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Foto do escritorNayara Reynaud

A FESTA | Humor ácido a rigor

Atualizado: 20 de nov. de 2020


Timothy Spall, Cillian Murphy, Emily Mortimer e Patricia Clarkson em A Festa (2017) | Foto: Divulgação (A2 Filmes)

Existe um subgênero conhecido, mas não necessariamente denominado dentro do cinema, de filmes que utilizam o artifício de uma reunião em grupo em determinado local ou ocasião, onde, muito provavelmente, as coisas saem do controle. A Festa (2017), novo filme de Sally Potter, entra nesta categoria em que se encaixam, por exemplo, Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966) e Festim Diabólico (1948), ficando só nos clássicos – e que não fica restrita à Sétima Arte, vide a novela brasileira O Rebu (1974-75/2014). No entanto, diferente deste último longa, não é um crime que engatilha a sequência de revelações em um mero jantar entre amigos, embora a iminência dele esteja sempre rondando a trama, e sim um resultado da tensão circunstancial que paira no único cenário da produção.

A cineasta inglesa, de obras aclamadas como Orlando, a Mulher Imortal (1992) confere outras camadas ao que seria um pouco mais do que um encontro casual, tal qual o título original carrega em seus significados, que foram perdidos na tradução nacional. The Party não faz referência apenas à festa de comemoração da nomeação da protagonista Janet (Kristin Scott Thomas) como Ministra da Saúde do governo britânico, mas também ao partido de oposição – nunca citado, porém, subentendido que sejam liberais, como o Labor Party (Partido dos Trabalhadores do Reino Unido), e nada conservadores – do qual ela faz parte e quer se tornar uma liderança cada vez mais proeminente. Desta maneira, Potter faz de sua (A) Festa um banquete para falar de relacionamentos e política ou de pessoas e ideologias; de como essas questões se encontram e igualmente se confrontam.

Quem se vê inicialmente naquele restrito ambiente, é Bill (Timothy Spall, à frente do personagem que tem mais mudanças em seu arco narrativo), acadêmico que abnegou da sua carreira em favor da esposa e se encontra apático, enquanto Janet atende vários telefonemas e recebe os convidados em sua casa. Os primeiros a chegar são April (Patricia Clarkson, ganhadora do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no último British Independent Film Awards pelo papel, com todo o mérito), amiga norte-americana, cinicamente franca sobre os amigos e a política, além de dona das melhores falas do filme; e Gottfried (Bruno Ganz), marido alemão dela, o completo oposto com suas frases clichês e conselhos de autoajuda, mas tão engraçado quanto ela. Para completar o grupo, chegam Martha (Cherry Jones), amiga de Bill há anos e reconhecida acadêmica feminista e lésbica; sua jovem mulher Jinny (Emily Mortimer), que está grávida; e Tom (Cillian Murphy), o banqueiro impecável e agoniado, que aproveita qualquer brecha para cheirar um pouco mais de cocaína; além da ausência extremamente presente da esposa dele, Marianne, que está para chegar.

A produção que estreou mundialmente no Festival de Berlim do ano passado, quando ganhou o Guild Film Prize, prêmio dos exibidores de cinema de arte na Alemanha, é filmada toda em preto e branco pelo diretor de fotografia do russo Aleksei Rodionov, que já trabalhou outras vezes com a cineasta, em uma escolha que, segundo eles, visa deixar tudo exposto. Na contenção espacial e temporal, já que o longa tem apenas 71 minutos que emulam o tempo real e fluem naturalmente ao sabor da narrativa, Potter constrói uma atmosfera claustrofóbica, mas de uma forma cômica, seja no humor ácido dos diálogos ou na trilha sonora, com os discos de jazz que Bill põe em sua vitrola, que dão este tom bem-humorado. De modo semelhante, a diretora consegue manejar a mise-en-scène teatral que o ambiente inspira para a cinematográfica, afim de não tornar o longa um cineteatro.

No jantar que fica só no aperitivo, cujos drinques servidos são segredos, a DR coletiva revela os desejos contrastantes entre os presentes, entre promessas de separação, de formar uma família, de que a relação irá melhorar e evidências de traição. Nas atitudes controversas aos seus ideais, os personagens de Sally Potter são exemplo que a correção moral se torna condicional na vida pessoal e na política, dentre dos limites borrados entre público-privado. O que faz esta (A) Festa entrar também no rol das ótimas obras deste cinema britânico pós-Brexit.

 

A Festa (The Party, 2017)

Duração: 71 min | Classificação: 14 anos

Direção: Sally Potter

Roteiro: Sally Potter, com revisão de Walter Donohue

Elenco: Kristin Scott Thomas, Timothy Spall, Patricia Clarkson, Bruno Ganz, Cherry Jones, Emily Mortimer e Cillian Murphy (veja + no IMDb)

Distribuição: Mares Filmes / A2 Filmes

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