MOSTRA SP 2018 | Dia 7 – Juventude esquecida e outras dimensões
Atualizado: 16 de fev. de 2021
Um garoto vagando para buscar a sobrevivência dele e daqueles que ama n'A Rota Selvagem da vida, no novo filme de Andrew Heigh que chega neste sétimo dia da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Entre outros destaques desta quarta, em que se completa uma semana de Mostra, que se relacionam, ou não com com a produção norte-americana, o NERVOS também apresenta alguns curtas de realidade virtual que estão presentes nesta edição (The Sun Ladies, Metro Veinte: Cita Ciega, Micro Giants, Floodplain e Eyes in the Red Wind), como você vê a seguir:
(Lean on Pete, 2017)
Há uma América diferente, aquela que não quer ser vista pelos próprios norte-americanos e que é destacada pelo olhar estrangeiro do britânico Andrew Haigh em A Rota Selvagem (2017). Presente na seleção do Festival de Toronto do ano passado, o longa mais recente do diretor de 45 Anos (2015) aproxima o seu foco dos Charleys que coexistem ao redor deles – e de nós também – e não se dá conta. O garoto do filme é vivido por Charlie Plummer – que não é parente do Christopher Plummer –, cujo tour de force que internaliza com naturalismo no protagonista é a principal qualidade e atrativo da produção.
Adaptando o romance Leon on Pete (2010) de Willy Vlautin, Haigh gasta um bom tempo contextualizando a relação de Charley com o pai (Travis Fimmel) e com o cavalo Leon on Pete, que conhece ao começar a trabalhar com Del (Steve Buscemi) que treina cavalos de corrida. Várias desventuras na primeira metade da história farão o adolescente de apenas 15 anos partir de Portland para o estado de Wyoming em busca de sua tia (Alison Elliott), com que estabeleceu algum vínculo materno durante a sua infância. O que não quer dizer que outras não ocorrem na segunda parte, quando o que parece ser um tradicional drama de cavalos se torna também um road movie e a narrativa já sofre com a longa duração do que seria um filme por si só em sua primeira hora.
A obra possui igualmente toques de um faroeste desolador, com as paisagens descampadas belamente fotografadas por Magnus Nordenhof Jønck, e especialmente um coming of age. A transformação para uma vida adulta aqui vem de maneira precoce e através do sofrimento, que vão aos poucos recrudescendo o garoto, enquanto ele luta pela sobrevivência e daqueles que ama em quase um conto de amadurecimento. No entanto, sem sempre conseguir salvá-los ou a si próprio de um mundo egoísta e mau, acumula perdas que fazem alguns espectadores se questionarem se o cineasta apenas chega perto ou ultrapassa o limite da exploração da miséria.
> Sesc Campo Limpo – 24/10/2018 às 20h00
> Espaço Itaú Augusta 1 – 25/10/2018 às 16h00
> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 26/10/2018 às 18h00
> Sesc Osasco – Tenda – 26/10/2018 às 20h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 28/10/2018 às 18h50
> Reserva Cultural – Sala 1 – 29/10/2018 às 21h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 31/10/2018 às 19h30
(Friday's Child, 2018)
Exibido no festival South by Southwest (SXSW) deste ano, Friday’s Child (2018) é o segundo longa do diretor A.J. Edwards, que estreou na função com um olhar sobre a infância de Abraham Lincoln em The Better Angels (2014). Subindo a sua faixa etária de interesse aqui, o cineasta independente norte-americano faz um coming of age cuja mudança é abrupta para o protagonista. Entrecortada por relatos de jovens no estilo de um docudrama, o prólogo apresenta Richie (Tye Sheridan, bem na introspecção de seu papel), um rapaz que acaba de completar 18 anos e precisa sair do orfanato para encarar logo a vida adulta.
O garoto aceita qualquer tipo de emprego para tentar pagar o aluguel, mas quando as coisas apertam, o instinto de sobrevivência e experiências passadas de tomar a via mais fácil o levam a atitudes extremas. Nisso, dois personagens cruzam o caminho dele, quase como a personificação do anjinho e do demônio na cabeça do protagonista. O junkie Swin (Caleb Landry Jones) é aquele que revela o lado mais obscuro de Richie e também a parte mais entediante para o espectador, enquanto Joan (Imogen Poots, a melhor no filme) que, sem querer, o resgata em um momento de fuga, é quem o acalma e lhe mostra o amor, além de ser a única saída de redenção para ele, ainda que isso signifique perde-la.
