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Foto do escritorNayara Reynaud

SICÁRIO: DIA DO SOLDADO | Uma nova fronteira

Atualizado: 16 de out. de 2020


Isabela Moner e Benicio del Toro em Sicário: Dia do Soldado (2018) | Foto: Divulgação (Sony Pictures)

Há uma tendência comum das pessoas, por questões de trabalho, simples curiosidade ou uma e irrefreável necessidade de afirmação, de saírem da sessão – ou das cabines, no caso da imprensa – já perguntando sua opinião sobre o filme. Sicario: Terra de Ninguém (2015) sempre será, para mim, o maior e melhor exemplo de que a primeira impressão não é a que fica, pois ao digerir uma obra com o passar do tempo pode levá-la a um lugar que o espectador não pensou a princípio. Logo após a cabine, não tinha o mesmo entusiasmo do meu colega: apesar de considerar boa a história que acompanhava o combate do governo norte-americano aos cartéis mexicanos, seu desfecho havia me decepcionado. Só quando voltei a pensar no longa à noite, me toquei que essa frustração que sentia era a mesma de Kate Macer e de que o intuito do cineasta canadense Denis Villeneuve era realmente fazer o público se colocar na pele da protagonista idealista vivida por Emily Blunt ao ser confrontada por uma realidade em que não há saída, iluminando então, para mim, a excelência de Sicario não vista no primeiro momento.

Com esses questionamentos morais sendo deixados de lado e uma narrativa que torna tudo mais escancarado, Sicário: Dia do Soldado (2018) não apresenta igual jornada emocional. Taylor Sheridan, único do time principal da equipe técnica do original que permanece nesta sequência dirigida pelo italiano Stefano Sollima, continua a construir o seu roteiro como um jogo de cartas, mas o blefe não tem a classe do primeiro de uma jogada de pôquer profissional, porque é meramente uma reviravolta “na” e não “da” própria narrativa. O novo diretor traz toda a sua experiência em retratar o submundo da máfia italiana em longas como Suburra (2015) e a série Gomorra: La Serie (2014-) para o cenário dos cartéis mexicanos que estendem seu poder para estados norte-americanos como o Texas, seguindo a máxima já defendida pelo anterior de que não há santos neste embate, em que Matt Graver (o onipresente nas telas durante este ano, Josh Brolin, ainda em cartaz como o Cable de Deadpool 2 e o Thanos de Vingadores: Guerra Infinita) é novamente chamado para fazer o trabalho sujo geopolítico que os Estados Unidos arquitetam secretamente.

Sollima e Sheridan levam Dia do Soldado a caminhos diferentes, trocando o tráfico de drogas pelo de pessoas como produto principal dessas empresas criminosas, porém, dando voltas desnecessárias em terrenos pedregosos, especialmente o do terrorismo de um modo tão raso em sua abertura frenética. A forma sensacionalista com que tratam o assunto em uma cena trágica logo na segunda sequência da produção se torna mais questionável quando a impressão deixada por ela é “desmentida” por uma fala jogada levianamente no meio de uma discussão rápida e que pode passar despercebida pela plateia se tiver um segundo de desatenção. Por mais que já esteja claro pelas ações dos personagens que o retrato é de um governo ianque intrometido e intransigente, mas capaz de cometer erros crassos, este é o caso em que uma imagem vale mais do que dez palavras no imaginário do público após a sessão.

Essa contradição entre as intenções e a execução da obra também surgem no que tange a própria abordagem do tráfico de pessoas. O filme pode parecer extremamente atual ao ser lançado exatamente no momento mais crítico da política de zero tolerância do presidente Donald Trump aos imigrantes ilegais, com toda a condenação pública pela separação de crianças de seus pais, e ao mesmo tempo datado, ao tratar estes e outros indivíduos estrangeiros com uma falta de humanidade semelhante a dos governantes na realidade. Nem a aparição de Miguel Hernandez em McAllen – cidade texana bem na fronteira dos EUA com o México que justamente mais tem aparecido nos noticiários por conta desta questão –, como um jovem de origem latina sendo seduzido através de um primo a entrar para um cartel e ajudar os coiotes a atravessar o pessoal pelo rio Grande que separa os dois países, atinge profundidade suficiente, pois o papel parece sempre condicionado a ser meramente um dispositivo narrativo, como se comprova depois.

Quem consegue ultrapassar um pouco esta barreira é Isabela Moner, de Transformers: O Último Cavaleiro (2017), na pele de Isabel, a filha de Carlos Reyes, chefe de um cartel que rivaliza com o Matamoros e que passa então a ser apontado como o responsável pela tragédia pessoal pelo ex-advogado e agora matador de aluguel Alejandro. Benicio del Toro, que já habitou este mundo em Traffic: Ninguém Sai Limpo (2000), pelo qual ganhou o Oscar de Ator Coadjuvante, volta a dar vida ao defensor acometido pela vingança, mas se torna protagonista neste segundo capítulo, ganhando novos tons, por vezes mais humanos, outras mais sobrehumanos e psicopatas. A partir do segundo ato, é estabelecida uma relação paternal entre protetor / algoz e vítima com Alejandro e Isabel que relembra a de alguns faroestes – gênero que é muito caro a Sheridan, indicado ao Oscar por seu exercício contemporâneo no estilo, em A Qualquer Custo (2016) –, a exemplo de Bravura Indômita (1969/2010) ou até de Logan (2017), e de filmes policiais como O Professional (1994) ou tantos outros estrelados por Denzel Washington.

Neste momento, Dia do Soldado até se aproxima mais de seu antecessor, porém, sem a direção de Villeneuve e a fotografia de Roger Deakins, a obra perde o compasso de espera enervante que fazia do primeiro mais um thriller dramático a partir de um longa policial. Não que o suspense não exista, até na trilha sonora de Hildur Guðnadóttir, parceira do recém-falecido Jóhann Jóhannsson em trabalhos como Maria Madalena (2018), e que retoma o mesmo clima sombrio dos acordes do colega no anterior, incluindo o tema dele The Beast no final. No entanto, Sollima segue a cartilha de um filme de ação mais genérico – vide até a maneira como o uso da visão noturna perde o efeito neste – que mostra suas cartas em um desfecho revelador, mas também exagerado, buscando no conceito de mercenário que está no título Sicário, um caminho mais comercial para a trilogia / franquia que se desenha.

 

Sicário: Dia do Soldado (Sicario: Day of the Soldado, 2018)

Duração: 122 min | Classificação: 16 anos

Direção: Stefano Sollima

Roteiro: Taylor Sheridan

Elenco: Benicio Del Toro, Josh Brolin, Isabela Moner, Jeffrey Donovan, Catherine Keener, Manuel Garcia-Rulfo, Matthew Modine, Shea Whigham, Elijah Rodriguez, Howard Ferguson Jr. e David Castañeda (veja + no IMDb)

Distribuição: Sony Pictures

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