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Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2018 | Dia 4 – A guerra fria do amor, o feminino repreendido e a burocracia dos Balcãs

Atualizado: 16 de fev. de 2021


Mostra SP 2018 - Dia 4: Guerra Fria | Ava | A Caótica Vida de Nada Kadic | O Ingrediente Secreto | Sofia | Fotos: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

O quarto dia da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo apresenta o premiado filme polonês Guerra Fria, saga romântica que deu o prêmio de direção a Pawel Pawlikowski em Cannes, além de dramas femininos na repressão das sociedades muçulmanas no marroquino Sofia e no iraniano Ava, e na rotina materna extasiante do bósnio A Caótica Vida de Nada Kadic, que junto com a dramédia macedônia O Ingrediente Secreto dão um vislumbre da eterna aura de transição que paira sobre os países da ex-Iugoslávia e da burocracia balcânica. Conheça estes e outros destaques deste domingo:

 

(Zimna Wojna, 2018)

Tomasz Kot e Joanna Kulig no polonês Guerra Fria (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Após fazer produções internacionais e de língua inglesa, como o romance lésbico Meu Amor de Verão (2004), Pawel Pawlikowski voltou as suas origens polonesas, fazendo seu primeiro filme no país onde viveu até os 14 anos com Ida (2013) e dando à Polônia o seu primeiro Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Não por menos, seu novo trabalho Guerra Fria (2018), que rendeu a ele o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes, foi escolhido novamente escolhido para representar a nação, mostrando outro fantasma de seu passado recente. Sai o não-dito sobre o nazismo que é tratado no anterior para falar das marcas do regime comunista polonês no roteiro escrito pelo cineasta com Janusz Glowacki.

O longa começa no interior da Polônia, em 1949, com flashes da pesquisa de Irena (Agata Kulesza) e Wiktor (Tomasz Kot) entre os camponeses de músicas típicas. O público depois entende que ela serve para a montagem de uma peça musical inspirada na música folclórica polonesa, da qual a esperta Zula (Joanna Kulig) se destaca na audição, chamando a atenção do pianista e arranjador Wiktor. É então que o cerne do filme se apresenta, como um romance que passeia por vários anos, especialmente a década de 1950 e também a de 1960, e locais.

Isso porque a turnê do espetáculo viaja por vários países do Leste Europeu, indo de Berlim Oriental a Moscou com toda a exaltação stalinista, e também a antiga Iugoslávia do Marechal Tito, além da Paris onde o pianista se refugia da censura velada do governo que obriga os artistas a cantarem os feitos do socialismo na região mesmo sem contextualização dentro da obra. A direção de Pawlikowski e a fotografia de Łukasz Żal, que volta a trabalhar com ele depois de Ida, traz não só o mesmo o preto e branco, como os planos com os rostos nos cantos inferiores da tela, explorando todo o fundo e representando a impotência dos personagens em um cenário de austeridade. No entanto, quando o casal consegue romper a Cortina de Ferro e se livrar de amarras espaciais e políticas, eles mesmos jogam uma cortina de fumaça sobre erros e coisas que precisam ser discutidas em um relacionamento, colocando barreiras para o próprio amor, que vai pedir contas disso depois como já é uma sina de amores impossíveis.

Uma curiosidade final é que Pawel dedica a obra aos seus pais, talvez pelo fato de ter conhecido esse modo de vida nômade quando o pai de origem judia foi obrigado a sair da Polônia por conta de uma política antissemita e emigrou logo depois com a mãe para a Inglaterra.