Editor de filmes do Terrence Malick, é clara a influência do cinema do mestre na forma como o novato constrói a sua narrativa, da câmera à montagem. Com uma steady cam perambulante, sua lente sempre está muito próxima do rosto dos personagens, especialmente o protagonista, como se estivessem diante de uma visão distorcida de seu próprio mundo. A saída melodramática do roteiro em seu terceiro ato contradiz um realismo etéreo obtido até então, mas igualmente gera um interesse final em uma narrativa claudicante. Por fim, se a culpa consome o rapaz, paira também uma espécie de culpa coletiva da sociedade com o(s) órfão(s) ao não conseguir um lar definitivo para ele – o garoto, aliás, aprendeu a arrombar fechaduras com um dos vários pais adotivos que teve – e não lhe dar o apoio necessário ao sair da guarda do Estado, porém, a obra nunca chega à maioridade ao tratar deste tema, como Temporário 12 / Short Term 12 (2013) já fez muito bem.
> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 24/10/2018 às 17h10
> Espaço Itaú Augusta 1 – 27/10/2018 às 17h40
Realidade Virtual – Sessão 5
Devido ao sucesso da primeira mostra de realidade virtual, que integrou a programação da edição passada da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, uma nova seleção foi preparada neste ano, trazendo inclusive destaques do gênero que foram exibidos em vários festivais internacionais. Divididos em sessões que, às vezes, tem mais a ver com o tempo de uma hora da experiência, do que por afinidade temática, os curtas-metragens em VR vão apresentando a experimentação dos realizadores no uso da narrativa, estética e interatividade a partir desta tecnologia. Veja agora alguns detalhes e comentários dos títulos presentes na Sessão 5:
Dos cinco curtas presentes na sessão, Sun Ladies (The Sun Ladies, 2018) é aquele que mais teletransporta o espectador como observador do ambiente e personagens desta produção norte-americana. O documentário de Christian Stephen e Celine Tricart tem a atriz Maria Bello dando voz à capitã Xate Singali que, em resposta ao ataque do Estado Islâmico à comunidade de Sinjar, no Iraque, onde mataram os homens e levaram as mulheres como escravas sexuais em 2014, formou o grupo de resistência feminina Sun Ladies. Exibido em Sundance, no South by Southwest (SXSW) e no HotDocs, o filme ainda usa animação para representar a força destas mulheres que lutam contra todas as adversidades no deserto.
Outro destaque é o curta argentino Metro Veinte: Cita Ciega (Metro Veinte: Cita Ciega, 2018), exibido no último Festival de Veneza. O filme ficcional de Maria Belén Poncio é de grande delicadeza ao retratar a vida de uma adolescente tetraplégica que, no fervor natural de sua idade, deseja explorar sua sexualidade e marca um encontro com um belo rapaz que conheceu após dar um match no aplicativo. Inserindo animações em grafismos na tela que revelam os desejos da garota na expectativa dela para o encontro, a montagem intercala as estranhezas dos outros e a acessibilidade em seu caminho com a sua interação com o jovem.
O mais vertiginoso dos cinco títulos é a animação chinesa Micro Gigantes (Micro Giants, 2017) presente em Sundance, neste ano. O curta de Yifu Zhou joga o espectador em cima de folhas, em voos pela floresta e na teia de uma aranha ao acompanhar uma joaninha e outros insetos e animais naquele habitat. Como se colocasse uma lupa nestes animais microscópicos – o que é um pouco aterrorizante para quem tem zoofobia –, o filme brinca com a relação entre presa e predador de uma cadeia alimentar.
Já o turco Inundação (Floodplain, 2018) parece um curta VR do tailandês Apichatpong Weerasethakul com sua história de uma árvore que adormece – ou os leva para outra dimensão? – os homens que se aproximam. Apesar do diretor Deniz Tortum usar muito bem a espacialidade em sua mise-en-scène em 360°, o filme também exibido em Veneza não consegue ser totalmente efetivo em usar essa narrativa fantástica a partir deste dispositivo.
