alta.

O ataque súbito que acomete o pai Augusto (Isidoro Tolcachir), de quem a caçula e solteira Mia (Martina Gusman) é muito próxima, traz a filha mais velha Eugenia (Bérénice Bejo), diretamente de Paris, de volta ao rancho, para a alegria da mãe Esmeralda (Graciela Borges), que a tem como a favorita. A semelhança entre as duas irmãs, que não são gêmeas, é gritante e, especialmente, desconcertante no início, quando compartilham seus desejos escondidos em uma relação fraternal muito próxima, quase incestuosa, mas também competitiva. Desse relacionamento particular às relações extraconjugais e outras revelações posteriores, dominação e repressão sexual conduzem a narrativa de várias formas, além da política argentina, em particular, resquícios da ditadura no país pontuando desdobramentos importantes.

Trapero não esconde que se trata de um grande melodrama latino mais picante, mas sua narrativa novelesca é, no mínimo, envolvente. E isso não quer dizer que o cineasta deixe à parte seu lado autoral, assinalado nos pequenos apagões que atingem a propriedade, representando a decadência dessa aristocracia argentina e também pautando o emocional dos personagens. Gusman e Bejo são hipnotizantes na pele das protagonistas, mas, a partir de certo ponto, é Graciela Borges quem rouba a cena com sua performance arrasadora como a mãe deste clã.

 

SEXTA - 02/11

14h: Um Trem em Jerusalém (A Tramway in Jerusalem), de Amos Gitai (90'). Israel, França. Falado em hebraico, árabe, francês, italiano, ídiche, alemão, ladino. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.

16h: Minha Vida na Alemanha de Hitler (Ma Vie Dans L'Allemagne D'Hitler), de Jérôme Prieur (104'). França. Falado em francês. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: Livre.

18h10: Utøya - 22 de Julho (Utøya 22. Juli), de Erik Poppe (97'). Noruega. Falado em norueguês. Legendas em português. Indicado para: 16 anos.

20h15: Em Chamas (Boening), de Chang-Dong Lee (148'). Coreia do Sul. Falado em coreano. Legendas em português. Indicado para: 16 anos.

Yoo Ah-In, Jun Jong-Seo e Steven Yeun no filme sul-coreano Em Chamas (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

O título do novo filme de Lee Chang-Dong pode sugerir algo explosivo, mas a verdade é que Em Chamas (2018) só chega a este ponto depois de uma paciente fervura em uma narrativa cuja ebulição vem gradualmente. A maneira como o cineasta sul-coreano conduz isso ao adaptar o conto Queimar Celeiros (1993), do escritor japonês Haruki Murakami, chamou a atenção dos críticos internacionais no Festival de Cannes, que lhe deram o prêmio FIPRESCI. Por tabela, lhe garantiu sua escolha como o candidato da Coreia do Sul na disputa por uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

O thriller começa com o reencontro do entregador e aspirante a escritor Jongsu (Yoo Ah-In) e com a promotora de promoções de outra loja Haemi (Jun Jong-Seo). Os dois cresceram na mesma região e passam a se encontrar outras vezes, até que ela faz a sua tão sonhada viagem para a África e, na volta, traz na bagagem o bem-sucedido Ben (Steven Yeun). A tensão sexual e os ciúmes vão crescendo entre o trio, com um desaparecimento elevando isso ainda mais na segunda metade de suas duas horas e meia de duração.

Este crescente é pontuado pela trilha sonora de Mowg que inclui através de instrumentos típicos uma sonoridade oriental no suspense de suas composições. Vários elementos instigam leituras no decorrer da trama, a exemplo do gato imaginário, mas o que ganha mais destaque é o uso do sol para graduar esse “aquecimento narrativo” assim como a leitura das diferenças de classe na sociedade sul-coreana. Para coroar, o clímax arrebatador ainda entra no hall daqueles finais que se pode duvidar se ocorreu na realidade ou é fruto da imaginação do protagonista.

 

SÁBADO - 03/11

14h: Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos (The Dead And The Others), de João Salaviza, Renée Nader Messora (113'). Brasil, Portugal. Falado em krahô. Legendas em português. Indicado para: 10 anos.

