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Nayara Reynaud e Cauê Petito

IN-EDIT BRASIL 2018 | Rock é atitude

Atualizado: 16 de out. de 2020


Imagem do documentário Meu Tio e o Joelho de Porco (2018) | Foto: Divulgação (Festival In-Edit)

*Filme assistido durante a cobertura de Cauê Petito no 22º Cine PE

“Andando nas ruas do centro / Cruzando o viaduto do chá / Eis que me vejo cercado / Trombadinhas querendo / Me assaltar, me assaltar”

Antes de Mamonas Assassinas, Ultrage a Rigor e Língua de Trapo, havia Joelho de Porco. Formada por Tico Terpins, a banda nunca alcançou de fato o estrelato, ainda que, com seu estilo irreverente e anárquico, tenha pavimentado o caminho para o sucesso das bandas de Dinho, Roger Moreira e Laert Sarrumor – e seu LP 18 Anos Sem Sucesso, lançado em 1988, ressalta um pouco dessa irreverência. No entanto, Joelho de Porco parecia sempre perto de um esquecimento geral e injusto na história do rock ‘n’ roll nacional.

Em 2009, veio a morte de Zé Rodrix – integrante da banda nos anos 80 –, aos 61 anos, e com ela, a constatação de que a banda precisava ser reapresentada para uma nova geração. Coube, então, a Rafael Terpins, sobrinho de Tico e cineasta vindo da animação – a microssérie Batalha, A Guerra do Vinil (2007), realizada com a técnica do stop motion está entre seus trabalhos anteriores – contar essa trajetória através de seus olhos no seu primeiro longa, o documentário Meu Tio e O Joelho de Porco (2017).

O que se vê aqui é, então, uma série de depoimentos extremamente pessoais, carinhosos e, igualmente, sacanas de figuras ligadas diretamente à banda e ao tio, que se tornou uma figura paterna para Rafael após o falecimento de seu pai, em 1988, uma década antes da morte de Tico. Para isso, o próprio diretor se insere na narrativa conforme dirige seu velho Landau azul ao encontro dos depoimentos, explicitando o quão pessoal é esta história. Como seu “copiloto” está Tico Terpins, com sua imagem sendo recriada através de um boneco e animada com as técnicas em stop motion com as quais Rafael é tão familiarizado.

A figura imaginária do líder da banda que, em sua forma de boneco, comenta a narrativa, com piadas e gags envolvendo o surrado veículo, é representante dessa idealização nostálgica que Meu Tio e O Joelho de Porco promove, homenageando a personalidade da pessoa por trás da persona e divertindo. Mas expondo também esse ponto de vista parcial de alguém que irritou muito gente, inclusive um de seus integrantes durante um período, o vocalista argentino Billy Boyd. Mas como não irritaria? Mais do que uma banda de rock cômico, Joelho de Porco era, em sua essência, uma legítima representante do punk.

Mais do que um gênero musical, o punk era um movimento. Um manifesto de rebelião contra a ordem e os bons costumes em geral, escancarados num estilo visual igualmente transgressor. “Era punk porque não tinha outro nome pra dar pra coisa, entendeu? Mas era... foda-se”, diz a primeira esposa de Tico em depoimento. Assim, há passagens aqui extremamente divertidas, como a ocasião em que a banda arruma uma forma de escapar de uma multidão enfurecida após performar uma canção que gira em torno de lamber ânus. Porém, não era só de escatologia que Joelho de Porco vivia, com letras sarcásticas e satíricas que verbalizavam sentimentos temerosos com bom-humor, como São Paulo by the Day. A utilização da discografia da banda como trilha sonora é mais um elemento que engole o espectador para este mundo particular do movimento, entretendo e cativando no percurso.

A falta de um depoimento à parte ao mundo de Tico faz falta. Se foi mencionado o argentino Billy Boyd aqui, é dito na narrativa que o mesmo se recusou a participar deste documentário, com suas imagens de arquivo presentes aqui pixeladas. O que fica, no entanto, é a dúvida. Se a inclusão das imagens do mesmo, ainda que pixeladas, poderiam ser de mau-gosto, nunca fica exatamente claro se este recurso é mais uma piada em homenagem a Tico e sua personalidade – como se o mesmo, em sua versão boneco, tivesse se apossado da narrativa como frequentemente parece – ou uma real proibição.