Indo pelo mesmo caminho da fantasia de horror, o sul-coreano Olhos Contra o Vento Vermelho (Eyes in the Red Wind, 2018) acompanha um ritual xamanístico realizado em um barco pela alma de um homem que se afogou. O curta de Sngmoo Lee, presente também em Sundance, coloca o espectador como um mero observador no alto, abaixando o ponto de vista lentamente e só provocando a imersão na ação quando o ente querido canalizado pelo xamã dá o seu recado em um clímax sanguinário, embora a própria obra não tenha muito o que dizer.
Sun Ladies (2018) | Metro Veinte: Cita Ciega (2018) | Micro Gigantes (2017) | Inundação (2018) | Olhos Contra o Vento Vermelho (2018)
De 18 a 31 de outubro
Horários: 14h30, 15h30, 16h30, 17h30, 18h30, 19h30 e 20h30
Onde: CineSesc - Auditório (rua Augusta, 2075)
Quanto: entrada gratuita, com retirada de ingressos na bilheteria do local —1h30 de antecedência para quem possui credencial plena do Sesc e 1h antes para os demais
*A entrada será feita em grupos com até 7 pessoas
**Os títulos são exibidos no idioma original e/ou com legenda em inglês
(Kaotični Život Nade Kadić, 2018)
Exibido no Festival de Berlim, a coprodução entre México e Bósnia-Herzegovina chamada A Caótica Vida de Nada Kadic (2018) marca a estreia da diretora mexicana Marta Hernaiz Pidal em longas. Com um roteiro escrito em conjunto com a atriz principal Aida Hadžibegović, o seu début se destaca pelo estilo documental que emprega ao retratar o cotidiano desta mãe solteira com sua filha autista Hava, interpretada pela pequena Hava Đombić, realmente uma menina que tem autismo. Isso porque a personagem do filme, por ser muito pequena, não recebeu um diagnóstico final dos médicos, o que dificulta a vida de Nada Kadic em conseguir o tratamento adequado para a garota.
A burocracia bósnia neste quesito, aliás, tem papel importante na trama, que assim como outras produções de países vizinhos, retratam os Balcãs como uma região ainda presa ao passado, com nações em uma eterna fase de transição, a exemplo do que pontua o macedônio O Ingrediente Secreto (2017), que as mantém atrasadas. Neste sentido, a omissão do Estado em dar a ajuda que lhes é de direito, e de outras instâncias como a creche, contrasta com a intromissão de pessoas alheias na educação que deve dar à filha, sem compreender sua situação. Caótica em sua simplicidade retratada por Hernaiz Pidal, que foge de um roteiro mirabolante que injete ainda mais caos na vida da protagonista, embora perca em ritmo, a vida de Nada Kadic gera uma agonia no espectador, não só nos momentos ruidosos, que traduzem a percepção dos autistas aos estímulos externos, mas especialmente nos silêncios figurativos que demonstram que mãe e filha só têm uma a outra neste mundo verdadeiramente caótico.
> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 24/10/2018 às 20h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 31/10/2018 às 15h30
(El Creador de Universos, 2017)
Primeiro filme que a uruguaia Mercedes Dominioni realiza, El Criador de Universos (2017) é um documentário familiar na tela e por trás dela, embora não fique certo qual o grau de parentesco da jovem cineasta que tem o mesmo sobrenome dos personagens em destaque. São eles o jovem Juan, de 16 anos e com Síndrome de Asperger – embora este diagnóstico esteja na sinopse e não declarado no longa – e sua vó Rosa, de 96 anos, com quem grava os filmes e telenovelas que cria. Esses universos que o adolescente com medo de virar adulto imagina, dirige e dá vida têm tramas folhetinescas, com as vinganças e vilanias que ele assiste na TV, e apesar de todo amadorismo, carrega algumas noções básicas de narrativa e, no subconsciente, a relação que extrema necessidade é, às vezes, repulsa, que estabelece com a avó.
Além dessa metalinguagem do dispositivo do documentário em acompanhar prioritariamente essas filmagens, a produção retrata o cotidiano de alguém com Asperger e a velhice. Em sua maneira meio obsessiva, típica do espectro autista do qual a síndrome faz parte, Juan não enxerga o cansaço da avó. Sabiamente, em certo ponto do longa, Mercedes muda o foco de sua atenção, literal e figurativamente, com o protagonismo saindo do jovem para ir à Rosa, cujo talento e carisma é evidente já na pequena câmera do neto, mas apenas a lente da diretora transparece o peso da morte que aquela senhora está sentindo cair sobre ela.