> CineSesc – 21/10/2018 às 22h10

> Espaço Itaú Augusta 1 – 22/10/2018 às 14h00

> Cinearte Petrobras 1 – 24/10/2018 às 16h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 26/10/2018 às 13h30

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 14h00

 

(Leto, 2018)

É com um plano-sequência da steady cam vindo dos bastidores para uma comportada plateia de um show de rock que se inicia o russo Verão (2018), filme de Kirill Serebrennikov que causou boa impressão em Cannes neste ano, embora o diretor de O Estudante (2016) não estivesse presente no festival por estar em prisão domiciliar na Rússia. Acusado de desvio de recursos, o realizador alega que tudo se trata de repressão ao seu discurso artístico. Não por menos, a sequência inicial já apresenta em ação o aparelho da censura do regime soviético naquela Leningrado do início dos anos 1980 que servem de cenário para o seu novo longa.

O objeto em questão é o início da carreira de Viktor Tsoi (1962-1990), que a frente da sua banda Kino, é considerado um pioneiro do rock russo. No entanto, Serebrennikov não está interessado em uma mera cinebiografia, mas sim em adotar algumas liberdades ficcionais e estéticas que captem o espírito do artista e de seus contemporâneos que, apesar da restrição governamental e de mal conseguirem viver de música, traziam o gênero musical dos "inimigos imperialistas" para uma a União Soviética. Para tanto, ele estabelece a trama como um triângulo amoroso, quando o jovem, interpretado por Teo Yoo, e seu colega de dupla conhecem o conhecido cantor de rock e blues Mayk Naumenko (Roman Bilyk), da banda Zoopark, e a esposa dele, Natasha (Irina Starshenbaum): como é previsível, ela se interessa pelo novato, mas, como não é comum em histórias assim, ele não poda o interesse da mulher, com quem vive em quartinho junto com o filho ainda bebê.

Verão, porém, é verborrágico esteticamente, de uma maneira totalmente condizente com o punk – e no caso de Viktor, também a New Wave que o influenciou – que aqueles jovens ouviam e se inspiravam. O preto e branco da bela fotografia de Vladislav Opelyants, é interrompido pela cor em momentos pontuais, com as filmagens em Super 8 num estilo documental ou em delírios. Do mesmo jeito, a "narrativa convencional" é rompida pelos momentos musicais, não os das apresentações deles em shows ou para os amigos, mas sequências como a do trem, com os personagens se rebelando contra a repressão ao som de Psicho Killer do Talking Heads e grafismos estilizados na tela, até certo personagem cético vir dizer que "isto não é verdade". Praticamente uma figura de um DJ/VJ, ele vai apresentando as músicas destes números irreais, que trazem clássicos do rock mundial, como The Passenger do Iggy Pop e All the Young Dudes da banda Matt The Hoople, além de Lou Reed, que é muito citado junto de Beatles, Blondie, Sex Pistols, T. Rex, Duran Duran, etc. Mas entre elas, porém, há as canções de Tsoi e Naumenko, introduzindo o público a todo um rock russo a ser descoberto.

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 21/10/2018 às 17h20

> Reserva Cultural 1 – 28/10/2018 às 19h20

 

(Sofia, 2018)

Cena do filme marroquino Sofia (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A repressão às mulheres nos países em que as leis do islamismo se confundem com as leis nacionais já é conhecida – e não quer dizer que não exista em outros lugares influenciados ou não por outras religiões –, mas a Mostra é aquela oportunidade anual de ver o cinema destes locais escancarando isso como um lembrete. Do Marrocos, vem o retrato de uma jovem de 20 anos, interpretada por Maha Alemi, que, em uma refeição em família e para discutir negócios do pai, descobre que está grávida e seu filho já vai nascer. Este é só o início de Sofia (2018), primeiro longa-metragem da cineasta Meryem Benm`Barek, que recebeu o prêmio de Melhor Roteiro na seção Um Certo Olhar (Un Certain Regard) no Festival de Cannes.

A presença da prima e médica Lena (Sarah Perles) é primordial para a garota que, por questões psicológicas, acabou tendo o que se chama de “negação da gravidez”. Com a câmera na mão e um estilo naturalista especialmente neste tenso início, o filme acompanha as duas indo para o hospital e depois, por causa da lei marroquina que obriga a dar a documentação do pai da criança em 24 horas para seu registro para não responderem criminalmente, atrás de Omar (Hamza Khafif), o nome do rapaz que Sofia dá o nome depois de muito esforço. Outros vários desdobramentos se desenvolvem na trama a partir disso, mas isso nem é o melhor do roteiro premiado de Meryem, embora haja o mérito de manter essa narrativa sempre instigante.

