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Foto do escritorNayara Reynaud

O HOMEM PERFEITO | Atualizar para a versão mais recente?

Atualizado: 13 de fev. de 2021


Luana Piovani em O Homem Perfeito (2018) | Foto: Divulgação

Parte importante do enredo de O Homem Perfeito (2018), a internet, assim como todos os avanços que a informática permitiu à humanidade nas últimas décadas, trouxe junto com o seu dinamismo um caráter de revolução constante que perpassa as mudanças tecnológicas, cada vez mais rápidas, para as transformações na própria sociedade. Tal qual um aparelho eletrônico, software ou aplicativo fica rapidamente desatualizado a fim de ser trocado por outro mais novo, o pensamento social ou opinião pública se tornam obsoletas em um tempo cada vez menor – o que não quer dizer que a anterior acabe ou não resista para permanecer dominante. É neste cenário turbulento de mudanças que o filme estrelado por Luana Piovani se encontra, ou melhor, se desencontra ao não estar atualizado com a versão mais recente das discussões atuais sobre o papel da mulher na sociedade, machismo, sororidade e tudo mais que engloba este pacote.

Filmado há dois anos, o longa, talvez, esteja mais datado do que mal intencionado. Com a direção de Marcus Baldini, que já trouxe protagonistas femininas em Bruna Surfistinha (2011), Os Homens São de Marte... E é pra Lá que Eu Vou! (2014) e na comédia policial ainda em cartaz Uma Quase Dupla (2018), a ideia do projeto, segundo o próprio afirmou durante a coletiva de imprensa em São Paulo, na terça retrasada (18), veio da roteirista Tati Bernardi, que escreveu o script com Patricia Corso, e ele convidou Tatiana Quintella para produzir. Seu lançamento agora é a prova de que certas ideias e estereótipos, ficcionais ou cotidianos, estão tão arraigados no pensamento geral, independente do gênero, que é difícil perceber que o processo de transformação ainda está em curso.

No entanto, vale ressaltar que os 15 minutos iniciais de O Homem Perfeito geram um choque na plateia até menos identificada com essas discussões, porque tudo parece fora de tom: o texto, a direção, as interpretações... Só depois essas peças se encaixam suficientemente para o espectador ser capaz de relevar alguns caminhos questionáveis do filme para embarcar na sua história e se aproximar de sua protagonista. Diana Prado (Piovani) é uma ghost writer que se especializou em escrever “autobiografias” de famosos sem habilidade para tanto e/ou com carreiras polêmicas, e que logo no começo da trama é abandonada pelo marido Rodrigo (Marco Luque), um cartunista incapaz de viver profissionalmente da sua arte e que trocou a esposa de 42 anos por Mel (Juliana Paiva), uma bailarina de apenas 23.

Para Luana Piovani, que um dia foi A Mulher Invisível (2009), o fato de encarnar uma mulher que, pela primeira vez, “não é o objeto do desejo e sim a trocada” foi o que chamou a sua atenção para o papel. Já o humorista Marco Luque brincou com os jornalistas que “ser marido da Luana” e fazer pouco caso dela o levaram para o projeto, mas frisou a falta de diálogo como um problema comum e grave das relações que é destacado no filme – particularmente em seu personagem. “O homem perfeito é o que dialoga, o que ouve”, atesta Piovani, que atuando não como materialização, mas como criadora dessa idealização do gênero oposto, faz a sua Diana, com raiva, se aproveitar desta brecha para minar a nova relação do ex, inventando o tal homem ideal que conversa, escuta e estimula os sonhos da jovem dançarina, através de um perfil fake no Facebook e também com a ajuda de seu novo biografado, o rockstar garanhão machista Caíque (Sérgio Guizé).

“Sim, temos um mercado fortalecido e diversificado para a comédia nacional”, declarou Baldini, afirmando novamente o seu gosto por comédias mais contidas e deixar o riso vir naturalmente das atuações e não de sua direção – veja também a cobertura da coletiva de Uma Quase Dupla. O cineasta, aliás, consegue atrair o interesse do público às trocas de mensagens, apesar de repetir o conteúdo gráfico apresentado nas telas através de voz off – uma muleta de didatismo exagerado que pode ser perdoável se a questão em pauta atualmente da acessibilidade nos cinemas foi uma preocupação aqui. No entanto, tendo como referência o personagem de Julia Roberts em O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997), em suas “atrocidades e fragilidade”, por vezes, vilaniza a sua protagonista ao invés de torná-la mais complexa.

Diana é uma mulher forte sendo mostrada como uma megera, e que não apresenta, por um bom tempo, nenhuma compaixão pela outra mulher da história e, apesar de seu discurso de independência feminina, é muito suscetível aos homens infantis e machistas com que se relaciona, tanto na passividade de Rodrigo quanto na escrotidão de Caíque – que só não é completamente odiável graças ao carisma de Guizé, que disse ter se inspirado nos Rolling Stones e, mais especificamente, em Keith Richards para montar o seu roqueiro bad boy. Não que O Homem Perfeito seja necessariamente anacrônico, pois todos esses personagens ainda existem na nossa realidade atual – com mais camadas de compreensão, é claro –, mas o seu discurso acaba sendo contraditório ao se manter preso a sua premissa ultrapassada e a estereótipos e caminhos fáceis que se convencionaram na comédia romântica. O público, porém, depois do desconforto inicial e da reflexão após a sessão, pode encontrar um filme agradável graças à boa parte de seu elenco, com Eduardo Sterblitch fora de um papel cômico como editor, Luana conseguindo cativar o espectador apesar dos pesares e Juliana Paiva se esforçando para dar humanidade a sua personagem, que, como todo mundo, só queria ter alguém para conversar.

Marco Luque, Sergio Guizé, Marcus Baldini, Tatiana Quintella e Luana Piovani na coletiva de imprensa de O Homem Perfeito, em São Paulo | Foto: Nayara Reynaud

Marco Luque, Sergio Guizé, Marcus Baldini, Tatiana Quintella e Luana Piovani na coletiva de imprensa de O Homem Perfeito (2018) | Foto: Nayara Reynaud

 

O Homem Perfeito (2018)

Duração: 90 min | Classificação: 14 anos

Direção: Marcus Baldini

Roteiro: Tati Bernardi e Patricia Corso

Elenco: Luana Piovani, Sergio Guizé, Juliana Paiva, Marco Luque, Eduardo Sterblitch e Dani Calabresa (veja + no IMDb)

Distribuição: Downtown Filmes / Paris Filmes

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