> Cinusp ECA – 24/10/2018 às 19h00
> PlayArte Marabá – Sala 4 – 28/10/2018 às 13h00
(El Ángel, 2018)
É com o jovem protagonista dançando ao som de um rock argentino, num estilo parecido ao da nossa Jovem Guarda, mas em uma casa que ele invadiu, que Luis Ortega abre e encerra o seu novo longa, O Anjo (2018). Escolhido como o representante da Argentina na disputa por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – estatueta que já foi conquistada pelos vizinhos com O Segredo dos Seus Olhos (2009) –, a produção traz para as telas uma cinebiografia do mais jovem assassino em série da História da Argentina. O estreante no cinema Lorenzo Ferro é quem encarna o rapaz que foi apelidado pela mídia local, no início dos anos 1970, de "Anjo Negro" ou "Anjo da Morte", com sua aparência angelical de cachinhos loiros e ficha corrida demoníaca.
Tanto a música quanto o trabalho competente da direção de arte, figurino, cabelo e maquiagem promovem a ambientação da história um pouco ficcionalizada deste jovem de 17 anos, que tinha como hobbie invadir casas e roubar alguns pertences para dar de presente aos pais, namorada, amigos ou a si mesmo. Mas quando conhece e faz amizade de um jeito, no mínimo, inusitado com o colega de escola Ramón (Chino Darín), aprende a manejar uma arma com o pai dele e, juntos, começam a planejar roubos maiores e que acabam se tornando mais letais. Ortega faz questão de frisar a tensão sexual entre os parceiros de crime, frisando o interesse de Carlitos pelo cúmplice – que, na vida real era Jorge Ibáñez e também teve o mesmo destino duvidoso – a partir das dúvidas levantadas sobre a sua sexualidade na época.
Apesar das quase duas horas de filme, a duração dele não é sentida graças a sua narrativa envolvente embora convencional. Mas quando chega o desfecho, a sensação de que faltou algo é iminente. Assim como o seu protagonista que dança, a obra trata tudo como uma diversão de um jovem rebelde, sem que o público veja, de fato, a face mais demoníaca deste anjo, que tem em sua ficha criminal, por exemplo, o crime de estupro também.
> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 24/10/2018 às 18h45
> Cinesala – 29/10/2018 às 20h00
> Espaço Itaú Augusta 1 – 30/10/2018 às 18h45
> Reserva Cultural – Sala 1 – 31/10/2018 às 14h00
(The Favourite, 2018)
Escolhido para abrir esta 42ª edição da Mostra, A Favorita (2018) tem como chamariz para o grande público o Grande Prêmio do Júri em Veneza, além do Copa Volpi de Melhor Atriz a Olivia Colman, que faz companhia a Rachel Weisz e Emma Stone no elenco. Mas para os mostreiros de longa data, o diretor grego Yorgos Lanthimos já é conhecido há muito tempo, desde suas obras marcantes na terra natal, como Dente Canino (2009). Fazendo uma ótima estreia em língua inglesa com O Lagosta (2015) e seguindo com O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), o cineasta conhecido por sua singularidade e excentricidade cinematográfica faz deste seu filme mais palatável.
O roteiro de Deborah Davis e Tony McNamara remonta ao início do século XVIII, criando uma Rainha Anne da Inglaterra, vivida em toda a sua fragilidade física e emocional por Olivia Colman – que recebe no cinema a grade chance que a televisão britânica já lhe tem dado –, da qual Sarah (Rachel Weisz), a Lady de Marlborough sempre se aproveitou para manipulá-la, até a chegada de sua prima Abigail, ex-dama da sociedade que se trona criada e aproveita as brechas para tomar o lugar da familiar. A narrativa traz a velha disputa feminina renovada pelo fato de que o trio, especialmente Sarah e Abigail, não brigam por um homem e sim por status, liderança – o reino está com uma guerra em curso contra a França –, sexo e amor, revelando a força dessas protagonistas e de suas atrizes, além da comédia de época que sempre se pode extrair destes jogos de poder. Embora seja longo, as suas duas horas de duração só são sentidas nos capítulos finais – são oito, todos com títulos impagáveis – para quem se deixa levar pelos diálogos tão cortantes do roteiro, que tem toda aquela sagacidade seca e elegante britânica que parece saída de um Jane Austen fazendo uma versão para maiores de Lady Susan (1871) não na aristocracia inglesa, mas na realeza.