A chave do texto está na complexidade dos personagens, em suas qualidades e defeitos neste painel construído de uma sociedade machista e com diferenças sociais profundas, desde a família classe média de Sofia à tia rica Leila (Lubna Azabal) e à classe trabalhadora representada pelo clã de Omar. O abismo é materializado na tela, por exemplo, na cena do carro emparelhado ao ônibus. Mas também destilado nas atitudes de cada um, como a da libertária Lena, que apesar de todo um ingênuo progressismo imprimidos bem por Perles ao lado do desespero de Alemi na pele da protagonista, não pensa em nada disso antes de ter o pensamento conservador de sua classe privilegiada de que dinheiro resolve tudo.

> Espaço Itaú Augusta 1 – 21/10/2018 às 15h45

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 28/10/2018 às 22h00

> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 30/10/2018 às 19h45

 

(Ava, 2017)

Mahour Jabbari no filme iraniano Ava (2017) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A tensão crescente marca a narrativa de Ava (2017), primeiro longa de Sadaf Foroughi. A jovem cineasta iraniana ultrapassa os limites de um coming of age convencional justamente ao retratar um ambiente que restringe este crescimento da adolescente em questão. Sintetizando a repressão feminina no país do Oriente Médio, esta coprodução entre Irã, Canadá – onde a diretora está baseada, atualmente – e Catar venceu o Prêmio FIPRESCI, dado pela crítica internacional no Festival de Toronto do ano passado, quando também levou a menção honrosa de Melhor Primeiro Filme Canadense.

A personagem-título, vivida intensamente pela estreante Mahour Jabbari, é uma garota iraniana de 17 anos, filha de um pai atencioso (Vahid Aghapoor), mas muito ausente por conta de suas viagens de trabalho, e de uma mãe super controladora (Bahar Noohian). O início de sua derrocada moral e emocional começa quando ela diz que vai estudar na casa de Melody (Shayesteh Sajjadi), mas sai de lá para se encontrar com um colega da aula de música, Nima (Houman Hoursan), em quem está interessada por ene motivos. Nada acontece de fato no encontro no parque – eles nem se dão as mãos –, a não ser um atraso que faz sua mãe descobrir que ela não está no lar da melhor amiga e dar origem a uma grande discussão.

Chegando ao cúmulo de levar Ava no ginecologista para verificar se ela ainda é virgem, sua mãe ainda levanta acusações à Melody e sua progenitora, porque os pais da menina estão separados, que acabam complicando a vida da melhor amiga da garota em um primeiro momento, até que a fofoca na escola exclusivamente feminina respinga gravemente em sua própria filha, com as coisas saindo do controle em um lugar onde o conservadorismo e o machismo imperam. O pai muito benevolente, por exemplo, não pensa duas vezes antes de colocar a culpa na esposa, não pelos motivos certos de sua leviandade, pelo que está acontecendo com sua rebenta. Os dois representam tantos pais que tiveram a mesma “rebeldia” ou até maior, quando adolescentes, e agora reprimem seus filhos, o que ainda revolta mais a protagonista.

O crescente de tensão que recaí sobre Ava, que em um pico de stress toma uma atitude impensada na interessante cena da tesoura, incide no público que fica preso à narrativa. Mesmo pesando a mão nos agentes que estão contra sua protagonista, o roteiro escrito pela própria Foroughi, não deixa de dar complexidade à adolescente, que também é teimosa e orgulhosa em momentos que só a prejudicam ainda mais. Contudo, é na direção que a cineasta iraniana chama mais atenção em seu début, com o uso constante de espelhos e da personagem entrando em foco em sua mise-en-scène, como se essa imagem refletida e/ou desfocada simbolizasse essa imagem que erroneamente criam da garota no decorrer da história.

> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 21/10/2018 às 17h40

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 23/10/2018 às 15h30

> Espaço Itaú Augusta 1 – 24/10/2018 às 20h40

> Cinesala – 30/10/2018 às 18h20

 

(Rafiki, 2018)

Um achado da mostra Un Certain Regard do último festival de Cannes, Rafiki (2018) é um filme que gera curiosidade desde o primeiro momento que o cinéfilo tem contato, por se tratar de um exemplar recente de uma cinematografia que não se tem muito acesso aqui: a do Quênia. Não bastasse isso, a diretora Wanuri Kahiu apresenta um olhar renovado para a juventude queniana, infundindo seu segundo longa de um colorido que não vem apenas de cores primárias, mas também do neon, com predominância do rosa na sua paleta de cores. Aplicando uma estética de videoclipe à produção que já conta com nomes da cena pop local na trilha sonora, a cineasta deixa isso mais evidente nas cenas de dança da jovem e estilosa Ziki (Sheila Munyiva), remetendo alguns espectadores até a alguns segmentos do filme-clipe Dirty Computer da Janelle Monáe.

As suas coreografias também hipnotizam a protagonista Kena (Samantha Mugatsia), uma tomboy da periferia da capital Nairobi, embora ninguém ao seu redor a veja dessa forma. Até que a proximidade das duas gere fofoca, caracterizada na dona de uma barraca de lanches e sua filha, e desconforto no microcosmo apresentado pelo longa baseado em um conto da escritora ugandense Monica Arac de Nyeko. Comparado com outros filmes LGBT, não há muita originalidade nesta história, cujo romance até tem toques de Romeu e Julieta com as personagens sendo filhas de políticos rivais que estão em plena disputa nas eleições locais, além do tom de tragédia que acompanha muitos longas do gênero, especialmente lésbicos.

O preconceito e a homofobia ficcionais, porém, não são infundadas quando a própria produção foi banida de seu país de origem, onde a homossexualidade é criminalizada. Mas ainda que não houvesse esse tempero externo, o simples fato de ser um filme queer africano já gera interesse, enquanto a ótima construção do casal e a química visível das atrizes jé suficiente para se encantar por Rafiki. A obra ainda ganha mais contornos em seus comentários sociais como do pai mais compreensivo do que a mãe religiosa, que se refugiou na fé intransigente após o ex-marido se separar dela e deixá-la em má situação perante a comunidade; ou nas diferenças de classe, mesmo num gueto de Nairobi e que a riqueza ali pareça pouca coisa para nossos padrões.

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 21/10/2018 às 21h50

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 24/10/2018 às 16h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 3 – 29/10/2018 às 13h30

 

(The Miseducation of Cameron Post, 2018)

O vencedor do Grande Prêmio do Júri em ficção no Festival de Sundance deste ano é aquele exemplo de quando o contexto acaba ganhando mais pontos do que a ousadia e vigor estéticos e/ou narrativos na hora de escolher um título para premiar. Em si, O Mau Exemplo de Cameron Post (2018) é aquele filme correto em seus aspectos técnicos e com um bom elenco, que acaba chamando a atenção por tratar da polêmica “cura gay”. Baseado no livro homônimo de Emily M. Danforth, o segundo longa de Desiree Akhavan, responsável por Appropriate Behavior (2014) e séries que falam sobre sexualidade, tem como figura central de interesse uma instituição religiosa cristã que se apresenta quase como uma rehab para homossexuais, já que tratam orientação sexual como uma doença – aliás, nem citam direito o termo, tratando os “pacientes” como indivíduos com APMS, sigla para “atração por pessoas do mesmo sexo”.

