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Foto do escritorNayara Reynaud

PARA TER ONDE IR | É água de chuva, é banho de cheiro, é banzeiro

Atualizado: 26 de ago. de 2020


Ane Oliveira, Keila Gentil e Lorena Lobato em Para Ter Onde Ir (2016) | Foto: Divulgação (Cabocla Filmes / O2 Play)

A primeira imagem do mais recente filme da paraense Jorane Castro observa, junto com a personagem principal, em sua nuca, vastas estradas líquidas e uma chuva leve que cai sobre o rio e sua cabeça. Do porto onde ela e sua tripulação vão atracar, outra das três protagonistas dorme no carro parado de frente à imensidão aquática da Baia de Guajará, a mesma que a última deles vê, ao lado de sua filha, todo o dia, de sua casa em meio às palafitas. Não é preciso muito para entender que as águas de Para Ter Onde Ir (2016) representam o mar de incertezas em que essas três mulheres estão mergulhada – e, de certo modo, a própria obra.

O primeiro longa de ficção da cineasta que gosta de filmar a sua Amazônia natal e conta com cerca 90% de paraenses na equipe percorreu um longo caminho para chegar até aqui, estreando no Festival do Rio de 2016, mas só chegando agora ao circuito comercial. Contudo, além desses fatores externos, há uma incerteza que ronda a narrativa por muito tempo, exigindo paciência ao público para adentrar no mesmo tempo do filme. Se todo road movie faz do seu deslocamento físico uma metáfora para uma busca interior do(s) personagem(ns), este não só, por vezes, procura rotas alternativas à verbalização dos sentimentos de suas viajantes, tal qual Carolina Leone fez de modo tão distinto em Pela Janela (2017), como prefere não expor o destino dessa viagem até seus 40 minutos de história, quando outros detalhes são revelados quando alcançam a Praia de Atalaia.

Até ali, a plateia cai junto na estrada, sendo apresentado à Eva, apenas como a mulher madura e controladora interpretada por Lorena Lobato, de O Cheiro do Ralo (2006) e Exilados do Vulcão (2013); à amiga Melina, uma jovem vivida por Ane Oliveira, em sua vida amorosa sem compromissos, mas entre a lembrança sempre presente do ex e o sonho de um novo grande amor; e à Keithylennye, a ex-dançarina de tecnomelody e mãe solteira encarnada pela Keila Gentil, então vocalista da Gang do Eletro – a cantora saiu oficialmente do grupo em fevereiro deste ano. Aliás, tanto os clássicos bregas quanto a modernidade do tecnobrega surgem organicamente no filme, que possui uma trilha sonora legitimamente paraense, mas que, ao pôr uma lupa nesta cena popular local, relembra muito o pernambucano Amor, Plástico e Barulho (2013), de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. O aspecto sonoro tem um papel fundamental no longa, também com o ótimo design de som de Edson Secco que ambienta o espectador naquele cenário amazônico, entre os sons de pássaros e das caixas da aparelhagem, assim como cumpre um elemento narrativo na trama.

Isso ocorre em uma cena importantíssima no final, em que Castro foge de uma briga familiar de modo belo, mas igualmente evasivo de questões importantes de suas personagens. No início, ela se afasta através dos reflexos do para-brisa do carro de outra discussão, mas não a evita, assim como encara diretamente outra mais à frente sobre homens e amor. E enquanto a fotografia se aproveita bem da luz natural da Amazônia em um clima mais ameno, a atuação do elenco, às vezes, perde a naturalidade, embora encontre bom apoio no trio de atrizes principais.

Se a proposta esconde parte das protagonistas durante bom tempo de projeção, a construção de Melina se limita ao primeiro ato, sem desabrochar nos minutos seguintes. Eva, que possui um lugar de destaque frente às outras na narrativa desde o início, perde um pouco de sua força por causa da cena citada, que, apesar de conferir a ela uma motivação e problemática universal, ainda deixa dúvidas sobre sua resolução. Por outro lado, Keithylennye consegue ultrapassar seu arquétipo do segundo ato em diante, com Keila se destacando na pele da mulher mais real e forte das três, trazidas às telas com um terno e compreensivo olhar feminino de Jorane.

 

Para Ter Onde Ir (2016)

Duração: 100 min | Classificação: 12 anos

Direção: Jorane Castro

Roteiro: Jorane Castro

Elenco: Lorena Lobato, Keila Gentil, Ane Oliveira, Dime Cronista, Ramón Rivera e Leoci Medeiros (veja + da equipe técnica)

Distribuição: O2 Play

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