IN-EDIT BRASIL 2018 | O regionalismo universal
Atualizado: 7 de out. de 2020
“O jambu é um tempero gostoso que tempera o Pará / Onde tem tucupi, o jambu vai temperar (...) / E o jambu treme, treme, treme, treme”
Uma pitada da ancestralidade das músicas da mineira-carioca Clara Nunes misturada à das letras históricas do Olodum e outros grupos dos primórdios do axé baiano, além de um tempero da geografia física e cultural nordestina no baião de Luiz Gonzaga são sentidas em Dona Onete, mas o sabor do jambu e toda a regionalidade do Pará que a cantora e compositora carrega em suas canções fazem de sua arte, algo sem comparação. Misturando o carimbó e o brega paraense a influências caribenhas comuns ali, a senhora de, hoje, 78 anos, que só enveredou pelo caminho da música depois de se aposentar aos 62 anos, se tornou a “diva do carimbó chamegado”. Um ícone local que levou os sons amazônicos para a Europa e até fez parte da trilha da novela das 9 A Força do Querer (2017), em que a autora Glória Perez exaltava a cultura do estado da professora de História aposentada.
Foi justamente no encerramento, em Belém, de sua turnê internacional do segundo álbum, Banzeiro (2016) – ela gravou seu primeiro disco, Feitiço Caboclo, apenas em 2012 – que Vladimir Cunha realizou o filme-show Dona Onete: Flor de Lua (2018). Antes da exibição da produção que faz parte do projeto Natura Musical, o diretor afirmou ao público da sessão que se tratava de uma “Dona Onete Experience”, o que se confirma com a projeção. A cada um ou dois números do show, o documentário se apresenta, a acompanhando em sua casa e outros lugares do seu dia-a-dia, contando, ela mesma e com o depoimento pontual de uma erveira do Mercado Ver-o-Peso e seus produtores musicais, de sua vida pregressa e os eixos que constituem a sua música.
Após viver anos em um relacionamento abusivo, se separando do ex-marido ao conseguir independência financeira para cuidar dela e dos filhos, a agora cantora usa a sensualidade que nunca lhe foi permitida nas letras, que também está presente no “queimoso e tremoso do Pará” da culinária paraense, que ela constantemente inclui nas suas composições. A miscigenação gastronômica se espelha no sincretismo religioso peculiar do estado, que une o misticismo amazônico – vide o Boto Namorador remetendo à lenda –, as crenças indígenas locais, tradições africanas vindas com os escravos e doutrina católica dos colonizadores portugueses. Até a pororoca que, um dia, a então Ionete da Silveira Gama chegou a enfrentar é citada no seu sucesso Banzeiro.
A mistura é tão irresistível que a própria artista, que se apresenta sentada, a la Elza Soares e Beth Carvalho nos últimos tempos, não consegue se conter e levanta algumas vezes durante o show, deixando a plateia sempre de pé. Um sinal da força que, assim como as cantoras citadas, ela carrega consigo e traz com suas músicas. O resultado é o espectador tentando se conter, balançando um pezinho aqui, batendo a mão acolá e dançando o carimbó em sua mente, mesmo depois da sessão, com a vontade de dar um abraço em Dona Onete.
Dona Odete: Flor de Lua (2018)
Duração: 71 min
Direção: Vladimir Cunha
Produção: Brasil
> Matilha Cultural – 15/06/2018 às 18h00
=> Aproveite e leia a crítica Adoniran – Meu Nome é João Rubinato (2018), documentário sobre o sambista que musicou os bairros da cidade de São Paulo, Adoniran Barbosa, e que esteve no último É Tudo Verdade e também está presente na programação do In-Edit Brasil 2018
Duração: 92 min
Direção: Pedro Serrano
Produção: Brasil