A história ambientada em 1993 começa com a apresentação da adolescente Cameron Post (Chloë Grace Moretz) e seu relacionamento com a melhor amiga (Quinn Shephard), até que no dia do baile, o namorado (Dalton Harrod) pega as duas se beijando no carro e inicia o drama da protagonista, que é mandada pelos tios e responsáveis para este centro terapêutico controverso. Akhavan injeta um espírito juvenil em alguns momentos e certo humor em sequências como a da descrição do tal iceberg demonstrando como os colegas de tratamento foram parar lá ou nas falas totalmente errôneas e preconceituosas, para dar uma leveza para o que há de vir. Se, por exemplo, o sucesso one hit wonder daquele momento do 4 Non Blondes vem para aliviar o espectador ao mesmo tempo em que as letras de What’s Up? se encaixam perfeitamente àquela situação, a ótima cena é interrompida pela lembrança da coerção que deixará marcas irreparáveis para aqueles jovens.

Chloë está meio blasé até quase metade do longa, fazendo de sua Cameron uma adolescente desinteressada com o que está ao seu redor, mas aos poucos a crise começa a abater sua personagem e a atuação da atriz junto da empatia pela protagonista começam a crescer. No entanto, ela não sustenta o filme sozinha, sendo Sasha Lane e Forrest Goodluck ótimos como os amigos reticentes e rebeldes dentro do possível, Jane e Adam; Emily Skeggs – que parece uma irmã caçula da Carey Mulligan – dando ótimas nuances de conflito à colega de quarto Erin; assim como Owen Campbell faz com Mark em duas cenas-chave. Essa confusão interna também surge de maneira discreta na boa interpretação de John Gallagher Jr., como o Reverendo Rick, o primeiro “convertido” pela sua irmã terapeuta (Jennifer Ehle) e que contradiz no olhar o que fala para os internos.

> Cinearte Petrobras 1 – 21/10/2018 às 16h10

> Espaço Itaú Augusta 1 – 23/10/2018 às 14h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 25/10/2018 às 17h30

 

(Jose, 2018)

Um chinês que fez PhD de Biologia nos Estados Unidos e, a partir de determinado momento de sua carreira, resolveu fazer filmes, sendo o seu segundo longa rodado na Guatemala. Como afirmou em entrevista ao NERVOS, ao lado do corroteirista e produtor norte-americano George F. Roberson, o cineasta nômade Li Cheng acreditou ser urgente filmar a história de José (2018) no país da América Central para mostrar a realidade da população local e a grande homofobia presente lá. Adotando um realismo que primava pela observação e utilizando atores não profissionais – até pela questão que os profissionais não queriam se envolver com o projeto por causa de sua temática –, a produção venceu o último Leão Queer, prêmio dado ao melhor filme LGBT presente no Festival de Veneza.

O estreante Enrique Salanic vive o jovem personagem-título, que esconde ser gay, particularmente da mãe superprotetora e religiosa, que faz chantagem emocional, até de maneira inconsciente, para estar com ele por perto e prevenir que o rapaz caia “em pecado”. É aquele não-dito que cerca muitas relações entre mães e seus filhos homossexuais, com elas cientes da orientação sexual deles, mas o assunto nunca é posto à mesa, com a ambas as partes tentando evitar o inevitável. Mas é claro que isso ganha um aspecto a mais com a ênfase à forte presença das igrejas neopentecostais, em especial nas regiões mais carentes, em um fenômeno visto mais em evidência na América Latina.

O que José esconde da mãe e dos colegas de trabalho de uma lanchonete que funciona quase como um drive-thru ilegal, é que ele aproveita o final do expediente, intervalos ou dá até uma escapadinha para sair com contatos que mantém pelo celular, o seu companheiro inseparável. Até que o protagonista começa a se ater em um caso mais sério com Luis (Manolo Herrera), um rapaz vindo de uma região ainda mais pobre para trabalhar em uma construção realizada em uma das zonas mais importantes da capital, Cidade da Guatemala, mas que também sofre por ser homossexual, tendo sido agredido pelos irmãos – a violência, aliás, marca os personagens de várias maneiras, indo desde a homofobia aos desaparecimentos e mortes da época da guerra civil no país, que ainda se mantém como um dos mais violentos do mundo. O filme vai aos poucos perdendo seu ritmo, porém, em seu terceiro ato, passa a não ser apenas a trama de um jovem escondendo sua orientação sexual para ser uma história de amor universal, interrompida quando o seu amado desaparece.