Henrique Ihjãc Krahô no longa nacional Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A relação da fotógrafa Renée Nader Messora com o povo indígena Krahô vem desde 2009 e, quase dez anos depois tem como principal fruto audiovisual o filme Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018). Rodado em 16mm durante nove meses que a brasileira e o codiretor português João Salaviza passaram sozinhos na aldeia Pedra Branca, localizada na Terra Indígena Krahô, no Tocantins, o longa atinge um nível de intimidade com a comunidade que borra os limites de ficção e registro documental no uso de não-atores indígenas e brancos para retratar o seu cotidiano, propondo uma ficcionalização a partir do conflito do jovem Ihjãc maior que a vista, por exemplo, no documentário Ex-Pajé (2018), de Luiz Bolognesi. Não por menos, a produção recebeu o Prêmio Especial do Júri da mostra Un Certain Regard no Festival de Cannes, onde fez sua estreia mundial.

Tanto para a plateia estrangeira quanto para a nacional que tem a oportunidade de ver o filme agora na Mostra e, logo mais, no Festival do Rio, o primeiro ato serve ao registro antropológico dos costumes dos Krahô, enquanto acompanha as aflições de Ihjãc. O jovem ouve a voz do pai, morto há algum tempo, pedindo que façam finalmente a cerimônia do fim de seu luto para que possa partir em paz. Ele conversa sobre essa necessidade com a mãe, mas só para a mulher confessa o medo de que o enxerguem como um futuro pajé quando souberam que está ouvindo e vendo espíritos.

Um temor que aumenta quando o xamã fala que a arara é seu mestre e o quer para assumir a função, e Ihjãc resolve fugir do animal e ficar longe da aldeia até as coisas de acalmarem. Para isso, vai até a cidade e insiste que está doente, dando origem ao segundo e melhor ato da obra, com a contraposição antropológica dos hábitos e tradições dos brancos, com o qual ele tem contato, e frases ótimas sobre a situação inusitada. Mesmo quando consegue fazer cerimônia para demarcar o fim do luto pelo pai, o jovem que também tem um filho, o pequeno Tepto, ainda se sente angustiado por um destino que não deseja seguir, mas que parece persegui-lo.

16h20: Guerra Fria (Zimna Wojna), de Pawel Pawlikowski (84'). Polônia, França, Reino Unido. Falado em francês, polonês. Legendas em português. Indicado para: 16 anos.

Tomasz Kot e Joanna Kulig no filme polonês Guerra Fria (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Após fazer produções internacionais e de língua inglesa, como o romance lésbico Meu Amor de Verão (2004), Pawel Pawlikowski voltou as suas origens polonesas, fazendo seu primeiro filme no país onde viveu até os 14 anos com Ida (2013) e dando à Polônia o seu primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não por menos, seu novo trabalho Guerra Fria (2018), que rendeu a ele o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes, foi escolhido novamente escolhido para representar a nação, mostrando outro fantasma de seu passado recente. Sai o não-dito sobre o nazismo que é tratado no anterior para falar das marcas do regime comunista polonês no roteiro escrito pelo cineasta com Janusz Glowacki.

O longa começa no interior da Polônia, em 1949, com flashes da pesquisa de Irena (Agata Kulesza) e Wiktor (Tomasz Kot) entre os camponeses de músicas típicas. O público depois entende que ela serve para a montagem de uma peça musical inspirada na música folclórica polonesa, da qual a esperta Zula (Joanna Kulig) se destaca na audição, chamando a atenção do pianista e arranjador Wiktor. É então que o cerne do filme se apresenta, como um romance que passeia por vários anos, especialmente a década de 1950 e também a de 1960, e locais.

Isso porque a turnê do espetáculo viaja por vários países do Leste Europeu, indo de Berlim Oriental a Moscou com toda a exaltação stalinista, e também a antiga Iugoslávia do Marechal Tito, além da Paris onde o pianista se refugia da censura velada do governo que obriga os artistas a cantarem os feitos do socialismo na região mesmo sem contextualização dentro da obra. A direção de Pawlikowski e a fotografia de Łukasz Żal, que volta a trabalhar com ele depois de Ida, traz não só o mesmo o preto e branco, como os planos com os rostos nos cantos inferiores da tela, explorando todo o fundo e representando a impotência dos personagens em um cenário de austeridade. No entanto, quando o casal consegue romper a Cortina de Ferro e se livrar de amarras espaciais e políticas, eles mesmos jogam uma cortina de fumaça sobre erros e coisas que precisam ser discutidas em um relacionamento, colocando barreiras para o próprio amor, que vai pedir contas disso depois como já é uma sina de amores impossíveis.