Filmado em 35 mm, o filme conta com a fotografia de Robbie Ryan que, aliada à direção de Lanthimos, brinca várias vezes com uma lente grande angular e jogam com a profundidade de campo para apresentar os grandes salões do palácio. Yorgos ainda utiliza o contra-plongée de maneira mais evidente no início do longa e diminui no decorrer dele representando esse desejo por ascender socialmente ou se manter no topo que rege essas personagens, inclusive as masculinas que disputam o poder no Parlamento. A versão original de Skyline Pigeon (Harpsichord Version) ao som de cravo e órgão é a cereja do bolo nos créditos finais, não só conferindo mais um tom cômico à obra que tem muitas aves abatidas como também enxergar nelas esses pombos que querem se libertar de certas amarras sociais.
> Cinearte Petrobras 1 – 24/10/2018 às 21h30
(Rafiki, 2018)
Um achado da mostra Un Certain Regard do último festival de Cannes, Rafiki (2018) é um filme que gera curiosidade desde o primeiro momento que o cinéfilo tem contato, por se tratar de um exemplar recente de uma cinematografia que não se tem muito acesso aqui: a do Quênia. Não bastasse isso, a diretora Wanuri Kahiu apresenta um olhar renovado para a juventude queniana, infundindo seu segundo longa de um colorido que não vem apenas de cores primárias, mas também do neon, com predominância do rosa na sua paleta de cores. Aplicando uma estética de videoclipe à produção que já conta com nomes da cena pop local na trilha sonora, a cineasta deixa isso mais evidente nas cenas de dança da jovem e estilosa Ziki (Sheila Munyiva), remetendo alguns espectadores até a alguns segmentos do filme-clipe Dirty Computer da Janelle Monáe.
As suas coreografias também hipnotizam a protagonista Kena (Samantha Mugatsia), uma tomboy da periferia da capital Nairobi, embora ninguém ao seu redor a veja dessa forma. Até que a proximidade das duas gere fofoca, caracterizada na dona de uma barraca de lanches e sua filha, e desconforto no microcosmo apresentado pelo longa baseado em um conto da escritora ugandense Monica Arac de Nyeko. Comparado com outros filmes LGBT, não há muita originalidade nesta história, cujo romance até tem toques de Romeu e Julieta com as personagens sendo filhas de políticos rivais que estão em plena disputa nas eleições locais, além do tom de tragédia que acompanha muitos longas do gênero, especialmente lésbicos.
O preconceito e a homofobia ficcionais, porém, não são infundadas quando a própria produção foi banida de seu país de origem, onde a homossexualidade é criminalizada. Mas ainda que não houvesse esse tempero externo, o simples fato de ser um filme queer africano já gera interesse, enquanto a ótima construção do casal e a química visível das atrizes jé suficiente para se encantar por Rafiki. A obra ainda ganha mais contornos em seus comentários sociais como do pai mais compreensivo do que a mãe religiosa, que se refugiou na fé intransigente após o ex-marido se separar dela e deixá-la em má situação perante a comunidade; ou nas diferenças de classe, mesmo num gueto de Nairobi e que a riqueza ali pareça pouca coisa para nossos padrões.
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 24/10/2018 às 16h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 29/10/2018 às 13h30
(Ava, 2017)
A tensão crescente marca a narrativa de Ava (2017), primeiro longa de Sadaf Foroughi. A jovem cineasta iraniana ultrapassa os limites de um coming of age convencional justamente ao retratar um ambiente que restringe este crescimento da adolescente em questão. Sintetizando a repressão feminina no país do Oriente Médio, esta coprodução entre Irã, Canadá – onde a diretora está baseada, atualmente – e Catar venceu o Prêmio FIPRESCI, dado pela crítica internacional no Festival de Toronto do ano passado, quando também levou a menção honrosa de Melhor Primeiro Filme Canadense.
A personagem-título, vivida intensamente pela estreante Mahour Jabbari, é uma garota iraniana de 17 anos, filha de um pai atencioso (Vahid Aghapoor), mas muito ausente por conta de suas viagens de trabalho, e de uma mãe super controladora (Bahar Noohian). O início de sua derrocada moral e emocional começa quando ela diz que vai estudar na casa de Melody (Shayesteh Sajjadi), mas sai de lá para se encontrar com um colega da aula de música, Nima (Houman Hoursan), em quem está interessada por ene motivos. Nada acontece de fato no encontro no parque – eles nem se dão as mãos –, a não ser um atraso que faz sua mãe descobrir que ela não está no lar da melhor amiga e dar origem a uma grande discussão.