> Espaço Itaú Augusta Anexo 4 – 21/10/2018 às 21h40

> Cinearte Petrobras 2 – 22/10/2018 às 14h00

> Circuito Spcine Olido – 31/10/2018 às 17h00

 

(Kaotični Život Nade Kadić, 2018)

Aida Hadžibegović e a pequena Hava Đombić em cena de A Caótica Vida de Nada Kadic (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Exibido no Festival de Berlim, a coprodução entre México e Bósnia-Herzegovina chamada A Caótica Vida de Nada Kadic (2018) marca a estreia da diretora mexicana Marta Hernaiz Pidal em longas. Com um roteiro escrito em conjunto com a atriz principal Aida Hadžibegović, o seu début se destaca pelo estilo documental que emprega ao retratar o cotidiano desta mãe solteira com sua filha autista Hava, interpretada pela pequena Hava Đombić, realmente uma menina que tem autismo. Isso porque a personagem do filme, por ser muito pequena, não recebeu um diagnóstico final dos médicos, o que dificulta a vida de Nada Kadic em conseguir o tratamento adequado para a garota.

A burocracia bósnia neste quesito, aliás, tem papel importante na trama, que assim como outras produções de países vizinhos, retratam os Balcãs como uma região ainda presa ao passado, com nações em uma eterna fase de transição, a exemplo do que pontua o macedônio O Ingrediente Secreto (2017), que as mantém atrasadas. Neste sentido, a omissão do Estado em dar a ajuda que lhes é de direito, e de outras instâncias como a creche, contrasta com a intromissão de pessoas alheias na educação que deve dar à filha, sem compreender sua situação. Caótica em sua simplicidade retratada por Hernaiz Pidal, que foge de um roteiro mirabolante que injete ainda mais caos na vida da protagonista, embora perca em ritmo, a vida de Nada Kadic gera uma agonia no espectador, não só nos momentos ruidosos, que traduzem a percepção dos autistas aos estímulos externos, mas especialmente nos silêncios figurativos que demonstram que mãe e filha só têm uma a outra neste mundo verdadeiramente caótico.

> Espaço Itaú Augusta Anexo 4 – 21/10/2018 às 16h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 24/10/2018 às 20h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 31/10/2018 às 15h30

 

(El Creador de Universos, 2017)

Primeiro filme que a uruguaia Mercedes Dominioni realiza, El Criador de Universos (2017) é um documentário familiar na tela e por trás dela, embora não fique certo qual o grau de parentesco da jovem cineasta que tem o mesmo sobrenome dos personagens em destaque. São eles o jovem Juan, de 16 anos e com Síndrome de Asperger – embora este diagnóstico esteja na sinopse e não declarado no longa – e sua vó Rosa, de 96 anos, com quem grava os filmes e telenovelas que cria. Esses universos que o adolescente com medo de virar adulto imagina, dirige e dá vida têm tramas folhetinescas, com as vinganças e vilanias que ele assiste na TV, e apesar de todo amadorismo, carrega algumas noções básicas de narrativa e, no subconsciente, a relação que extrema necessidade é, às vezes, repulsa, que estabelece com a avó.

Além dessa metalinguagem do dispositivo do documentário em acompanhar prioritariamente essas filmagens, a produção retrata o cotidiano de alguém com Asperger e a velhice. Em sua maneira meio obsessiva, típica do espectro autista do qual a síndrome faz parte, Juan não enxerga o cansaço da avó. Sabiamente, em certo ponto do longa, Mercedes muda o foco de sua atenção, literal e figurativamente, com o protagonismo saindo do jovem para ir à Rosa, cujo talento e carisma é evidente já na pequena câmera do neto, mas apenas a lente da diretora transparece o peso da morte que aquela senhora está sentindo cair sobre ela.