Uma curiosidade final é que Pawel dedica a obra aos seus pais, talvez pelo fato de ter conhecido esse modo de vida nômade quando o pai de origem judia foi obrigado a sair da Polônia por conta de uma política antissemita e emigrou logo depois com a mãe para a Inglaterra.

18h15: ¡Las Sandinistas! (¡Las Sandinistas!), de Jenny Murray (96'). EUA. Falado em espanhol, inglês. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 12 anos

20h15: Cafarnaum (Capharnaüm), de Nadine Labaki (120'). Líbano. Falado em árabe. Legendas em português. Indicado para: 16 anos.

Boluwatife Treasure Bankole e Zain Al Rafeea no filme libanês Cafarnaum (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Com o mesmo nome da cidade bíblica, o filme libanês Cafarnaum (2018) carrega em seu título o sentido dado posteriormente de dar a alcunha da localidade conturbada onde Jesus chegou a fazer alguns milagres para qualquer lugar em que haja tumulto ou desordem. E isso não falta no calvário de Zain (Zain Al Rafeea), o menino de 12 anos que protagoniza o novo longa da atriz e diretora Nadine Labaki, responsável por Caramelo (2007) e E Agora Onde Vamos? (2011). Aqui ela se coloca, atrás das telas e na frente dela, ao interpretar a advogada dele, como a salvadora do garoto.

Isso porque o argumento da produção é justamente o processo que Zain move contra os pais por terem o feito nascer, como mostra a abertura como um típico filme de tribunal, que vai e vem pontuando a narrativa em alguns momentos como dispositivo para puxar a trama principal: o que levou o pequeno até ali. O público é apresentado ao seu dia-a-dia de pequenos bicos de entregador de loja, carregador de mercadorias e vendedor de rua, enquanto vive com a numerosa família em um pequeno apartamento de um bairro pobre de Beirute, preparando Tramadol diluído nas roupas que levam para os parentes presos venderem como droga na cadeia. O estopim da revolta dele vem quando seus pais (Kawsar Al Haddad como a mãe e Fadi Yousef como o pai) obrigam sua amada irmã Sahar (Haita 'Cedra' Izzam), de apenas 11 anos, a se casar com um comerciante local Assaad (Nour El Husseini).

O menino foge de casa e, nas ruas, encontra um refúgio com a imigrante ilegal etíope Rahil (Yordanos Shiferaw) e o filho que ela esconde Yonas (na realidade, a bebê Boluwatife Treasure Bankole), com quem, por forças das circunstâncias do roteiro, é forçado a (sobre)viver como irmão. É interessante como Labaki estabelece um paralelo entre os estrangeiros refugiados e aqueles tão marginalizados pela sociedade que se transformam em refugiados dentro do próprio país. Um retrato que o Líbano pretende levar ao Oscar para tentar uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, graças à grande repercussão do longa no Festival de Cannes, onde saiu com o Prêmio do Júri.

Os aspectos técnicos da produção são realmente bem executados, com uma fotografia e montagens inquietas que se materializam na câmera na mão, na altura das crianças, com a urgência vista em Cidade de Deus (2002), por exemplo. Mais louvável ainda é o trabalho de direção de atores da cineasta libanesa, que trabalha, na maioria, com não-atores que trazem vivências semelhantes às dos personagens, extraindo deles um realismo – não necessariamente naturalismo – latente nas belas performances do pequeno Zain e até da bebê Boluwatife. O que pesa mais em Cafarnaum são as escolhas autorais de Labaki na medida em que explora a miséria ostensivamente e que, dependendo da sensibilidade do espectador, pode ser considerado o que se chama de um misery porn. Em comparação com o vencedor da Palma de Ouro e também selecionado nesta Mostra, o japonês Assunto de Família (2018) trata com mais complexidade e amabilidade os laços familiares em um clã de aproveitadores, um espaço que não é dado aqui para os pais do protagonista, sobrando apenas para a bela relação de Zain com Yonas o sopro de humanidade capaz de fazer o público pensar que eles, assim como tantas crianças na mesma situação, merecem sim o direito à vida.