Chegando ao cúmulo de levar Ava no ginecologista para verificar se ela ainda é virgem, sua mãe ainda levanta acusações à Melody e sua progenitora, porque os pais da menina estão separados, que acabam complicando a vida da melhor amiga da garota em um primeiro momento, até que a fofoca na escola exclusivamente feminina respinga gravemente em sua própria filha, com as coisas saindo do controle em um lugar onde o conservadorismo e o machismo imperam. O pai muito benevolente, por exemplo, não pensa duas vezes antes de colocar a culpa na esposa, não pelos motivos certos de sua leviandade, pelo que está acontecendo com sua rebenta. Os dois representam tantos pais que tiveram a mesma “rebeldia” ou até maior, quando adolescentes, e agora reprimem seus filhos, o que ainda revolta mais a protagonista.
O crescente de tensão que recaí sobre Ava, que em um pico de stress toma uma atitude impensada na interessante cena da tesoura, incide no público que fica preso à narrativa. Mesmo pesando a mão nos agentes que estão contra sua protagonista, o roteiro escrito pela própria Foroughi, não deixa de dar complexidade à adolescente, que também é teimosa e orgulhosa em momentos que só a prejudicam ainda mais. Contudo, é na direção que a cineasta iraniana chama mais atenção em seu début, com o uso constante de espelhos e da personagem entrando em foco em sua mise-en-scène, como se essa imagem refletida e/ou desfocada simbolizasse essa imagem que erroneamente criam da garota no decorrer da história.
> Espaço Itaú Augusta 1 – 24/10/2018 às 20h40
> Cinesala – 30/10/2018 às 18h20
(Zimna Wojna, 2018)
Após fazer produções internacionais e de língua inglesa, como o romance lésbico Meu Amor de Verão (2004), Pawel Pawlikowski voltou as suas origens polonesas, fazendo seu primeiro filme no país onde viveu até os 14 anos com Ida (2013) e dando à Polônia o seu primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não por menos, seu novo trabalho Guerra Fria (2018), que rendeu a ele o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes, foi escolhido novamente escolhido para representar a nação, mostrando outro fantasma de seu passado recente. Sai o não-dito sobre o nazismo que é tratado no anterior para falar das marcas do regime comunista polonês no roteiro escrito pelo cineasta com Janusz Glowacki.
O longa começa no interior da Polônia, em 1949, com flashes da pesquisa de Irena (Agata Kulesza) e Wiktor (Tomasz Kot) entre os camponeses de músicas típicas. O público depois entende que ela serve para a montagem de uma peça musical inspirada na música folclórica polonesa, da qual a esperta Zula (Joanna Kulig) se destaca na audição, chamando a atenção do pianista e arranjador Wiktor. É então que o cerne do filme se apresenta, como um romance que passeia por vários anos, especialmente a década de 1950 e também a de 1960, e locais.
Isso porque a turnê do espetáculo viaja por vários países do Leste Europeu, indo de Berlim Oriental a Moscou com toda a exaltação stalinista, e também a antiga Iugoslávia do Marechal Tito, além da Paris onde o pianista se refugia da censura velada do governo que obriga os artistas a cantarem os feitos do socialismo na região mesmo sem contextualização dentro da obra. A direção de Pawlikowski e a fotografia de Łukasz Żal, que volta a trabalhar com ele depois de Ida, traz não só o mesmo o preto e branco, como os planos com os rostos nos cantos inferiores da tela, explorando todo o fundo e representando a impotência dos personagens em um cenário de austeridade. No entanto, quando o casal consegue romper a Cortina de Ferro e se livrar de amarras espaciais e políticas, eles mesmos jogam uma cortina de fumaça sobre erros e coisas que precisam ser discutidas em um relacionamento, colocando barreiras para o próprio amor, que vai pedir contas disso depois como já é uma sina de amores impossíveis.
Uma curiosidade final é que Pawel dedica a obra aos seus pais, talvez pelo fato de ter conhecido esse modo de vida nômade quando o pai de origem judia foi obrigado a sair da Polônia por conta de uma política antissemita e emigrou logo depois com a mãe para a Inglaterra.
> Cinearte Petrobras 1 – 24/10/2018 às 16h00
> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 26/10/2018 às 13h30
> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 14h00
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