> Circuito Spcine CCSP – Paulo Emílio – 21/10/2018 às 15h00

> Cinusp ECA – 24/10/2018 às 19h00

> PlayArte Marabá – Sala 4 – 28/10/2018 às 13h00

 

(Tajnata Sostojka, 2017)

Cena do filme macedônio O Ingrediente Secreto (2017) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A precariedade da vida dos personagens do primeiro longa de ficção do jovem diretor Gjorce Stavreski reflete a de um país em O Ingrediente Secreto (2017), filme pré-indicado pela Macedônia para disputar uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Sem dinheiro para o tratamento do pai (Anastas Tanovski), que está com um grave câncer de pulmão, a jornada do jovem mecânico Vele (Blagoj Veselinov) revela um sistema de saúde deficiente, com medicamento caros, cujos preços sobem a bel prazer, e que não garante direitos básicos, levando tantos, particularmente os esquecidos aposentados e pensionistas, a procurar refúgio em curandeiros, por exemplo. É o retrato de uma nação em eterna transição, como diz o jovem a uma amiga, tal qual a vizinhança, pertencente à ex-Iugoslávia ou não, que saiu da Cortina de Ferro do mundo comunista que havia se instalado no Leste Europeu, mas não consegue se adaptar à logica capitalista e globalizada do resto do continente.

A saída fácil, ou não tanto assim, que Vele encontra é quando, em seu próprio trabalho em uma espécie de estaleiro e manutenção de trens sucateados, encontra um pacote de maconha escondido por traficantes. Falhando na tentativa de vender a droga, o rapaz, então, faz uma receita de bolo com maconha para usar as propriedades terapêuticas da erva e aliviar as dores do pai doente.

A situação, é claro, gera inúmeras confusões com os verdadeiros donos do pacote de cannabis na narrativa que se estabelece como uma comédia de erros discreta em sua fusão com o drama. Apresentando o naturalismo e o humor negro peculiares do cinema balcânico em lidar com suas misérias, cujo primeiro e maior expoente contemporâneo se encontra na Nouvelle Vague Romena, o filme recaí em soluções fáceis de dramédias hollywoodianas em seu desfecho. Contudo, a alma da obra reside na difícil relação entre pai e filho, com suas questões mal resolvidas no passado.

> Instituto CPFL – Sala Umuarama (Campinas-SP) – 21/10/2018 às 19h00

> Cinesala – 23/10/2018 às 17h40

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 29/10/2018 às 19h50

 

(Manbiki Kazoku, 2018)

Quando levou a Palma de Ouro em um Festival de Cannes cheio de discussões contundentes fora e dentro das telas, Assunto de Família (2018) pode ter surpreendido a muitos lá presentes. A decisão de dar essa honraria pela primeira vez ao cineasta japonês Hirokazu Kore-eda e por seu novo e agridoce trabalho ser mais abrangente na tarefa de agradar público, crítica e júri podem ser levadas em consideração para justificar essa escolha. No entanto, é bem mais interessante a ideia de premiar um filme que trate de maneira genuína e delicada a complexidade das relações humanas, dos laços familiares e da moral.

Essas questões sempre permearam o cinema de Kore-eda, em títulos que passaram pela Mostra como Ninguém Pode Saber (2004), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade, e, na produção escolhida para representar o Japão como pré-candidata ao Oscar, ele disserta sobre como os laços familiares se constroem não pelo sangue em comum, mas pelo carinho e atenção trocados. Sofrendo com os maus tratos e agressões da mãe biológica, a pequena Yuri (Miyu Sasaki) é socorrida pelo ladrão Osamu (Lily Franky) que se compadece dela e leva para casa, onde vive com sua família torta, com a mulher Nobuyo (Sakura Andô) e o que parecem ser a avó (Kirin Kiki) e irmã dela (Mayu Matsuoka) e o seu filho Shota (Jyo Kairi), a quem ensina a arte de ser "mão leve". Somente aos poucos o público vai entendendo que a dinâmica existe além de relações parentais verdadeiras e que uma nova vai se construindo com a menina.