 

DOMINGO - 04/11

14h: Vida Libre (La Vida Lliure), de Marc Recha (90'). Espanha. Falado em catalão. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 12 anos.

16h: A Casa (Bayit), de Amos Gitai (51'). Israel. Falado em hebraico, árabe. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português + Curta: Uma Carta Para Um Amigo Em Gaza (A Letter To A Friend In Gaza), de Amos Gitai (34'). Indicado para: 12 anos.

18h: A Árvore dos Frutos Selvagens (Ahlat Agaci), de Nuri Bilge Ceylan (188'). Turquia, França, Alemanha, Bulgária. Falado em turco. Legendas em português. Indicado para: 14 anos

21h30: Vidas Duplas (Doubles Vies), de Olivier Assayas (107'). França. Falado em francês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.

Juliette Binoche e Guillaume Canet em cena da comédia francesa Vidas Duplas (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Em cima de embates e dualidades, Olivier Assayas constrói, através de muitos diálogos e algumas ações na intimidade, o seu novo filme Vidas Duplas (2018). Exibido nos festivais de Veneza e Toronto, a comédia francesa versa de forma verborrágica sobre dilemas da contemporaneidade, de uma sociedade sob o impacto dos avanços tecnológicos vendo a era digital consumir sua experiência analógica. Enquanto isso, sua trama trata individualmente da vida pública e daquela que se esconde até dos mais íntimos, numa dicotomia que se estende sobre os limites borrados entre ficção e realidade do qual a obra também debate.

Para comentar sobre isso, Assayas coloca dois homens em crises de meia-idade como representantes das crises que pretende discutir. Eles abrem o longa-metragem, em um almoço de muitas palavras e poucos, mas constrangedores, silêncios que apresentam o editor Alain (Guillaume Canet) e o escritor Léonard (Vincent Macaigne), no momento em que o primeiro já não aguenta mais o egocentrismo autoral do segundo, disfarçado de autoficção e que expõe as mulheres com quem se relaciona, e decide não publicar seu próximo livro. Depois, descobrimos suas esposas, respectivamente, a renomada atriz Selena (Juliette Binoche) que está cansada de seu papel de “especialista em situações de crise” em uma série policial que já se encontra na quarta temporada e a dedicada assessora de um político, Valérie (Nora Hamzawi), além das relações entre esses e outros personagens e seus casos extraconjugais.

Sendo Alain um editor aberto às mudanças do mundo digital para não ficar para trás, mas não crendo em um domínio absoluto, tem-se no cenário francês, com sua cultura muito arraigada às tradições, o cenário perfeito para esses debates sobre o mercado editorial e as artes em geral, que obviamente respingam nos próprios embates do cinema na atualidade em era de digitalização e streaming, em forma de conversas triviais de jantares e encontros entre pessoas ligadas ao ramo. A verborragia não se torna cansativa porque é construída sob diálogos volumosos, mas cortantes; rápidos, mas reflexivos; e muitas referências, com destaque para a inclusão do filme A Fita Branca (2009) de Michael Haneke e da própria figura de Binoche nestas adoráveis discussões. É claro, porém, que elas são feitas sob medida para o público-alvo de uma comédia francesa e/ou de arte e uma plateia mais heterogênea perceberia facilmente como o excelente texto tão bem entoado pelo ótimo elenco disfarça uma trama e direção mais preguiçosas de Assayas.

 

SEGUNDA - 05/11

14h: La Hora de Los Hornos (La Hora de los Hornos), de Fernando E. Solanas, Octavio Getino (260'). Argentina. Falado em espanhol, inglês, português. Legendas em francês, inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.

18h45: De Pai para Filho (Father To Son), de Ya-Chuan Hsiao (115'). Taiwan. Falado em mandarim. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 16 anos.

21h: Infiltrado na Klan (Blackkklansman), de Spike Lee (135'). EUA. Falado em inglês. Legendas em português. Indicado para: 14 anos.