Tais dúvidas começam a surgir com mais frequências e partem justamente desse confronto entre as atitudes punk da banda com o bom-senso ético. É impossível não se divertir e até mesmo sentir saudades de um tempo juvenil onde tais atitudes não possuíam consequências, mas é necessária, às vezes, uma autoavaliação.

Não se pode dizer, também, que este documentário não tem êxito no que se propõe. “Quem realmente era o Joelho de Porco?” nunca é respondido, porque esta nunca foi a pergunta. O que é visto em Meu Tio e O Joelho de Porco são relatos totalmente parciais e pessoais de pessoas que foram – e ainda são – influenciadas por Joelho de Porco, reconhecendo sua loucura, o quão à frente estiveram do seu tempo e – por que não? – o quão retrógrados podem soar hoje em dia. Se como material documental é sentida a falta de uma visão mais imparcial, o que por consequência a tornaria mais complexa, é inegável que ele também nunca falhe em entreter e divertir, representando uma viagem ao mundo de Tico e sua patota.

Assim, Meu Tio e o Joelho de Porco se resulta em uma carta de amor pessoal a Terpins e sua banda, ao punk e ainda à saudosa oposição à ordem e aos bons costumes.

 

Duração: 76 min

Direção: Rafael Terpins

Produção: Brasil

> Matilha Cultural – 16/06/2018 às 18h00

 
Felipe Mendes em cena de Phil Mendrix (2015)

“Eu vejo o pessoal a ouvir rock / E a manifestar-se enquanto ouve rock / Rock livra-nos da depressão que nos causa essa situação”

Não é preciso muito tempo de documentário para entender seu título e como o guitarrista Felipe Mendes adquiriu a alcunha de Phil Mendrix (2015), nome do longa de Paulo Abreu que apresenta a história do músico, considerado o melhor da área em Portugal. Seu virtuosismo no instrumento em solos inflamantes em alto e bom som levou a comparações com o ícone da guitarra Jimi Hendrix, por isso o trocadilho no apelido.

Da infância em Moçambique ao início da carreira, em meados da década de 60, nos concursos de yé-yé – o equivalente ao iê-iê-iê brasileiro da Jovem Guarda, como um pop rock altamente influenciado pelos Beatles – com sua banda Os Chinchilas, que logo ganhou sua cara e despontou como uma das pioneiras do rock psicodélico português, sua trajetória se confunde com a do gênero no país. Participando de outros atos, como a Heavy Band e a Roxigénio, o instrumentista viu esta perder espaço para um novo movimento no rock português que, naqueles anos 1980, conclamava uma nacionalismo musical, com versos em língua portuguesa para o seu punk / new wave que se opunha às letras em inglês dos grupos antecessores. Foi então que partiu com a família para o Brasil, onde ele permaneceu de 1982 a 1992, no interior de Minas Gerais, onde fazia shows até em lajes das casas, para voltar à terra natal e ressurgir na cena rock local, sedimentando o nome Phil Mendrix ao tocar com os Irmãos Catita, Phil Mendrix Band, Os Charruas e uma nova formação dos Chinchillas desde então.

A produção se apoia muito em materiais de arquivo, entre fotos e apresentações em bares nos anos 90 ou na TV em décadas anteriores, alguns depoimentos, de além-mar ou daqui de terras mineiras, e registros do cotidiano de Felipe se exercitando para manter a boa forma – sua figura parece uma mistura de Mick Jagger e Serguei com tanquinho. No entanto, esses dispositivos se mostram falhos, não só na questão técnica, com a qualidade e tratamentos das imagens, como também na abordagem que fica muito aquém da persona que continua a dedilhar seus solos mesmo sonhando ou da pessoa que ali habita, com apenas um breve vislumbre da vida familiar pregressa do pai de cinco filhos. Falta a Phil Mendrix ser o que o próprio retratado diz quando afirma que ser roqueiro não é só tocar, mas uma questão de atitude.

 

Duração: 70 min

Direção: Paulo Abreu

Produção: Portugal

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