Se Osamu é amoral ao introduzir não só Shota como até Yuri no caminho do clã da malandragem e criminalidade, foi o mesmo que os resgatou e trata como filhos, revelando a dualidade marcada nesses personagens que agem por sobrevivência ou interesse, mas também demonstram verdadeira compaixão um com os outros. A relação fraternal que surge entre o menino e a garotinha é construída gradativamente para sucumbir a um sacrifício que leva ao clímax e um final que atesta que nem sempre o correto à primeira vista é o melhor a se fazer dependendo da situação. Neste mosaico familiar, o roteiro escrito pelo próprio Kore-eda peca ao deixar a jovem Aki de Mayu Matsuoka muito avulsa: a neta da senhora Hatsue que trabalha como uma espécie de stripper / prostituta para voyeuristas começa a gerar interesse com seu arco que lembra a utilização do sexo para tratar da solidão, como fez em Boneca Inflável (2009), mas é deixada ao relento com seu desfecho após uma confusa descoberta das ações de sua avó e seus pais.

> Cinesala – 21/10/2018 às 17h45

> CineSesc – 26/10/2018 às 18h40

> Reserva Cultural – Sala 1 – 27/10/2018 às 16h00

 

(Den Skyldige, 2018)

Escolhido como representante da Dinamarca na corrida do Oscar de Filme Estrangeiro do ano que vem, Culpa (2018) é aquele filme que vai arrebatar a plateia e, provavelmente, crescer no boca-a-boca entre os mostreiros, assim como Custódia (2017) fez na edição passada. Em seu primeiro longa-metragem, o dinamarquês Gustav Möller provoca sensações e navega até por temáticas que recordam o filme do francês Xavier Legrand, por exercer a mesma capacidade narrativa de manter o espectador tenso e em suspense do início ao fim. Não à toa, a produção venceu prêmio da audiência dos festivais de Sundance e Roterdã.

Mesclando esse controle e efeito narrativo a uma trama que também lembra o thriller Por um Fio (2002), sem aquelas interferências externas, troca-se a cabine telefônica onde Colin Farrell ficava direto naquela história pela central de emergência de Copenhague, acompanhando o turno, que se torna até extra, do policial Asger Holm (Jakob Cedergren, excelente e preciso nas nuances deste personagem) lá, onde o longa se passa inteiramente durante os seus 90 minutos. A escalada de tensão começa com a ligação de uma mulher pedindo socorro disfarçadamente por estar em mãos de um homem. Mais alguns telefonemas, inclusive para a pequena filha dela, e o atendente descobre logo quem é este homem. Só que isso não é um alívio, apenas mais uma crescente no filme, cujas viradas vem num rígido e paciente desvelar da trama, embora o jovem e talentoso diretor use a luz vermelha, tal qual Joe Wright no recente O Destino de uma Nação (2017), em um momento de urgência raivosa, ainda antes do clímax arrebatador.

No entanto, se no sucesso de Joel Schumacher o perigo estava à espreita do protagonista lá fora da cabine, no filme dinamarquês, ele se encontra mais dentro da psique de Asger. O espectador sabe brevemente que aquele turno acontece na véspera de um julgamento sobre algum incidente que jogou este policial para esse serviço interno, mas somente o compreende aos poucos. Mantendo uma tradição do cinema escandinavo de abordar questionamentos morais de maneira tão eficiente, Möller ainda trata de imigração e preconceito nas entrelinhas e de maneira mais direta a questão da saúde mental, mas tem no exercício da culpa e sua predileção em se acumular o norte desta obra.

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 21/10/2018 às 21h50

> Cinearte Petrobras 1 – 29/10/2018 às 17h30

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