Adam Driver e John David Washington no filme Infiltrado na Klan (Blackkklansman, 2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Em seu novo filme, o cineasta Spike Lee versa sobre o papel do cinema na manutenção ou enfrentamento de uma desigualdade racial tão evidente agora quanto nos anos 1970 em que se passa a história real em que se inspirou. Baseado no livro autobiográfico e homônimo do próprio investigador Ron Stallworth, Infiltrado na Klan (2018) resgata o caso deste que foi o primeiro policial negro da polícia de Colorado Springs e que, com a ajuda de um companheiro de departamento, adentra e se torna membro da Ku Klux Klan, organização norte-americana que prega a supremacia branca, para ter conhecimento de suas ações. Citando o importante em linguagem e técnica, porém, controverso para dizer o mínimo em seus preconceitos, O Nascimento de uma Nação (1915), e contrapondo com os títulos e até utilizando o estilo da Blaxploitation, especialmente na sequência final, o diretor traça um panorama com duras críticas ao racismo nos Estados Unidos, fatores que levaram a produção a receber o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano.

Sua direção já começa a imprimir uma marca quando John David Washington – sim, ele é filho de Denzel – na pele do protagonista, já aprendendo a arte de se infiltrar, tem contato com os discursos de um ex-Pantera Negra (Corey Hawkins) e a jovem ativista Patrice (Laura Harrier) em um encontro de jovens universitários afro-americanos, cujos rostos de descoberta de sua própria beleza, força e resistência são destacados sob um fundo preto. Mas a assinatura de Lee, deixada lá em seu filme-chave Faça a Coisa Certa / Do the Right Thing (1989), com os planos holandeses, aqueles tortos em diagonal, surgem a partir do segundo ato, quando a situação fica mais tensa e crítica na investigação dele e do judeu Flip Zimmerman (Adam Driver), que encarna o “Ron Stallworth branco”, criado pelo original em ligações ao chefe regional da Ku Klux Klan (Ryan Eggold) e inclusive ao grão-mestre da KKK David Duke (Topher Grace). Tal qual sua obra-prima, utiliza o tom cômico para falar de racismo, seguindo o caminho da ridicularização – sem a redenção presente em Três Anúncios Para um Crime (2017), por exemplo – em vez de uma vilanização melodramática dos membros da organização; uma opção que quebra barreiras para atingir o seu objetivo, mas que em tempos de falta de interpretação e exercício de escuta ao diálogo, gere certa rejeição e falta de identificação do espectador que compartilha das mesmas ideias dos inimigos da tela.

O roteiro escrito pelo cineasta ao lado de Charlie Wachtel, David Rabinowitz e Kevin Willmott é inteligente nas menções (in)diretas a Donald Trump, como o uso do slogan “America First” e a fala sobre um plano de colocar alguém da organização na Casa Branca, mas recaí em alguns momentos, junto com a direção, em um didatismo que retira certo impacto desse equilíbrio de denúncia satírica da narrativa, a exemplo da montagem que precisa “desenhar” para o espectador o discurso já claro do longa ao intercalar a cerimônia do grupo supremacista branco e o relato de um senhor sobre racismo na reunião dos estudantes negros. A mão pesada naquele trecho era desnecessária já que Lee endereça o seu recado de maneira mais pungente ao final, jogando na cara da plateia – que na sessão para a imprensa (novidade, só que não!), era quase em sua totalidade branca – a realidade contemporânea com as imagens das manifestações dos supremacistas e ataque aos que se opunham a ela na cidade de Charlottesville, na Virgínia, em agosto do ano passado, mostrando o David Duke da vida real e as falas condescendentes de Trump a eles. O paralelo com o cenário brasileiro atual é inevitável, ainda mais agora com a própria KKK opinando até sobre um dos nossos candidatos à presidência.

 

TERÇA - 06/11

14h: O Enterro de Kojo (The Burial Of Kojo), de Blitz Bazawule (80'). Gana. Falado em akan, inglês. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 16 anos.

Joseph Otsiman no filme ganês O Enterro de Kojo (2018) | Foto: Divulgação

Representante do longínquo, tanto fisicamente quanto em termos de conhecimento, cinema de Gana, O Enterro de Kojo (2018) é um filme que estampa dualidades de várias formas, nem sempre eficientes, mas honestas o suficiente para o espectador relevar suas falhas e dar uma chance a sua história. Trata-se do primeiro longa-metragem de Blitz Bazawule, ganês que mora nos Estados Unidos, mas que, por seu trabalho como músico de hip hop, é conhecido pela alcunha de Blitz The Ambassador. Talvez, essa dupla identidade influencie no fato da produção parecer ser comandada por dois diretores diferentes.

