DISTÚRBIO | Stalker, obsessões e iPhones
Atualizado: 9 de mai. de 2020
Quando, há cinco anos, Steven Soderbergh parecia pendurar as chuteiras com o telefilme Minha Vida com Liberace (2013), não demorou muito para que a anunciada aposentadoria do cineasta que trouxe a cena independente norte-americana ao cenário mainstream fosse deixada de lado. Logo no ano seguinte, se lançou na produção e direção da série The Knick (2014-15) e, depois, voltou a rodar um longa-metragem, Logan Lucky: Roubo em Família (2017). No entanto, só agora em seu novo trabalho, ele faz realmente jus ao que disse lá em 2011, ao dizer que iria sair de Hollywood.
Se a saída física nunca ocorreu de fato, a metafórica se dá, pelo menos momentaneamente, em Distúrbio (2018), ao romper certos paradigmas narrativos e estéticos da maior indústria do cinema e se propor a fazer um “filme amador”. O amadorismo não está necessariamente na escolha por filmar apenas com iPhone – no caso, um 7 Plus –, até porque no pioneiro neste sentido, Tangerine (2015), Sean Baker demonstra uma busca genuína por experimentação com o novo recurso, lançando uma estética particular que, por vezes, é reconhecível neste esforço mais recente. Se, com toda a sua experiência, Soderbergh procura a mesma inovação, explorando lentes e planos em alguns momentos; em outros, deseja apenas brincar com o que têm em mãos, usando velhos clichês – e uma breve participação de seu amigo Matt Damon. Como conceito, porém, a escolha pela filmagem exclusiva com celulares não tem nada de brincadeira, mas serve sim como uma ferramenta narrativa eficiente para a trama de uma mulher que diz ser perseguida por um stalker no longa exibido no último Festival de Berlim e que estreia aqui no Brasil diretamente nas plataformas digitais.
Quem dá vida à Sawyer Valentini é Claire Foy, a Rainha Elizabeth da série The Crown (2016-), com uma precisão cirúrgica para deixar no ar a dúvida se tudo que ela diz ou vê é realidade ou ilusão da personagem. É claro que o roteiro de Jonathan Bernstein e James Greer utiliza ao seu favor, neste sentido, o estigma que recaí sobre as mulheres de paranoicas e/ou histéricas, para logo fazer o público questionar a palavra da protagonista, ainda mais ao ser internada em uma instituição psiquiátrica ao pedir ajuda e, lá, arranja briga constantemente com uma interna (Juno Temple) e acusa um dos funcionários (Joshua Leonard) de ser o seu algoz. No entanto, quando os roteiristas com experiências em comédias, românticas ou não, como Missão Quase Impossível (2010) e Sorte no Amor (2006), não conseguem ir além em seu thriller, perdendo o vigor no seu segundo ato, é a atuação de Foy em um sequência na solitária que retoma as rédeas da história e da atenção do espectador, mesmo que Soderbergh à leve para outra direção.
O cineasta, que aqui não só dirige como também assina a fotografia e a edição sob pseudônimos, relembra sua filmografia dos anos 1990 no suspense inicial, embalado pela trilha sonora de Thomas Newman – também adotando outra alcunha – com ares de série policial da mesma década. A partir do terceiro ato, contudo, ele adentra no território, não apenas do terror, mas do gore, com uma violência mais explícita, se entregando de vez ao trash. O sangue que jorra não é problema, mas o trash que vem visualmente de sua direção e até da interpretação na última cena, ao lado dos créditos finais típicos de filme B, ao mesmo tempo em que revelam um renomado cineasta sem medo de mergulhar em uma paródia, denotam novamente certo aspecto risível ao que, ou a quem, não se deveria levar em descrédito.
Distúrbio (Unsane, 2018)
Duração: 98 min
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Jonathan Bernstein e James Greer
Elenco: Claire Foy, Joshua Leonard, Amy Irving, Juno Temple, Jay Pharoah, Aimee Mullins, Sarah Stiles e Colin Woodell (veja + no IMDb)
Distribuição: Fox Home Entertainment
Disponível para compra ou aluguel no Google Play e iTunes