A história de longa disputa fraternal de Kojo (Joseph Otsiman) e seu irmão Kwabena (Kobina Amissah-Sam), que teve como ápice um acidente num casamento, é dependente da narração da filha do protagonista, Esi (Ama K. Abebrese, como adulta na voz off, e Cynthia Dankwa como a criança da trama) para tentar versar – às vezes, com sucesso, outras não – sobre dores e o sentimento de culpa bem reais em conjunto ao mundo mágico que une um imaginário infantil com crenças espirituais locais. Existe a realidade que conhecemos, o Reino do Meio, um mundo de cabeça para baixo onde vagam mortos que ainda não entraram na eternidade, e pássaros que trazem mensagens diferentes através dos sonhos da menina. Com uma estética praticamente videoclíptica, Blitz captura com beleza ímpar as imagens em slow motion para criar esta atmosfera onírica, contrastando fortemente com o amadorismo de câmera trêmula, até nos zooms, quando precisa lidar justo com a parte mais comum da narrativa.

15h50: O Segredo de Nápoles (Napoli Velata), de Ferzan Ozpetek (112'). Itália. Falado em italiano. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: Livre.

18h10: Sócrates (Sócrates), de Alex Moratto (71'). Brasil. Falado em português. Legendas em inglês. Indicado para: 14 anos.

19h50: Tornando-se Astrid (Unga Astrid), de Pernille Fischer Christensen (123'). Suécia, Dinamarca. Falado em sueco, dinamarquês. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 12 anos.

 

QUARTA - 07/11

14h: Estranhos da Paciência (Stranniki Terpeniya), de Vladimir Alenikov (103'). Rússia. Falado em russo. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.

16h10: Torre das Donzelas (Torre das Donzelas), de Susanna Lira (97'). Brasil. Falado em português. Legendas em inglês. Indicado para: 14 anos.

18h10: La Quietud (La Quietud), de Pablo Trapero (111'). Argentina. Falado em espanhol. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 18 anos.

Martina Gusman e Bérénice Bejo no argentino La Quietud (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Continuando com sua predileção por dinâmicas familiares, Pablo Trapero, diretor de O Clã (2015) e Família Rodante (2004), põe sua lente sobre os abastados Montemayor, em seu último filme La Quietud (2018). O título do longa exibido no Festival de Veneza diz respeito ao rancho de mesmo nome da família em questão, onde se passa a maior parte da trama e que desenrola de maneira paralela questões sobre a origem desta propriedade. No entanto, o nome da produção também sublinha, de forma irônica, a aparente tranquilidade que esconde segredos escusos neste núcleo familiar de classe alta.

O ataque súbito que acomete o pai Augusto (Isidoro Tolcachir), de quem a caçula e solteira Mia (Martina Gusman) é muito próxima, traz a filha mais velha Eugenia (Bérénice Bejo), diretamente de Paris, de volta ao rancho, para a alegria da mãe Esmeralda (Graciela Borges), que a tem como a favorita. A semelhança entre as duas irmãs, que não são gêmeas, é gritante e, especialmente, desconcertante no início, quando compartilham seus desejos escondidos em uma relação fraternal muito próxima, quase incestuosa, mas também competitiva. Desse relacionamento particular às relações extraconjugais e outras revelações posteriores, dominação e repressão sexual conduzem a narrativa de várias formas, além da política argentina, em particular, resquícios da ditadura no país pontuando desdobramentos importantes.

Trapero não esconde que se trata de um grande melodrama latino mais picante, mas sua narrativa novelesca é, no mínimo, envolvente. E isso não quer dizer que o cineasta deixe à parte seu lado autoral, assinalado nos pequenos apagões que atingem a propriedade, representando a decadência dessa aristocracia argentina e também pautando o emocional dos personagens. Gusman e Bejo são hipnotizantes na pele das protagonistas, mas, a partir de certo ponto, é Graciela Borges quem rouba a cena com sua performance arrasadora como a mãe deste clã.

20h20: Nuestro Tiempo (Nuestro Tiempo), de Carlos Reygadas (173'). México, França, Alemanha, Dinamarca, Suécia. Falado em espanhol, inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 18 anos.

*Programação sujeita a alterações

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